teologia para leigos

31 de outubro de 2013

O PREÇO DA DESIGUALDADE 4/4 [J. STIGLITZ]


99% - 1%



IV PARTE

O CAMINHO PARA A FRENTE:
- OUTRO MUNDO É POSSÍVEL


Para a maioria das pessoas, os salários são a mais importante fonte de rendimento. As políticas monetárias e macroeconómicas que provocam mais desemprego – e salários mais baixos para os cidadãos – são uma grande fonte de desigualdade na nossa sociedade actual. Nos últimos 25 anos, as políticas e as instituições monetárias e macroeconómicas «correctas» falharam quanto a produzir estabilidade; falharam quanto a produzir um crescimento sustentável; e, mais importante ainda, falharam quanto a produzir um crescimento que beneficiasse a maioria dos cidadãos na nossa sociedade.

À luz destas falhas dramáticas, poderíamos ter antecipado uma estratégia de enquadramento macroeconómico e monetário alternativo. Mas, tal como os bancos – que defendem que nenhum sistema é à prova de acidentes, que têm sido vítimas de uma inundação raríssima, e que a nossa actual recessão não é motivo para mudar um sistema que funciona – têm sido notavelmente bem sucedidos em resistir à regulação, muitos dos que mantinham as erróneas crenças macroeconómicas, que conduziram às defeituosas políticas monetárias, continuam a mostrar-se impenitentes. Mantêm-se relutantes em mudar essas crenças. Afirmam que a teoria estava certa: o que se passou foram algumas falhas na sua implementação. [Cf. Ben S. Bernanke, «Implications of the Financial Crisis for Economics», discurso na Conferência co-patrocinada pelo Centro para Estudos de Política Económica e o Bendheim Center for Finance, Princeton University, 24 de Setembro de 2010]

(…)


Outro mundo é possível

Não vale a pena fingir. Apesar da crença persistente de que os norte-americanos gozam de maior mobilidade social que os seus parceiros europeus, os Estados Unidos já não são a terra das oportunidades.

Nada ilustra tão vivamente o que aconteceu como a aflição dos jovens de hoje. Em vez de começarem uma nova vida, cheios de entusiasmo e esperança, muitos deles confrontam-se com um mundo de ansiedade e medo. Sobrecarregados com empréstimos estudantis que sabem que terão dificuldades em pagar, e que não serão reduzidos mesmo que entrem em falência, procuram bons empregos num mercado deprimente. Se têm sorte de arranjar trabalho, os salários serão decepcionantes, muitas vezes tão baixos que terão de continuar a viver com os pais.[1]

Os pais cinquentenários têm de se preocupar com os filhos e ao mesmo tempo com o seu próprio futuro. Perderão as suas casas? – interrogam-se. Serão forçados a reformar-se mais cedo? – atemorizam-se. As suas poupanças, bastante diminuídas pela Grande Recessão, chegarão para o resto da vida? – angustiam-se. Sabem que se enfrentarem dificuldades, não poderão contar com a ajuda dos filhos. De Washington chegam notícias ainda piores: cortes no Programa Medicare, os quais tornarão incomportável o acesso à saúde a alguns grupos. A Segurança Social também parece estar na mesa de corte. Para os norte-americanos que enfrentam a velhice, uma reforma confortável parece uma miragem. Os sonhos de uma vida próspera e melhor para os seus filhos podem ser tão antiquadas quanto um filme da década de 1950.

O que tem acontecido nos Estados Unidos também tem acontecido em muitos países do mundo. Mas não é inevitável. Não é inexorável ESTE funcionamento da economia de mercado.

(…)


Durante cerca de 30 anos os trabalhadores norte-americanos viram o seu nível de vida corroer-se. Para os que, nas profundezas da Grande Depressão, afirmaram que as forças do mercado acabariam por triunfar e fariam a economia regressar ao pleno emprego, Keynes respondeu que sim, a longo prazo, os mercados podem funcionar – mas a longo prazo estamos todos mortos.

