Xabier Pikaza, entrevistado por Manuel Villas-Boas_TSF_Out 2011_Valadares |
Homossexualidade e ministérios cristãos
Introdução
O tema do amor sexual continua a colocar inúmeras dificuldades à igreja católica, quer no plano pessoal, quer no plano social. Trata-se de um género de amor que não é fácil de explorar abertamente na Igreja Católica, não só porque a igreja católica se opõe ao matrimónio dos homossexuais, mas porque lhes nega o acesso aos ministérios. O tema do «matrimónio homossexual» (com ou sem essa denominação: ‘uniões de facto’!), pelo menos no ocidente, parece civilmente arrumado: a sociedade está disposta a reconhecer a união legal dos homossexuais. A igreja católica não deveria opor-se a isso, mas tão-somente deveria pedir a Deus que os assim casados se amem gratuitamente, generosamente, pondo o seu amor ao serviço dos outros, pois é isso que o Evangelho quer.
Mais complicado é o acesso dos homossexuais aos ministérios da igreja. Para tal, esgrimem-se dois tipos de argumentos:
a) A homossexualidade vai contra o amor cristão;
b) Os ministros homossexuais correm o risco de cair na pederastia;
Este é um tema que continua a ser discutido nos círculos hierárquicos da Igreja. Neste contexto, podem-se fazer algumas considerações de princípio, relevando que «na casa do Pai há muitas moradas e na subida ao monte do amor há muitos caminhos».
Algumas teses
Primeiro – Dentro da Igreja Católica, a homossexualidade, quer masculina, quer feminina, é um facto. Para começar, isso nem é bom, nem mau: pura e simplesmente, existe. A vida os fez assim (a uns, ‘hetero-’ e a outros, ‘homo-sexuais’) e assim devemos aceitá-lo como mais um elemento da nossa complexíssima e formosa existência, facto que pode ser muito positivo caso nos conduza a mais amor (dos homossexuais entre si e deles com o resto da sociedade humana, em ambas direcções). Por isso, é necessário que comecemos dando graças a Deus pelo dom dos homossexuais cristãos (e não cristãos). É uma boa nova o facto de muitos homossexuais poderem apresentar-se como tal, isto é, como pessoas, com os seus valores e problemas, pois seguramente os têm, tal como os têm os outros grupos de homens e mulheres. Se um cristão se envergonha deles ou os volta a meter na gaveta, envergonha-se do próprio Deus criador.
Segundo – Entre o clero (e na vida religiosa) a percentagem de homossexuais é mais elevada do que no resto da sociedade, talvez pelo tipo de vida celibatária dos seus membros e também por causa de uma certa forma especial de filantropia e de sensibilidade face à vida que eles revelam. Sobre a igreja espanhola, não há números fiáveis, mas sobre a realidade da igreja norte-americana as estatísticas existem, como consta do livro de D. B. Cozzens, que foi um dos responsáveis pela formação dos presbíteros católicos nos EUA. Dentro da melhor tradição da hierarquia daquela igreja, Cozzens considera normal que, nas circunstâncias actuais, quase metade dos seminaristas e presbíteros católicos dos EUA sejam homossexuais, percentagem muito superior à média da sociedade americana (que se situa entre 10% a 15%). Enquanto o clero mantiver este estilo de vida, manterá uma média mais elevada que o resto da sociedade.
Terceiro – A maior parte dos presbíteros e religiosos homossexuais levaram e continuam a levar uma vida digna, trabalham honestamente a favor dos outros, são bons pastores ao serviço da igreja, são profissionais cuidadosos, ao serviço do evangelho, pelo que o próprio amor homossexual permite assumir a exigência pastoral de Jesus, tal como o indica João 21:15-24. Estes homossexuais não são bons pastores apesar da sua homossexualidade, mas em virtude dela. É evidente que têm seus problemas afectivos, tal como acontece com os heterossexuais, sendo, por vezes, os seus problemas de integração maiores. Porém, os seus contributos afectivo, social e espiritual podem ser, também, maiores. É por isso que a homossexualidade pode ser uma bênção para eles e para o resto da sociedade, numa linha de amor.
