teologia para leigos

24 de janeiro de 2012

O CAMINHO DO SUCESSO: A ECONOMIA, A POLÍTICA E A RELIGIÃO


Frei Bento, op


Corrupção teológica


As leis da economia, da finança e da gestão foram divinizadas ao serviço de um deus cada vez mais oculto.

1. Este título é estranho, mas tem um contexto: a minha participação numa "mesa-redonda", sob o título: «O Ministério Público e o combate à corrupção, na perspectiva da sociedade civil». Este contexto torna o título ainda mais estranho, pois não vivemos numa sociedade sacral. São, aliás, as próprias referências cristãs que impõem a dessacralização do poder económico e político, assim como a utilização da religião para o justificar. Por isso mesmo, julgo interessante seguir o caminho que levou à própria denúncia da corrupção teológica - "uma operação diabólica" - que dava cobertura à corrupção económica e política. Segundo as narrativas do Evangelho, mal Jesus acabou de reorientar a sua vida e de abandonar o caminho de João Baptista, foi assaltado por tentações que procuravam separá-lo da sua missão de intervir no mundo a partir dos excluídos e humilhados. Os Evangelhos sinópticos comprazem-se em encenar três formas simbólicas de corrupção, tão simbólicas que foram, são e continuarão omnipresentes: a económica, a política e a religiosa. Mostram que este quadro é fundamental para especificar a missão de Jesus, a alteração que Ele procurou imprimir às concepções messiânicas do seu tempo e que continuam a interrogar-nos. As três tentações são, todas elas, populistas. Se Jesus queria ter sucesso, era obrigado a resolver, ainda que de forma miraculosa, a questão económica: "Converter pedras em pão." A seguir, teria de mostrar que tinha força para vencer a humilhação do seu povo: em vez de um país ocupado, Jesus deveria apresentar-se com um desígnio dominador de outros povos, fazendo uma aliança com o diabo, senhor do mundo. Finalmente, só com uma religião, feita espectáculo, seria possível realizar o programa económico e político. Este diabo é um perito em corrupção teológica. Deus é reduzido a um agente económico, dominador dos povos e um milagreiro de pacotilha. O diabo é quem distribui o jogo do céu e da terra.

2. As evocadas narrativas dos evangelhos mostram que, se Jesus resistiu às seduções do dinheiro, do poder e da religião exibicionista, o mesmo não aconteceu com os seus discípulos. A raiz da sua incompreensão do caminho de Jesus é, particularmente, sublinhada em S. Marcos (caps. 4 a 10). Eles procuram o caminho do sucesso, do poder, da dominação. Desenvolve-se, entre eles, uma tal rivalidade que os divide em grupos de pressão. É dito, expressamente, que a discussão entre eles versava sobre esta questão muito simples: quando Jesus conseguisse o poder, «qual deles seria o maior? Tiago e João, filhos de Zebedeu, adiantaram-se: “Mestre, queremos que nos concedas o que te vamos pedir.” Ele perguntou: “Que quereis que vos conceda?” Disseram: “Que nos concedas, na tua glória, sentar um à tua direita e o outro à tua esquerda (...).” Ouvindo isto, os dez começaram a indignar-se contra Tiago e João. Chamando-os, Jesus disse-lhes: “Sabeis que aqueles que vemos governar as nações as dominam e os seus grandes as tiranizam. Entre vós não deverá ser assim: ao contrário, aquele que dentre vós quiser ser grande seja o vosso servidor e aquele que quiser ser o primeiro dentre vós seja o servo de todos. Pois o Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por muitos.”» Poderíamos, agora, fazer um mapa de todas as situações e intervenções de Jesus em relação ao poder económico, político e religioso. Não se trata de uma maldição, mas de um combate, multifacetado, a essa idolatria que transforma os seres humanos em escravos daquilo que os deveria servir. Numa sociedade laica, este discurso pode parecer completamente desajustado. Só na aparência. Deus e a religião não são chamados ao caso, mas as leis da economia, da finança e da gestão foram divinizadas ao serviço de um deus cada vez mais oculto. São milhares e milhares os seus sacerdotes formados nos santuários das ciências da economia, da finança e da gestão, que o servem e pregam reverência aos ignorantes, aos que não frequentaram essas universidades classificadas como santuários de excelência.

3. Ficando no plano religioso, os esquemas da corrupção teológica são muito variados. Apesar de, nos textos do Novo Testamento, Jesus Cristo ser a presença humana de Deus, desenvolveu-se uma cristologia que o colocou longe daqueles de quem é irmão. A partir daí, foi preciso desenvolver um sistema de mediações, de cunhas e influências para conseguir as suas graças. A devoção a Nossa Senhora e aos Santos - segundo a especialidade de cada um -, pretendendo aproximar-nos de Cristo, acaba por dar a ideia errada de que Ele está longe de nós. Ora Jesus Cristo é a máxima proximidade de Deus, Deus connosco. Os Santos são expressões dessa proximidade. A oração, o acto essencial da religião, o acto de atenção e de acolhimento do Mistério, não se deve transformar numa técnica de tirar Deus da sua distracção, ignorância ou indiferença. Não é um meio de informação e convencimento de Deus.

Somos criados à imagem e semelhança do incansável, eterno e misterioso amor de Deus. Não devemos criar representações de Deus à imagem e semelhança dos nossos defeitos. Essa é a grande corrupção teológica.

Frei Bento Domingues, op
Jornal «Público», 15 Janeiro 2012