(…)


Quando pensamos sobre como fortalecer a nossa economia, é imperativo que não sucumbamos ao fetichismo do PIB. Vimos (nos Capítulos 1 e 4) que o PIB não é uma boa medida de desempenho económico. O PIB não reflecte com rigor as mudanças nos padrões de vida, de um modo geral, da maioria dos cidadãos, e não nos diz se o crescimento que experienciamos é sustentável.

(…)


Seria importante garantir um maior acesso a informação objectiva, sem carácter tendencioso, seguindo o exemplo de vários países escandinavos. Em vez de terem a comunicação social completamente controlada por magnatas – a maioria deles pertencem aos 1% do topo, e cujos media reflectem em grande parte as visões dessa elite –, tentaram, com algum êxito, criar uma comunicação social mais democrática. Podíamos, como muitos países europeus, dar apoio público a vários grupos de reflexão independentes, para garantir um debate mais equilibrado sobre a sensatez de políticas alternativas. (…)


Joseph E. Stiglitz, Prémio Nobel da Economia de 2001.











[1] Ver Capítulo 1 para uma abordagem mais detalhada.

30 de outubro de 2013

O PREÇO DA DESIGUALDADE 3/4 [J. STIGLITZ]

99% - 1%



III PARTE

OS MERCADOS E A DESIGUALDADE


O Capítulo anterior destacou o papel desempenhado pelo rent-seeking na criação do alto nível de desigualdade norte-americano. Outra via usada para explicar a desigualdade enfatiza as forças abstractas de mercado. Deste ponto de vista, é uma questão de pouca sorte para a classe média e para a classe média baixa que as forças de mercado tenham agido como agiram, com os trabalhadores comuns a verem os seus salários reduzidos, e os hábeis banqueiros a verem os seus rendimentos voar. Segundo esta perspectiva, está nela implícita a ideia de que quando interferimos com as maravilhas do mercado, fazemo-lo por nossa própria conta e risco, ou seja, é preciso ser sempre muito cauteloso em qualquer tentativa de «corrigir» o mercado.

(…) A nossa hipótese é: as forças de mercado são reais, mas são moldadas através de processos políticos. Os mercados são moldados por leis, regulamentos e instituições. Qualquer lei, qualquer regulamento e qualquer acordo institucional tem consequências distributivas, e a forma como temos moldado a economia de mercado norte-americano funciona em benefício dos que estão no topo e em desvantagem dos restantes.

Há outro factor determinante quando se analisa a desigualdade social e que abordaremos neste Capítulo. Como vimos anteriormente, o Governo condiciona as forças de mercado. Mas estas também são influenciadas pelas instituições sociais e pelas normas da sociedade. De facto, a política amplifica e reflecte em larga medida as normas sociais. Em muitas sociedades, os mais desfavorecidos são na sua grande maioria grupos que, de uma forma ou de outra, sofrem de discriminação. O alcance desta discriminação está intimamente ligado às normas sociais. Veremos como as mudanças nas normas sociais – que definem, por exemplo, o que é uma remuneração justa – e nas instituições, como os sindicatos, têm ajudado a configurar a distribuição dos rendimentos e da riqueza nos Estados Unidos. Porém, essas normas e instituições sociais, como os mercados, não existem no vazio: também elas são, em parte, condicionadas pelos 1% do topo. (…)

De volta ao papel do Estado

Esta narrativa à volta das transformações do mercado e do contributo das forças de mercado para uma crescente desigualdade ignora o papel que o Estado desempenha na configuração do dito mercado. Grande parte dos empregos que não foram mecanizados (e que provavelmente não serão tão cedo) pertencem ao sector público, à área do ensino, à saúde e por aí adiante. Se tivéssemos decidido pagar mais aos nossos professores, poderíamos ter atraído e mantido melhores professores, e isso poderia ter melhorado o desempenho económico global a longo prazo. Permitir que os salários da função pública descessem foi uma decisão pública.[1]

