Há 50 anos aconteceu a 1ª Sessão do Concílio Ecuménico Vaticano II
A Igreja
que o Concílio não quis
A 'Cúria', o Concílio Vaticano II e a gestão do poder dentro da Igreja Católica |
O papa João XXIII anunciou a sua intenção de convocar um concílio no dia 25 de Janeiro de 1959. Até à abertura solene do mesmo, a 11 de Outubro de 1962, passaram-se mais de três anos e meio. Ao longo desses largos três anos, trabalhou-se intensamente na preparação desse grande acontecimento que se avizinhava. Organizaram-se comissões de estudo para elaborar os documentos que, nas sessões conciliares, seriam tema de debate com vistas à redacção dos textos definitivos.
Uma dessas comissões ficou encarregada de preparar o Esquema da Constituição Dogmática da Igreja. A comissão era formada por nove teólogos que, por razões as mais diversas, eram homens vinculados ao Santo Ofício, aquilo que hoje se denomina Congregação para a Doutrina da Fé. Importa dizer que o Esquema que a dita comissão preparou foi rejeitado pelo Concílio. Assim, conhecendo o conteúdo do rejeitado Esquema ficamos a saber que modelo de Igreja o Concílio também rejeitou. Ou seja, conhecendo as ideias do rejeitado Esquema ficamos a saber aquilo que o Concílio não quis dizer sobre a Igreja, ainda que tal não signifique que tudo o que o Esquema contivesse fosse falso. O que se pode concluir é que a maneira de entender a Igreja plasmada no Esquema não representava a Igreja que o Concílio desejava. Isto, sim, pode ser afirmado com absoluta certeza.
Portanto, a pergunta que se coloca consiste em saber o que é que os teólogos, que elaboraram o Esquema rejeitado, pretendiam. Pois bem, a resposta a esta pergunta é muito clara, já que os peritos que analisaram cuidadosamente o conteúdo do Esquema estão de acordo em que a preocupação fundamental que se expressava naquele documento tinha a ver com a afirmação da autoridade da Igreja e o significado salvífico que o aparelho institucional da mesma tem. Dito de outro modo: pretendia-se apresentar a Igreja como uma instituição com duas características determinantes: a autoritativa e a jurídica. O Concílio, ao rejeitar esta maneira de ver a Igreja não estava a dizer que não fosse necessária uma autoridade para governar a Igreja e um direito (ou uma legislação) que regulasse a forma de governar. O que pretendia dizer era que o determinante e o específico, na Igreja, não é nem o autoritativo, nem o jurídico.
Na medida em que a preocupação fundamental dos teólogos que elaboraram o Esquema rejeitado pelo Concílio era o que acabo de indicar, no tal Esquema trataram de representar uma natureza de Igreja em que o místico e o jurídico se identificavam, em que se misturavam a Igreja da caridade e a sociedade juridicamente organizada. O que na realidade pretendia, o Esquema, era afirmar a natureza societária da Igreja instituída por Cristo através da hierarquia eclesiástica. Mas, claro está, a partir do momento em que se entendia e se apresentava assim a Igreja, a consequência inevitável era que, pela própria natureza, a Igreja tornava-se uma sociedade «desigual», na qual uns quantos «se submetem a outros quantos», os leigos se submetem aos clérigos, os súbditos se submetem aos que mandam - para citar as próprias palavras do Esquema. Por outro lado, se a natureza da Igreja se identifica com a sua constituição hierárquica e jurídica, então estamos diante do facto de que somente a Igreja Católica Romana tem o direito de ser chamada «Igreja». Pela simples razão de, somente na Igreja Católica Romana, se encontrar plenamente realizada a constituição hierárquica e jurídica que o Esquema propunha. Em concreto, isto significava que, qualquer tentativa de diálogo com outras igrejas cristãs, ficava à partida bloqueada. De facto, no capítulo onze do Esquema, ao tratar do ecumenismo, a intenção fundamental do capítulo era negar qualquer valor salvífico às comunidades separadas. Se tal posicionamento tivesse ido avante, a divisão da Igreja teria sido consolidada e, provavelmente, essa divisão teria sido estabelecida de modo irreversível, isto é, para sempre.
Porém, o que havia de mais significativo, no Esquema, era a doutrina sobre o episcopado. Como já se disse, neste ponto colocava-se de modo manifesto um dos pontos-chave para a afirmação da eclesiologia «jurídica» e, por conseguinte, para a marginalização da eclesiologia de «comunhão». Ou seja, o que se pretendia a todo o custo era uma Igreja baseada na autoridade, no direito, nas leis para lá duma Igreja que tivesse como fundamento a união das pessoas e a experiência de comunhão com Jesus e o seu Evangelho. Não se negava estes últimos, nem tal poderia ser - pois como se poderia renunciar a viver em comunhão com Jesus e com o Evangelho? O que o Esquema reflectia era uma marcada preferência por acentuar a importância insubstituível da autoridade e do poder da Igreja, sublinhando logicamente a inapelável necessidade de submissão às leis estabelecidas, isto é, ao jurídico.
