A
ORAÇÃO FOI ENCAIXOTADA, RECONVERTIDA
(um testemunho
pessoal)
Cónego González Ruiz (Málaga) |
[…] Há a possibilidade de surgir em
cada um de nós duas personalidades: uma pseudo-espiritualidade força-nos a
tornarmo-nos esquizofrénicos. Isto aparece dito nas prédicas dos exercícios
espirituais: “vem
repousar com Deus, deixa na pia da água benta todas as tuas preocupações e,
agora, falemos com Deus”. Devo confessar que aquele Deus me
repugnava. Por isso, no fim da minha adolescência, procurei avidamente a
Bíblia, sobretudo o Novo Testamento. Quando fui
capaz de ler bem o grego, pedi a uma livraria de Barcelona (que
dista 1200 km de Málaga) uma cópia do Novo Testamento grego, da edição crítica
das edições Vogels, porque no seminário, naquele tempo, não havia sequer uma
cópia do Novo Testamento na sua língua original. Era o tempo do grande
subdesenvolvimento teológico.
Nesse tempo, eu era feliz e levava à
Igreja o meu Novo Testamento grego para alimentar a minha meditação religiosa,
mas o superior repreendeu-me, dizendo que eu, um ávido intelectual,
transformava a oração em estudo. Mas eu pensava: qual
é a diferença entre o estudo e a oração? Agradeço a Deus ter
superado aquela grande tentação de esquizofrenia. Ainda hoje, muitos amigos me
censuram por ter abandonado a mesa das investigações bíblicas (que, apesar de
tudo, nunca deixei) para «me sujar» com uma praxis comprometida,
revolucionária, não conveniente à dignidade de um padre, sobretudo, se se é um
cónego.
Pelo contrário, outros censuram-me
uma pretensa manipulação dos textos bíblicos a favor de uma discutível opção
revolucionária. Quero dizer a estes senhores duas coisas: primeiro, que não
chega dizer que eu tenha manipulado os textos; é preciso demonstrá-lo. Posso
dizer que tenho calos causados por tantos anos de estudo paciente na
obscuridade das bibliotecas, sobretudo, na do Pontifício Instituto Bíblico de
Roma. Em segundo lugar, a minha praxis comprometida não é anterior ao meu
estudo e meditação da Bíblia, mas posterior e, por isso, dela derivada. Foi a Bíblia, aquele Deus incómodo de
Abraão, de Isaac, de Jacob, de Jesus, de Pedro, de Paulo, que
me empurrou para aquela praxis. Nas minhas orações, quantas vezes me
recordei das angustiantes orações de Jesus em Getsemani. Eu via que a vontade
de Deus era (…)
J. M. González Ruiz
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