Contudo, o papel mais importante do Estado é o de definir as regras básicas do jogo, através de leis como as que incentivam ou desencorajam a sindicalização, normas de gestão empresarial que alimentem o discernimento dos gestores, e leis da concorrência que limitem a extensão das rendas de monopólio. Como comentámos no início desta secção, quase todas as leis têm consequências distributivas, que fazem com que alguns saiam beneficiados à custa dos outros, como é hábito.[2] Estas consequências distributivas costumavam ser os efeitos mais importantes da política ou do programa governamental.[3] (…)


1. Liberalização financeira

Durante as últimas três décadas, as instituições financeiras norte-americanas têm defendido com veemência a livre mobilidade de Capital. De facto, tornaram-se os paladinos dos direitos do Capital contra os direitos dos trabalhadores ou até dos direitos políticos.[4] Os direitos simplesmente especificam a que têm direito os variados intervenientes económicos. Por exemplo, entre os direitos adquiridos pelos trabalhadores está o direito a unir-se, a sindicalizar-se, a encetar negociações colectivas e o direito à greve. Muitos Estados não democráticos restringem estes direitos de forma severa, mas até os Estados democráticos os limitam. Do mesmo modo, também os donos do Capital podem ter direitos. O mais fundamental direito dos donos do Capital é que não sejam privados das suas propriedades. Porém, repito, até numa sociedade democrática estes direitos estão restringidos; sob o direito de desapropriação, o Estado pode tirar a propriedade de alguém para fins públicos, mas tem de haver o devido processo legal e a compensação apropriada. Em anos recentes, os donos do Capital exigiram mais direitos, como o de se movimentarem livremente para dentro e para fora dos países. Em simultâneo, argumentaram contra as leis que os podem tornar mais responsáveis pelos abusos aos direitos humanos noutros países, tal como o Estatuto Alien Tort, que permite às vítimas desse abusos mover acções dentro dos Estados Unidos.

Do ponto de vista da economia pura, são muitos os ganhos de eficiência para a produção mundial através da livre mobilidade laboral, muito maiores que os ganhos de eficiência através da mobilidade do Capital. As diferenças no retorno do Capital são minúsculas em comparação com as diferenças na rentabilidade laboral.[5] Mas os mercados financeiros têm alimentado a globalização, e embora os agentes financeiros embandeirem constantemente em arco os ganhos de eficiência, o que na realidade têm em mente é outra coisa: um conjunto de regras que beneficiam o seu grupo e aumentam a sua vantagem sobre os trabalhadores. A ameaça de saída de Capital, na eventualidade de os trabalhadores se tornarem demasiado exigentes em relação aos seus direitos e salários, mantém os ordenados dos trabalhadores baixos.[6] A concorrência entre países para atrair o investimento assume variadas formas, não só a descida dos salários e o enfraquecimento das protecções aos trabalhadores. Existe uma mais vasta «corrida para a base» que tenta garantir que as regulações empresariais se mantenham fracas e os impostos baixos. Numa área, a das finanças, isto provou ser especialmente dispendioso e especialmente crítico para o crescimento da desigualdade. Os países enveredaram por uma corrida a fim de terem o sistema financeiro menos regulado, evitando assim que as empresas financeiras fujam para outros mercados. No Congresso norte-americano há quem se preocupe com as consequências desta desregulação, mas se sinta impotente. Se os Estados Unidos não consentissem nesta des-regulação, perderiam postos de trabalho e uma indústria importantíssima. Contudo, se olharmos para trás, esta política tem sido um erro. As perdas para o país provocadas pela crise que resultou de uma regulação inadequada foram de superior magnitude em relação ao número de empregos na área financeira que foram salvos.