Donde a preocupação insistente em afirmar a subordinação dos bispos (quanto aos seus poderes em si, bem como no exercício dos seus poderes) ao poder do Papa. O argumento teológico que se aduzia, para que tudo ficasse firme e bem firme, consistia em dizer que o Papa é a fonte de toda a jurisdição na Igreja. Isto é, o poder de governar e mandar com autoridade recebem-no, os Bispos (isto segundo a opinião dos que redigiram o Esquema), não do sacramento mediante o qual são «ordenados» como Bispos, mas por delegação do Papa. O mesmo é dizer que, o que os Bispos têm que fazer (e, portanto, todo o povo cristão que os bispos governam) é submeter-se e em tudo obedecer ao Papa, o qual é a fonte e a expressão da vontade divina da Igreja. Ora, claro está: no momento em que as coisas fossem colocadas assim, a estrutura e a própria constituição da Igreja, bem como a relação do Papa com os Bispos era comparável a uma dialéctica de poderes, mais do que com uma comunhão no serviço às pessoas, em geral, e ao povo de Deus, em particular.
É evidente a todos que, se tal maneira de ver a Igreja tivesse ido avante, a Igreja de Jesus Cristo seria vista aos olhos do mundo como uma instituição na qual se gere o poder e, até, onde se rivaliza com o poder supremo (posto que se trata do poder divino). No entanto, a Igreja nunca seria a comunidade dos que tentam viver do modo como Jesus viveu. Mais adiante explicarei como e até que ponto (não obstante o Concílio) acabou por ficar de pé algo disso e como algumas dessas ideias ainda continuam presentes na Igreja.
A consequência lógica deste modo de compreender e apresentar a Igreja teria sido a afirmação vigorosa do papel do poder eclesiástico e a importância que tem o poder eclesiástico. A este assunto estava dedicado o capítulo oitavo do Esquema. A intenção fundamental desse capítulo era prática e concreta: tratava-se de reafirmar a autoridade do magistério, principalmente o magistério ordenado do Papa e dos Bispos, de modo que isso ficasse bem vincado face a todos aqueles que pretendiam desvalorizar a autoridade magisterial da Igreja. Tal finalidade era conseguida ao vincar-se muito bem a distinção entre a Igreja «docente» (a que ensina) e a Igreja «discente» (a que aprende). Na Igreja haveria uns poucos que ensinam, pois são os que sabem e têm a verdade (os Bispos e os sacerdotes seus colaboradores) e haveria outros, a maioria, que são os que aprendem e se submetem àquilo que se lhes diz (os leigos). Em suma, era a ideia que Pio X tinha afirmado com vigor na sua encíclica Vehementer nos, dos idos de 1906: «Na Hierarquia reside todo o direito e toda a autoridade necessárias para promover e dirigir a todos os membros da sociedade. Quanto ao povo, não tem outro direito senão o de deixar-se conduzir e seguir docilmente os seus pastores».
Mas, até, no que diz respeito aos que mandam e ensinam, nem todos estão à mesma altura, nem no mesmo ranking. Concretamente, todo o capítulo oitavo do Esquema tendia a antepor o magistério papal ao episcopal. O texto dizia literalmente: a função de ensinar «é exercida em primeiro lugar pelo Pontífice Romano, pois é ele que representa a própria pessoa do divino Mestre para toda a Igreja…; donde o Romano Pontífice é o supremo mestre da verdade para toda a Igreja católica e a ele pertence principalmente o ofício e o direito de custodiar integramente, de defender e de propor infalivelmente a doutrina da salvação para todos os fiéis cristãos». O problema que este texto apresentava não está na afirmação da infalibilidade do Papa, mas por o afirmar sem, ao mesmo tempo, dizer que também, na Igreja, o conjunto dos Bispos (o que, depois do Concílio, se designou por «Colégio Episcopal») é sujeito de infalibilidade. Assim se confirma a denunciada tendência do Esquema para destacar os poderes e a autoridade magisterial do Papa para lá de qualquer outra autoridade, sem ter na devida conta a autoridade que também têm os Bispos e, na base, também tem o sensus fidei, ou seja, o comum ‘sentido da fé’ que o conjunto dos crentes têm e acerca do qual o Concílio também disse que é sujeito de infalibilidade na Igreja.
Em resumo, todo o capítulo acerca do poder e da autoridade da Igreja estava construído em função duma postura polémica acerca da autoridade eclesiástica erguida contra as ideias anti-autoritárias, carismáticas ou democráticas, muito vivas durante a década de sessenta, na maior parte do mundo.
Por último, o capítulo nove do Esquema tratava das relações entre a Igreja e o Estado afirmando (uma vez mais) que a Igreja é uma «sociedade perfeita». O capítulo defendia também que o Estado tinha a obrigação de não impedir que a Igreja ensinasse a sua doutrina e, para além disso, o próprio Estado devia eliminar os obstáculos e facilitar, por todos os meios, o exercício da vida cristã.
