teologia para leigos

10 de setembro de 2013

VIDA DE ORAÇÃO ENTRE OS POBRES [GZ. BUELTA]



Características da experiência de Deus entre os oprimidos


“Galileus, que fazeis aí, especados, a olhar para o céu?” [Act 1:11]

Tende entre vós os mesmos sentimentos,
que estão em Cristo Jesus:
Ele, que é de condição divina,
não considerou como uma usurpação ser igual a Deus;
no entanto, esvaziou-se a si mesmo,
tomando a condição de escravo.
Tornando-se semelhante a muitos
e sendo, ao manifestar-se,
identificado como homem” [Fl 2:5-7]




1. «Subir» ou «baixar»?

É usual falarmos de «subir» ao encontro de Deus. Contudo, Paulo fala de «baixar» ao encontro dum escravo de nome Jesus.

Quando a Igreja latino-americana começou a olhar para baixo [anos 60], isso coincidiu com um tempo em que o imperialismo nos começou a invadir com seitas que nos convidavam a que olhássemos para cima. «Pobres da América Latina, que fazeis aí, especados, olhando uma terra cheia de problemas? Olhai, antes, para o céu limpo, onde está Deus e donde nos chegará a única salvação que existe!» São estes os novos «anjos» que trazem uma mensagem que não tem nada a ver com a mensagem que os apóstolos receberam no Monte da Ascensão.

Diante de qualquer tentação para ficarmos parados olhando o céu paralisados pela nostalgia, somos convidados a olhar a terra e o futuro, onde Deus se manifestará. Então, os discípulos voltaram atrás e regressaram a Jerusalém, precisamente a Jerusalém, aí onde haviam assassinado Jesus, e onde eles – como discípulos – não passavam de meia dúzia de gatos-pingados, assustados, ameaçados. Os discípulos foram devolvidos à História, onde tinham de construir o Reino a partir da sua pequenez, da sua ninharia, na senda de Jesus até que Ele voltasse.

Jesus surgiu de baixo, brotou a partir da sociedade. A gruta, a cova de Belém, o seu casebre de camponês galileu, as prisões do Sinédrio e as de Pilatos estavam cá em baixo, e não no céu. É desta experiência deste Jesus humano, «semelhante a muitos», que nascerá um futuro radicalmente novo.

“Quando dizemos que Jesus subiu ao alto, esse ‘subiu’ pressupõe que antes ‘baixou’ às profundezas da terra” (Ef 4:9). Jesus movimentou-se com predilecção por entre os marginalizados da terra, convidou a fazer caminho com ele os que se sentiam paralisados pelo mundo da sinagoga: os seus amigos mais próximos sentiam, como Ele, todo o peso social e religioso que pesava sobre o povo e que vinha de cima.

Quando se tornou «um homem igual a tantos outros» foi quando experimentou Deus como Pai de bondade e de proximidade. Comprovou com alegria como o Pai revelava o seu projecto aos simples e o ocultava aos sábios e instruídos (Lc 10:21). Esse ‘ocultamento’ e essa ‘revelação’ fizeram com que ele desse graças exclamando em voz alta. Ao longo desta sua descida, Jesus foi-se entregando à obra do Pai, que se lhe revelava e que o chamava a partir da Cruz.

Os deuses idolátricos deste mundo estão em cima e procuram adoradores, cegos seguidores das suas ideias, consumidores drogados dependentes dos seus produtos, fanáticos seduzidos pelo seu espectáculo, mão-de-obra barata dos seus palácios de luxo, multiplicadores submissos do seu Capital.

O Senhor da História não pressiona a partir de cima. Nem que seja a partir da fragilidade das primeiras comunidades dentro do Império Romano, os cristãos experimentam que algo novo está a nascer. Passaram, assim, de escravos a mártires, testemunhas da libertação de Deus.

Hoje, para nos encontrarmos com Deus temos que olhar para baixo e dirigir para aí os nossos passos e o nosso compromisso.


2. Deus morre fora dos muros da cidade

Por isso, também Jesus, para santificar o povo com o seu próprio sangue, padeceu fora das portas. Saiamos, então, ao seu encontro fora do acampamento, suportando a sua humilhação, porque não temos aqui cidade permanente, mas procuramos a futura.” [Hb 13:12-14]


A Carta aos Hebreus convida-nos a sair da cidade, e ir aí onde Jesus foi assassinado, a fim de O encontrar. Devemos procurar a pessoa que, segundo a mentalidade dos dirigentes desta sociedade, não tinha sítio certo dentro da cidade, a fim de nos encontrarmos com Deus.

Outrora, a vida religiosa, dirigiu-se, em primeiro lugar, para os desertos geográficos, para longe da corrupção urbana. Depois, foi para os desertos dos mosteiros e conventos. Aí, solitários diante de Deus, enfrentando o combate espiritual, iluminados no seu despojamento pela proximidade de Deus, eles eram o grito do absoluto para todo o povo.

A vida religiosa, hoje, saiu para o deserto da marginalização dos bairros e dos campos. Aí se encontram aqueles que a sociedade excluiu, seres de «categoria inferior», cascalho com o qual se constrói o «progresso». Ao encontrá-los, ficamos em silêncio e começamos a olhar de uma outra maneira a cidade, a Igreja, a palavra de Deus, a nossa própria história pessoal. Dentro deste silêncio inicia-se, então, um combate interior contra a cumplicidade pessoal e, também, uma luta contra os demónios exteriores encarnados em leis, em instituições e em pessoas.

Na marginalização compreendemos que não (…)

Benjamín González Buelta, sj

[6 pp.]