Não surpreende que, embora há uma década dominasse a ideia de que todos beneficiariam dos livres movimentos de Capital, depois da Grande Recessão muitos observadores passaram a ter dúvidas em relação a isso. Estas preocupações vêm não só dos países em vias de desenvolvimento, como também de alguns dos maiores defensores da globalização. De facto, até o FMI (Fundo Monetário Internacional, a agência internacional responsável por assegurar a estabilidade financeira global) já reconheceu os perigos de uma não onerada e excessiva integração financeira[7]: um problema num país pode rapidamente espalhar-se a outro. Na verdade, os medos de contágio motivaram resgates a bancos da magnitude de dezenas e centenas de mil milhões de dólares. A resposta a doenças contagiosas é a «quarentena», e, por fim, na primavera de 2011, o FMI reconheceu o desejo de uma resposta análoga nos mercados financeiros. Essa resposta traduziu-se no controlo de Capital, ou na limitação do volátil movimento de Capital além-fronteiras, sobretudo durante a Crise.[8]

A ironia é que durante as crises financeiras quem suporta os custos são os trabalhadores e as pequenas empresas. As crises vêm acompanhadas por altas taxas de desemprego que fazem baixar os salários, pelo que os trabalhadores sofrem a dobrar. Em crises anteriores, o FMI (como é habitual, com o apoio do Tesouro dos EUA) não só insistiu em levar a cabo enormes cortes orçamentais nos países com problemas, convertendo crises em recessões e depressões, como também exigiu liquidações de activos, altura em que os agentes financeiros atacaram a matar. No meu anterior livro, Globalization and Its Discontents, descrevi como a Goldman Sachs foi uma das vencedoras da crise financeira asiática de 1997, assim como da crise de 2008. Quando nos interrogamos como é possível que as agências financeiras enriqueçam tanto, parte da resposta é simples: ajudaram a redigir uma série de regras que as beneficiavam, mesmo nas crises que elas ajudaram a criar.[9]


2. Globalização do comércio

Os efeitos da globalização do comércio não têm sido tão dramáticos quanto os das crises associadas ao Capital e à liberalização do mercado financeiro, mas têm, não obstante, operado lenta e firmemente, sobretudo nos países mais desenvolvidos. A ideia básica é simples: o movimento de bens é um substituto para o movimento de pessoas. Se os Estados Unidos importam mercadorias que requerem trabalhadores não qualificados, reduz a procura de trabalhadores não qualificados para produzirem essas mercadorias nos Estados Unidos, e isso reduz os salários dos trabalhadores não qualificados. Os trabalhadores norte-americanos podem competir ao aceitar salários cada vez mais baixos, ou através de uma maior qualificação.[10] Este efeito surgiria, independentemente de como geríssemos a globalização, desde que conduzisse a mais comércio.

Contudo, a forma como a globalização tem sido gerida tem conduzido a salários ainda mais baixos, visto que o poder de negociação dos trabalhadores foi destruído. Com o Capital altamente móvel – e com as tarifas baixas –, uma empresa pode simplesmente comunicar aos seus trabalhadores que, caso estes não aceitem menores salários e piores condições laborais, ela fecha e vai para outro lado. Para vermos como uma globalização assimétrica pode afectar o poder de negociação, imaginemos, por um momento, como seria o mundo caso houvesse livre mobilidade laboral, mas nenhuma mobilidade de Capital.[11] Os países competiriam para atrair trabalhadores. Prometeriam boas escolas e um bom ambiente, assim como impostos baixos sobre os trabalhadores. Isto podia ser financiado pelos impostos altos sobre o Capital. Mas não é esse o mundo em que vivemos, e isso acontece, em parte, porque os 1% não querem que assim seja.

(…)


Joseph E. Stiglitz, Prémio Nobel da Economia de 2001.








