«A noção de obrigação está antes da noção do
direito, o qual está subordinado àquela e a ela é relativo. Um direito[1] não é
eficaz em si, mas apenas pela obrigação que lhe corresponde. O cumprimento
efectivo de um direito não depende de quem o possua, mas dos outros seres
humanos que se sentem obrigados a fazer algo por ele. A obrigação é eficaz a partir do momento em
que fica estabelecida. Mas uma obrigação não reconhecida por ninguém não perde nem
um ápice da plenitude do seu ser. Um direito que ninguém reconheça
não é grande coisa…»
Simone Weil, «Echar raíces», Trotta, 22014, p. 23.
«Como gerir os fluxos de emigrantes?
(…) As políticas restritivas, como pusemos em evidência, não são
particularmente uma boa resposta à actual exigência dos cidadãos dos países
avançados de se conter os fluxos migratórios (cap. 4). Tal sucede pelo menos por
três motivos.
In
primis, porque as migrações são um recurso
fundamental para os países que os recebem. A desconfiança dos autóctones,
especialmente em relação à imigração clandestina, deriva, em grande parte, do
escasso conhecimento do fenómeno. (…) Os nossos
imigrantes, de um modo geral, vêm como clandestinos porque não têm outra
escolha. Porém, chegam a Itália com as mesmas motivações do que
os que chegam por vias regulares: têm uma atitude positiva em relação ao país
que os acolhe; disponibilizam-se a trabalhar em profissões tipicamente complementares
(e não-substitutas) às ambicionadas pelos nativos; pretendem geralmente regressar ao país
de origem após terem ganho durante algum tempo o salário de um
país rico; levam consigo um nível de capital humano não desprezível em relação
ao grau de instrução e qualificações profissionais anteriores.
Em segundo lugar, as políticas restritivas
estão votadas à ineficácia porque a imigração é parte fundamental do fenómeno
explosivo da globalização. Não é fácil nadar contra a corrente, ou seja, nenhum país rico, como vimos, pode racionalmente dar-se
ao luxo de dispensar os imigrantes.
Por fim, as políticas restritivas geram
custos elevados que se devem ter em conta. (…) A clandestinidade dos emigrantes não é
um jogo com um resultado nulo, mas sim negativo, na medida em
que gera uma nítida perda para todos os actores envolvidos. Quem sofre uma
perda mais acentuada são naturalmente os clandestinos, que se sujeitam a
enormes riscos e sofrem discriminações no mercado de trabalho, imobiliário,
etc. Mas este jogo também provoca danos no país de origem e no país que os
acolhe. Com efeito, a clandestinidade produz efeitos que atenuam o potencial contributo
da imigração para a economia. A
clandestinidade reduz fortemente o incentivo por parte do migrante a acumular
capital humano e diminui a sua capacidade de produzir rendimentos e enviar
remessas para o país de origem. (o texto segue com propostas
para reduzir o fenómeno da clandestinidade: (1) repensar os pontos
transfronteiriços de passagem; (2) inverter as lógicas restritivas
("quantos devem entrar, para quem e como"); (3) criar programas de
imigração temporária diferentes, com incentivos que ataquem o fenómeno da
clandestinidade, com sistema de pontos à entrada e in itinere, sempre renegociáveis, esquemas de "return
finance" e de gratificação para os países de origem, etc.)
«O exército dos invisíveis – aspectos económicos da imigração
clandestina» - Maria Concetta Chiuri et al, Almedina 2010.
IMIGRANTES E PRECARIEDADE LABORAL:
-
o caso dos trabalhadores de origem africana
Por
Sónia Pereira[2]
Os estudos sobre trabalhadores imigrantes
apontam para um importante peso da precariedade na sua situação laboral. Esta
precariedade está habitualmente associada a modos de incorporação laboral
desvantajosos, em ocupações de baixo estatuto, no caso
português, principalmente na construção civil, limpezas, trabalho doméstico,
hotelaria e restauração, onde domina a informalidade (ausência de vínculos laborais ou
de
contribuições para a Segurança Social), e onde a elevada
vulnerabilidade ao desemprego conduz a que a taxa de desemprego entre
imigrantes seja superior à verificada para os trabalhadores nacionais. (…)
Horários e ritmos de trabalho
O horário de trabalho e o ritmo de trabalho
são substancialmente diferentes entre homens e mulheres. Em 2006, 62,1 por
cento das mulheres inquiridas trabalhava apenas em regime de part-time, enquanto a totalidade dos
homens trabalhava a tempo inteiro. Aliás, o número de mulheres imigrantes que trabalha apenas em
regime de part-time registou um crescimento sustentado desde 1998.
A preferência por este regime de trabalho é
apontada como o que separa um trabalho
precário de um trabalhador meramente flexível.
Não dispomos de informação para a totalidade das inquiridas relativamente à
voluntariedade, mas várias expressaram o desejo, que não têm conseguido
concretizar, de aumentar o número de horas que trabalham; o que indicia que,
pelo menos para uma parte das inquiridas, o regime de trabalho em part-time corresponde a uma situação
involuntária e, por isso, de precariedade, que responde sobretudo às
necessidades dos empregadores, não das trabalhadoras. No conjunto das mulheres
inquiridas, em 2006, 44,1
por cento trabalhava em horário pré-expediente (entre as 6 e as 9 da
manhã) e 33,8 por cento
em horário
pós-expediente (entre as 17 e as 20 horas ou 18 e 21 horas). Estes
horários, mais requisitados pelos clientes, criam enormes dificuldades na
conciliação da vida laboral e da vida familiar, sobretudo para quem tem filhos
pequenos. A imposição destes horários conduziu, aliás, a que, em vários bairros
com forte concentração de imigrantes, as estruturas de apoio comunitárias
criassem jardins-de-infância e creches com horários alargados. Estas
iniciativas revelam-se, contudo, insuficientes para fazer face à procura.
Condições salariais e desemprego
Os baixos salários actuais estão entre as
queixas mais referidas pelos imigrantes, homens e mulheres. O sentimento geral
transmitido (…).
[pp. 7]
[1] Confrontar com Aloysius Pieris, «Liberación, Inculturación, Diálogo Religioso – un nuevo paradigma desde
Asia», Verbo Divino, in «Inconsequências das Encíclicas Sociais». Aloysius,
jesuíta cingalês a trabalhar com comunidades populares a partir do Sri Lanka,
contrapõe o "modelo de direitos ao modelo de
co-responsabilidade (ou seja, de Aliança)":