Em jeito de conclusão, pode dizer-se que a estrutura determinante do Esquema estava pensada a partir da doutrina do magistério eclesiástico, sobretudo, um tipo de magistério que ia desde meados do século XIX até às vésperas do Concílio. Na verdade, o que aquele texto citava eram encíclicas e discursos papais, em quanto que a documentação bíblica e o ensino dos grandes teólogos, quer antigos, quer modernos, primavam pela ausência. Donde, a Igreja que resultaria daquele primeiro Esquema seria uma instituição cimentada sobre dois grandes pilares: o poder e a lei. Isto é, o poder (sobretudo, o poder papal) que actua na Igreja e no mundo através do Direito e leis às quais todos os fiéis têm que se submeter. Dito de maneira muito resumida, era nisto que consistia a estrutura à qual se veio chamar Eclesiologia Jurídica. A preocupação fundamental dos redactores do Esquema fora a de chamar a atenção para o significado salvífico e o valor divino do aparelho institucional. Era nisto que consistia, como alguém muito bem disse, «o horizonte do Esquema».
Pois bem, se algo se pode afirmar com total segurança é que esta maneira de entender e de realizar aquilo que a Igreja é não foi aceite pelo Concílio. O Vaticano II afirmou, obviamente, a razão de ser e a importância da estrutura hierárquica da Igreja, mas essa estrutura, nos documentos definitivos, acabou por ficar dependente de algo que lhe é prévia e, por tanto, muito mais fundamental para ela mesma. Porque, previamente a todo o poder e a toda a lei, prévia a qualquer diferença e a qualquer classificação, está o que é comum a todos na Igreja, que é aquilo que nos une todos a ela. Isto é, antes da Eclesiologia Jurídica está a Eclesiologia de comunhão, que é o que dá o verdadeiro sentido, significado e alcance ao próprio ser da Igreja e a todo o tipo de actuação da Igreja neste mundo.
Não lhe faltava razão ao cardeal de Colónia, J. Doepfner, quando (nos documentos preparatórios do Concílio) disse, a propósito da função magisterial da hierarquia: «Há expectativa quanto a uma explicação paterna e pastoral acerca de como este tão grave e alto poder de ensinar se articula com a natureza da Igreja e com o seu destino de salvação. Bem como serve ele, directa e eficazmente, o bem dos homens, sejam católicos ou não católicos». Por isso, concluía o cardeal Doepfner, o que faz falta é insistir no sentido profético do magistério da Igreja.
José Maria Castillo [2002]
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CÚRIA ROMANA – PROTOCOLO RELIGIOSO
A Cúria Romana é composta por um vasto conjunto de Instituições que apoiam Sua Santidade, em várias actividades, como Chefe da Igreja Católica.
a) Secretaria de Estado (“Secretaria Status”): trata dos assuntos gerais e das relações com outros Estados.
A sua origem remonta ao século XV e à “Constituição Apostólica Non Debet Reprehensibile”, que data de 31 de Dezembro de 1487, quando foi criada a Secretaria Apostólica. Actualmente, a Secretaria de Estado é presidida por um Cardeal: Cardeal Secretário de Estado. Este é o primeiro colaborador de Sua Santidade no Governo da Igreja. Pode ser considerado o expoente máximo da actividade diplomática e política da Santa Sé, podendo representar o Santo Padre.
b) Congregações: composta por diversas secções que se encarregam do tratamento de assuntos da Igreja: Congregação para a Doutrina da Fé; para os Bispos; para o Clero; para a Educação Católica; para as Igrejas Orientais; para as Causas dos Santos; para a Evangelização dos Povos; para os Institutos de Vida Consagrada e Sociedades de Vida Apostólica; para o Culto Divino e Disciplina dos Sacramentos;
c) Conselhos Pontifícios compostos pelos dicastérios: Secretaria de Estado, Congregações, Tribunais Eclesiásticos, Conselhos, Ofícios, Comissões e Comités;
d) Tribunais: onde são julgados processos relativos ao Direito Canónico: Penitenciaria Apostólica, Supremo Tribunal de Assinatura Apostólica e Tribunal da Rota Romana;.
e) Guarda Suíça: é o exército de pequena dimensão do Estado do Vaticano;
f) Comissões Pontifícias para: a América Latina; Ecclesia Dei; Bens Culturais da Igreja; Arqueologia Sacra; Bíblica; Teológica Internacional; Interdicasterial para o Catecismo da Igreja Católica e, por fim, para as Relações Religiosas com o Judaísmo;
g) Academias Pontifícias: para a Vida; Ciências; Eclesiástica; Cultorum Martyrum e, por fim, das Ciências Sociais.
h) Pontifícios Comités: para os Congressos Eucarísticos Internacionais e para as Ciências Históricas.
Fonte: http://www.vatican.va
Susana de Salazar Casanova
Susana de Salazar Casanova