[1] Na Direita, alguns comparam os salários do sector público com os do sector privado de uma forma pouco ajustada com a educação – ou seja, não tendo em conta as diferenças no nível de educação entre os sectores público e privado – e queixam-se de que os salários da função pública são demasiado altos. Mas os pagamentos por sector, ajustados à educação (ou seja, tendo em conta as diferenças educacionais entre os dois sectores), são bastante mais baixos que o privado. Alguns defendem que pensões mais generosas (e com menos risco), entre outros benefícios compensam o sector público nesta diferença. Munnell, et al., descobriu que os trabalhadores do sector público gozam de um «modesto» prémio de 4% mesmo com os benefícios. A. Munnell, J. P. Aubry, J. Hurwitz e L. Quimby, «Comparing Compensation: State-Loval versus Private Sector Workers», Center for Retirement Research of thee Boston College, nr. 20, Setembro de 2011.
[2] Por tradição, muitos economistas não têm estado confortáveis em lidar com estas mudanças distributivas, devido à dificuldade de efectuar comparações interpessoais. Os economistas costumam focar-se no equilíbrio da «eficiência à Pareto», em que ninguém vive melhor sem fazer alguém viver pior, ou em «melhorias à Pareto», em que alguém passa a viver melhor mas ninguém é lesado. Mas poucas mudanças de políticas são desse género. Geralmente, uns ganham e outros perdem. Um equilíbrio eficiente de Pareto, de modo como é aprendido em cursos de economia elementares (e porventura depois esquecido), pode não ser muito desejável, porque deixou muita gente na mais pura subsistência.
[3] Há várias centenas de anos, na Inglaterra e na Escócia, os grandes proprietários anexaram a terra comum (os «baldios»). Alguns economistas defenderam que isto era desejável, uma vez que evitava o problema do sobrepastoreio, um problema que era chamado de «tragédia das terras comuns». Mas muito maiores que o efeito de eficiência eram os efeitos distributivos: muitos perderam os seus sustentos e ficaram empobrecidos. Como o economista / cientista político Eleanor Ostrom, vencedor do Prémio Nobel, assinalou, existem outras formas de evitar a tragédia das terras comuns e de garantir que os recursos são bem geridos – por exemplo, simplesmente regulando o número de ovelhas que podem pastar. Estas formas podem ser igualmente eficientes, mas com bem melhores consequências sociais. A verdadeira tragédia das terras comuns foi que, com a privatização dos nobres, milhares de pessoas tornaram-se indigentes e tiveram que migrar para as cidades britânicas ou para outros lados. Um sistema de direito de utilização – permitindo que cada família pastasse, digamos, dez ovelhas – teria prevenido o problema do sobrepastoreio, assim como mais miséria dos camponeses. Em quase todas as sociedades onde a água é muito escassa (como os indígenas do Deserto do Atacama) ou que dependam da irrigação, desenvolveram esquemas regulatórios complexos de distribuição de água, equilibrando equidade e eficiência – e com apenas um uso limitado dos preços. Para uma discussão mais aprofundada destas questões, ver J. Stiglitz, «Making Globalization Work», capítulo 4 (Edição portuguesa das Edições ASA).
[4] A Declaração Universal dos Direitos Humanos, adoptada pelas Nações Unidas a 10 de Dezembro de 1948, reconheceu tanto os direitos económicos como os direitos políticos, mas os direitos económicos identificados referiam-se ao cidadão comum. «(1) Toda a pessoa tem direito a um nível de vida suficiente para lhe assegurar e à sua família a saúde e o bem-estar, principalmente quanto à alimentação, ao vestuário, ao alojamento, à assistência médica e ainda quanto aos serviços sociais necessários, e tem direito à segurança no desemprego, na doença, na invalidez, na viuvez, na velhice ou noutros casos de perda de meios de subsistência por circunstâncias independentes da sua vontade. Declaração Universal dos Direitos Humanos, disponível em http://www.un.org/en/documents/udhr/index.shtml#a25.