Quarto – Uma minoria de ministros homossexuais da igreja tiveram práticas delituosas, seduzindo menores, sobretudo em ambientes onde o contexto social é mais apertado ou asfixiante – seminários, internatos e grupos juvenis. Muitos destes casos podiam ser resolvidos sem o recurso aos tribunais com a ajuda de pessoas mais ou menos peritas e/ou amigas (médicos, sociólogos, etc.). Por vezes, a sedução foi mais intensa ou delituosa, pelo que os responsáveis podem e devem acabar nos tribunais. Se foi o caso, quando existe escândalo real, sejam culpados ou não, os clérigos implicados (presbíteros e bispos, religiosos e religiosas) deveriam abandonar as suas funções públicas, pelo menos por algum tempo, por razões de transparência, já que a vida clerical não é honra, vantagem, mas serviço.
Quinto – A percentagem de clérigos culpados de sedução homo- ou hetero-sexual é considerada «normal» pelas estatísticas. Mas, em muitos casos, essa sedução foi muito perniciosa e muito grave, por se ter realizado sob a capa do prestígio sacerdotal ou religioso dos agressores, motivo pelo que feriram com mais força ainda as suas vítimas. Neste campo, aconteceram e acontecem muitas tragédias, tal como acontece noutros âmbitos de patologia e/ou violência sexuais (violações e tráfico de prostitutas). Esta foi e continua a ser uma ferida aberta para a vida da igreja, já que a sua opção evangélica deveria ter ajudado os clérigos ou aspirantes a ele, tornando-os homens e mulheres da gratuidade. Porém, a vida coloca dificuldades e, em certos ambientes de reclusão afectiva, podem produzir-se reacções violentas. Mas isso não pressupõe que se condene todo o clero no seu conjunto, nem os homossexuais que o compõem.
Sexto – Parece aconselhável que os clérigos homossexuais se mostrem como são, mas nunca ao som de fanfarra e pendão, pois, na vida afectiva, em algumas circunstâncias, a melhor atitude é a discrição bondosa, sem mentiras nem ocultamente, mas também sem alardes propagandísticos, desde que não haja delitos ou injustiças graves. Se é certo que existe alguma responsabilidade dos meios de comunicação social quando pegam nestes temas, a verdade é que a responsabilidade da estrutura clerical é bem maior. Como pessoa pública na igreja, o clérigo tem que estar preparado para que a sua vida seja pública e se conheça. Se uma instituição religiosa, que deveria ser exemplo de gratuidade, se empenha em defender-se para lá do razoável protegendo os seus segredos e o seu poder, isso é digno de condenação e de ser dissolvida (ou de ser abandonada pelos seus fiéis) sem quaisquer delongas, para bem do evangelho e, sobretudo, da sociedade em geral.
Para uma reflexão posterior
Primeiro − Um juízo problemático por parte da Congregação para a Educação Cristã. Como se vinha dizendo, os ministros podem ser homo- e hetero-sexuais (e, evidentemente, casados ou solteiros), sempre que sejam capazes de amor, comportando-se não apenas como pessoas efectivamente maduras, mas também como amigos, em linha com João 21:15-17; só quem ama Jesus, isto é, só quem se deixou transformar pelo amor do evangelho, pode servir, em amor, aos demais. Jesus não procurou um certo tipo de amor, mas apenas amor. Em si mesmo, o amor nem é hetero- nem homo-sexual, mas dom gozoso de vida, de modo que, nesta matéria, o que importa não é a coloração mas a intensidade do amor. Pelo que o Juízo da Congregação para a Educação Católica pode ser problemático e até precipitado (para além de ineficaz e até injusto).
Segundo – O número 2 da Instrução diz: «2. A homossexualidade e o ministério ordenado. Desde o Concílio Vaticano II até hoje, diversos documentos do Magistério, e especialmente o Catecismo da Igreja Católica, confirmaram o ensinamento da Igreja sobre a homossexualidade. O Catecismo distingue entre os actos homossexuais e as tendências homossexuais.
«Quanto aos actos, ensina que, na Sagrada Escritura, esses são apresentados como pecados graves. A Tradição considerou-os constantemente como intrinsecamente imorais e contrários à lei natural. Por conseguinte, não podem ser aprovados em caso algum.
