teologia para leigos

13 de abril de 2015

PRECÁRIOS EM PORTUGAL 2 [OS AFRICANOS]

«A noção de obrigação está antes da noção do direito, o qual está subordinado àquela e a ela é relativo. Um direito[1] não é eficaz em si, mas apenas pela obrigação que lhe corresponde. O cumprimento efectivo de um direito não depende de quem o possua, mas dos outros seres humanos que se sentem obrigados a fazer algo por ele. A obrigação é eficaz a partir do momento em que fica estabelecida. Mas uma obrigação não reconhecida por ninguém não perde nem um ápice da plenitude do seu ser. Um direito que ninguém reconheça não é grande coisa…»

Simone Weil, «Echar raíces», Trotta, 22014, p. 23.


«Como gerir os fluxos de emigrantes? (…) As políticas restritivas, como pusemos em evidência, não são particularmente uma boa resposta à actual exigência dos cidadãos dos países avançados de se conter os fluxos migratórios (cap. 4). Tal sucede pelo menos por três motivos.

In primis, porque as migrações são um recurso fundamental para os países que os recebem. A desconfiança dos autóctones, especialmente em relação à imigração clandestina, deriva, em grande parte, do escasso conhecimento do fenómeno. (…) Os nossos imigrantes, de um modo geral, vêm como clandestinos porque não têm outra escolha. Porém, chegam a Itália com as mesmas motivações do que os que chegam por vias regulares: têm uma atitude positiva em relação ao país que os acolhe; disponibilizam-se a trabalhar em profissões tipicamente complementares (e não-substitutas) às ambicionadas pelos nativos; pretendem geralmente regressar ao país de origem após terem ganho durante algum tempo o salário de um país rico; levam consigo um nível de capital humano não desprezível em relação ao grau de instrução e qualificações profissionais anteriores.

Em segundo lugar, as políticas restritivas estão votadas à ineficácia porque a imigração é parte fundamental do fenómeno explosivo da globalização. Não é fácil nadar contra a corrente, ou seja, nenhum país rico, como vimos, pode racionalmente dar-se ao luxo de dispensar os imigrantes.

Por fim, as políticas restritivas geram custos elevados que se devem ter em conta. (…) A clandestinidade dos emigrantes não é um jogo com um resultado nulo, mas sim negativo, na medida em que gera uma nítida perda para todos os actores envolvidos. Quem sofre uma perda mais acentuada são naturalmente os clandestinos, que se sujeitam a enormes riscos e sofrem discriminações no mercado de trabalho, imobiliário, etc. Mas este jogo também provoca danos no país de origem e no país que os acolhe. Com efeito, a clandestinidade produz efeitos que atenuam o potencial contributo da imigração para a economia. A clandestinidade reduz fortemente o incentivo por parte do migrante a acumular capital humano e diminui a sua capacidade de produzir rendimentos e enviar remessas para o país de origem. (o texto segue com propostas para reduzir o fenómeno da clandestinidade: (1) repensar os pontos transfronteiriços de passagem; (2) inverter as lógicas restritivas ("quantos devem entrar, para quem e como"); (3) criar programas de imigração temporária diferentes, com incentivos que ataquem o fenómeno da clandestinidade, com sistema de pontos à entrada e in itinere, sempre renegociáveis, esquemas de "return finance" e de gratificação para os países de origem, etc.)

«O exército dos invisíveis – aspectos económicos da imigração clandestina» - Maria Concetta Chiuri et al, Almedina 2010.






IMIGRANTES E PRECARIEDADE LABORAL:
- o caso dos trabalhadores de origem africana

Por Sónia Pereira[2]



Os estudos sobre trabalhadores imigrantes apontam para um importante peso da precariedade na sua situação laboral. Esta precariedade está habitualmente associada a modos de incorporação laboral desvantajosos, em ocupações de baixo estatuto, no caso português, principalmente na construção civil, limpezas, trabalho doméstico, hotelaria e restauração, onde domina a informalidade (ausência de vínculos laborais ou de contribuições para a Segurança Social), e onde a elevada vulnerabilidade ao desemprego conduz a que a taxa de desemprego entre imigrantes seja superior à verificada para os trabalhadores nacionais. (…)


Horários e ritmos de trabalho

O horário de trabalho e o ritmo de trabalho são substancialmente diferentes entre homens e mulheres. Em 2006, 62,1 por cento das mulheres inquiridas trabalhava apenas em regime de part-time, enquanto a totalidade dos homens trabalhava a tempo inteiro. Aliás, o número de mulheres imigrantes que trabalha apenas em regime de part-time registou um crescimento sustentado desde 1998.

A preferência por este regime de trabalho é apontada como o que separa um trabalho precário de um trabalhador meramente flexível. Não dispomos de informação para a totalidade das inquiridas relativamente à voluntariedade, mas várias expressaram o desejo, que não têm conseguido concretizar, de aumentar o número de horas que trabalham; o que indicia que, pelo menos para uma parte das inquiridas, o regime de trabalho em part-time corresponde a uma situação involuntária e, por isso, de precariedade, que responde sobretudo às necessidades dos empregadores, não das trabalhadoras. No conjunto das mulheres inquiridas, em 2006, 44,1 por cento trabalhava em horário pré-expediente (entre as 6 e as 9 da manhã) e 33,8 por cento em horário pós-expediente (entre as 17 e as 20 horas ou 18 e 21 horas). Estes horários, mais requisitados pelos clientes, criam enormes dificuldades na conciliação da vida laboral e da vida familiar, sobretudo para quem tem filhos pequenos. A imposição destes horários conduziu, aliás, a que, em vários bairros com forte concentração de imigrantes, as estruturas de apoio comunitárias criassem jardins-de-infância e creches com horários alargados. Estas iniciativas revelam-se, contudo, insuficientes para fazer face à procura.


Condições salariais e desemprego

Os baixos salários actuais estão entre as queixas mais referidas pelos imigrantes, homens e mulheres. O sentimento geral transmitido (…).


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[1] Confrontar com Aloysius Pieris, «Liberación, Inculturación, Diálogo Religioso – un nuevo paradigma desde Asia», Verbo Divino, in «Inconsequências das Encíclicas Sociais». Aloysius, jesuíta cingalês a trabalhar com comunidades populares a partir do Sri Lanka, contrapõe o "modelo de direitos ao modelo de co-responsabilidade (ou seja, de Aliança)":
[2] Centro de Estudos Geográficos da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.