Implicitamente, foi percebido que as pessoas cuja sobrevivência estava em risco não podiam exercer, e não exerceriam, os seus direitos políticos. Nos anos da Guerra Fria, os da Esquerda [nos Estados Unidos] salientavam a importância destes direitos económicos, enquanto o Governo norte-americano centrava a sua actuação nos direitos políticos. Ironicamente, quando os direitos económicos foram por fim discutidos, foram os direitos do Capital, e não os dos trabalhadores e dos cidadãos; direitos de propriedade, direitos de propriedade intelectual e os direitos do Capital com livre mobilidade entre fronteiras. Contudo, noutros países, tem havido um reconhecimento cada vez maior dos direitos económicos dos cidadãos comuns, por exemplo, na Constituição da África do Sul, onde até o direito à habitação é aceite. Ver Capítulo 2, Carta dos Direitos dos Estados Unidos, Secção 26: «26 (1) Todos têm o direito ao acesso a uma habitação adequada. (2) O Estado deve tomar medidas legais razoáveis, entre outras, dentro dos recursos disponíveis, para alcançar a realização progressiva deste direito. (3) Ninguém pode ser despejado de sua casa, ou ver a sua casa demolida, sem ordem judicial efectuada depois de ter em conta todas as circunstâncias relevantes», disponível em http://www.info.gov.za/documents/constitution/1996 (...). O Supremo Tribunal da Índia reconheceu os direitos à educação; em 2002, através da 86ª Emenda à Lei, o Artigo 21 (A) foi incorporado na Constituição para tornar a educação um direito fundamental para as crianças, e os direitos ao ar sem poluição (dentro do Artigo 21). Também reconhece direitos fundamentais, em particular o Direito à Vida garantido pelo Artigo 21. Em todo o mundo (fora dos Estados Unidos), a abordagem baseada em direitos tem recebido uma cada vez maior atenção. Ver, por exemplo, o trabalho efectuado pela organização da ex-presidente da Comissão das Nações Unidas para os Direitos Humanos (e ex-presidente da Irlanda) Mary Robinson, Realizing Rights, disponível em http://www.realizingrights.org/.
[5] Isto ignora, contudo, as muitas consequências sociais, entre outras, da migração laboral, tanto para o país que o migrante abandona como para o país aonde chega.
[6] Como é óbvio, alguns, talvez muitos, dos que defendem a liberalização dos mercados financeiros olham apenas para o aumento directo na sua rentabilidade a partir da sua capacidade de investir em sítios onde os retornos são maiores. Não pensam nos efeitos sistémicos da liberalização assimétrica dos salários.
[7] A integração dos mercados financeiros implica não só a livre circulação de Capital além-fronteiras, mas também a livre circulação de instituições financeiras além-fronteiras. Para uma discussão mais aprofundada destas matérias, ver Capítulo 5 [recomenda-se VIVAMENTE  a compra deste livro, editado pela BERTRAND…].
[8] Há um problema que se assemelha a este e que pertence ao domínio do desenho dos circuitos eléctricos. Circuitos mais integrados estão sujeitos a colapsos sistémicos – um problema num único pequeno ponto, como uma subestação em Ohio, pode mandar abaixo toda a Costa Este. A resposta é a criação de disjuntores eficazes para isolar ou pôr de quarentena o problema.
[9] Os bancos gastam demasiado dinheiro em fazer lóbi, tanto pelas regulações como pelos resgates que servem os seus interesses. Os gastos em lóbis em 2009 cresceram 12% desde 2008, atingindo os 29,8 milhões de dólares entre os oito bancos e empresas de private equity que gastaram a maior parte para influenciar a legislação, e grande parte do aumento aconteceu nos últimos três meses quando o Congresso votou propostas de lei de reforma financeira. Ver «Banks Step Up Spending on Lobbying to Fight Proposed Stiffer Regulations», Los Angeles Times, 16 de Fevereiro de 2010. Como exemplo da influência dos lobistas dos bancos, a Reserva Federal estabeleceu um máximo de 24 cêntimos à quantia que os bancos podem cobrar aos comerciantes de venda a retalho pelas transações com cartão de débito em Junho de 2011, uma quantia que era um múltiplo de estimativas razoáveis do custo de transação, e quase o dobro de 12 cêntimos provisoriamente propostos pela Reserva Federal em Dezembro de 2010. Ver «Fed Halves Debit Card Bank Fee», New York Times, 29 de Junho de 2011, disponível em: http://www.nytimes.com/2011/ (...).