«No que respeita às tendências homossexuais profundamente radicadas, que um certo número de homens e mulheres apresenta, também elas são objectivamente desordenadas e constituem frequentemente, mesmo para tais pessoas, uma provação. Estas devem ser acolhidas com respeito e delicadeza; evitar-se-á, em relação a elas, qualquer marca de discriminação injusta. Essas pessoas são chamadas a realizar na sua vida a vontade de Deus e a unir ao sacrifício da cruz do Senhor as dificuldades que possam encontrar.
«À luz de tal ensinamento, este Dicastério, de acordo com a Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, considera necessário afirmar claramente que a Igreja, embora respeitando profundamente as pessoas em questão, não pode admitir ao Seminário e às Ordens sacras aqueles que praticam a homossexualidade, apresentam tendências homossexuais profundamente radicadas ou apoiam a chamada cultura gay.
«Estas pessoas encontram-se, de facto, numa situação que obstaculiza gravemente um correcto relacionamento com homens e mulheres. De modo algum, se há-de ignorar as consequências negativas que podem derivar da Ordenação de pessoas com tendências homossexuais profundamente arraigadas.
«Diversamente, no caso de se tratar de tendências homossexuais que sejam apenas expressão de um problema transitório como, por exemplo, o de uma adolescência ainda não completa, elas devem ser claramente superadas, pelo menos três anos antes da Ordenação diaconal.»
Terceiro – Um caminho aberto. Este juízo parece ineficaz e injusto, não só porque vai contra a realidade (que se há-de fazer de milhares de presbíteros e bispos homossexuais ainda em exercício?), mas também porque condena um tipo de tendência afectiva. A questão não está na existência de presbíteros homossexuais na igreja, mas na sua maturidade pessoal, na sua capacidade de amor e de serviço evangélico. A questão não é que existam homossexuais no clero (facto normal e claro, segundo as estatísticas), mas que saibam amar e o façam de modo cristão.
Como conclusão, podemos, pelo menos no ocidente, dizer que parece estar a acabar a fase clerical. O celibato dos presbíteros, o qual em outros tempos cumpriu uma função social, parece tê-la, pelo menos em parte, perdido. Importante não é que o presbítero seja celibatário ou casado, homo- ou hetero-sexual, mas que seja fiel ao amor e à vida, que seja pessoa da alegria e do evangelho, com fundura pessoal e de serviço de proximidade, livre para os outros.
Nesta nova etapa da igreja, o celibato será opcional para aqueles que o queiram viver como carisma ou como meta de chegada de caminhos peculiares, ficando ele reservado, de um modo especial, para comunidades religiosas de tipo carismático. Vincular o celibato a um tipo de poder clerical parece contrário ao evangelho, por mais que continuem aduzindo razões de tipo ideológico ou espiritualista.
Isto significa que o problema não fica fechado, mas, pelo contrário, aberto. É agora, a partir desta nova perspectiva, que se pode e deve colocar o tema dos ministérios cristãos, partindo do evangelho, precisamente neste momento da vida cristã e da vida da sociedade.
Xabier Pikaza Ibarrondo, blog
11 Janeiro 2010
Ler mais:
«Diccionario de la Biblia – Historia y Palabra»
Xabier Pikaza, Editorial Verbo Divino, 2007, Estella (Navarra) [nota ‘HOMOSEXUALIDAD’, pág 450ss, resumida no link em baixo]
http://2006.atrio.org/?p=36
«O Desejo e a Ternura»
Erich Fuchs
Ed. Círculo de Leitores, col. NOVA CONSCIÊNCIA, 1994.[tradz. de «Le désir et la tendresse», Labor et Fides, 1979]
«Cristianos gays»
http://www.cristianosgays.com/
«Instrução sobre os critérios de discernimento vocacional acerca de pessoas com tendências homossexuais e da sua admissão ao seminário e às ordens sacras» - Vaticano, 4 Nov. 2005
http://www.vatican.va/roman_curia/congregations/ccatheduc/documents/rc_con_ccatheduc_doc_20051104_istruzione_po.html