[10] Os países em vias de desenvolvimento também têm muitas queixas contra a globalização, que noutro lado já discuti. Por exemplo, queixam-se, com todo o direito, de que os acordos comerciais não são justos: o poder negocial está todo do lado dos países desenvolvidos. Pensemos, por exemplo, nos «Acordos de Comércio Livre», que os Estados Unidos têm com muitos outros países do mundo. Estes acordos não são realmente acordos de comércio livres. Se fossem, teriam algumas páginas de extensão, com cada um dos lados a concordar em eliminar as suas tarifas, as suas barreiras não-tarifárias e os seus subsídios. Mas os acordos têm centenas de páginas, porque na verdade são acordos de comércio administrado, e administrados em benefício de interesses especiais. São acordos onde exércitos de indústrias insistem numa forma de tratamento favorável, ou outra.
As empresas focam-se naturalmente em regras que lhes aumentem os lucros. Quando a liberalização comercial lhes ajuda nos lucros, são-lhe favoráveis, mas quando faz o oposto, opõem-se. E, na maioria das vezes, o representante comercial norte-americano e os ministros do comércio de outros países desenvolvidos representam os interesses das empresas dos seus países. Abrir o comércio é, contudo, apenas uma parte dos objectivos das negociações comerciais. Hoje, muita atenção está centrada em convencer outros países a abrirem os seus mercados a investimento estrangeiro e a protegerem os investimentos que lá são feitos – ou seja, darem condições que aumentem a mobilidade laboral além-fronteiras. Resumindo, grande parte do foco centra-se em aumentar os lucros das companhias, em vez de se focarem no aumento de postos de trabalho nos seus países. E isto não surpreende ninguém, aspecto que é a fonte donde vêm as contribuições para campanhas eleitorais e para os lóbis. (Não é por acaso que, por vezes, o representante comercial dos Estados Unidos tenha sido o gestor de campanha do presidente).
Todos acreditam que as exportações são boas, mas que as importações são más. (Tal posição, claro, é intelectualmente incoerente.) As nossas empresas afirmam que se uma outra firma as prejudica, então deve estar a «jogar sujo». Deve estar a vender bens abaixo do custo, ou a serem subsidiadas pelo seu Governo. As empresas norte-americanas usam estes argumentos para defenderem a imposição de deveres para «nivelar o campo de jogo». Quando os acordos comerciais internacionais previnem a imposição de tarifas, os Estados Unidos (entre outros países) começam a usar de forma agressiva aquilo que é chamado de barreiras não-tarifárias, e sobretudo o dumping de deveres. Mas a questão é que muitas indústrias norte-americanas não são as mais eficientes do mundo. Muitas não investiram o que deviam, tanto em pessoas como em máquinas, e é por isso que os seus custos são mais elevados. Para uma discussão sobre a importância da inovação na indústria automóvel norte-americana, e de que modo as empresas norte-americanas se juntaram contra os concorrentes estrangeiros, ver McKinsey & Company, «Increasing Global Competition and Labor Productivity: Lessons from the US Automotive Industry», um relatório do McKinsey Global Institute, 2005, disponível em: http://www.mckinsey.com/
[11] No início da sua história, os Estados Unidos tinham tais condições, e de facto um processo diferente se desenrolava. Os territórios e os novos estados ocidentais da União competiam por colonos contra os estados mais antigos da costa leste. Isto conduziu no país inteiro a uma expansão dos direitos de voto, do direito a concorrer a cargos políticos, e da educação pública, o que por sua vez contribuiu para a vasta expansão da literacia nos Estados Unidos (em relação ao que era antes, e ao que era na Europa). Ver S. Engerman e K. Sokoloff, «Factor Endowments, Inequality, and Paths of Development among New World Economies», Economia 3, nr. 1 (2002), pp. 41-109; e ver S. Engerman e K. Sokoloff, «The Evolution of Suffrage Institutions in the New World», Journal of Economic History, 65, nr. 4 (Dezembro de 2005), pp. 891-921.