Horários
instáveis levam UGT a juntar-se à greve nos hipers
Pela
primeira vez, o Sitese avança com um pré-aviso de greve para o 1º de Maio. Horários diversificados são
principal motivo
O Sindicato dos
Trabalhadores e Técnicos de Serviço (Sitese), afecto à UGT, avançou pela
primeira vez com um pré-aviso de greve no 1º de Maio dos trabalhadores dos
supermercados e grandes superfícies que pertencem à Associação Portuguesa das
Empresas de Distribuição (APED). A decisão foi conhecida três dias depois de o
Sindicato dos Trabalhadores do Comércio e Serviços (Cesp), da CGTP, ter anunciado
uma paralisação para o mesmo dia, em protesto contra as propostas da APED no
seio da negociação colectiva, que está a decorrer.
Há cinco anos que
patrões e sindicatos não se sentavam na mesma mesa para discutir actualizações
de salário ou horários no sector, que emprega cerca de 100 mil pessoas em todo
o país. As negociações têm sido "difíceis", com a grande distribuição
a tentar "introduzir toda a espécie de horários e a prejudicar a
conciliação", diz Vítor Coelho, membro da direcção do Sitese.
"Propõem um
horário diversificado em que todos os dias a hora de entrada e de saída pode ser
diferente. Estamos de acordo, mas desde que seja fixo durante um
período de tempo. Mas estamos em completo desacordo com a ideia de mudar o
horário todos os dias", detalha. O dirigente acusa as empresas da APED de
quererem fazer dos colaboradores «pastilha elástica» e lamenta a ausência de
aumentos salariais e a paragem durante anos das negociações colectivas.
Ao contrário do
Cesp, que todos os anos avança para a greve no 1º de Maio, argumentando que o
Dia do Trabalhador deve ser celebrado, esta é a primeira vez que Sitese o faz.
"Não estivemos nos outros anos, mas estamos de alma e coração desta vez",
diz Vítor Coelho, acrescentando que os trabalhadores devem ter direito a gozar
o feriado que lhes é dedicado.
A APED já veio
defender a continuação das negociações. "Lamentamos que os sindicatos não
se mostrem disponíveis para negociar em nome dos colaboradores do sector do
retalho e apelamos para que negoceiem o contracto colectivo ao serviço de
todos", reagiu na terça-feira, a directora-geral da APED, Ana Isabel Trigo
Morais, depois de o Cesp ter anunciado a greve. A associação tem entre os seus
membros o
Continente, o Pingo Doce, a IKEA ou a Fnac.
Também o Cesp
contesta as propostas das empresas, nomeadamente, de redução entre 2 e 4% do valor pago aos
funcionários nos dias de feriado, descanso ou pelo trabalho suplementar.
Ao mesmo tempo, Manuel Guerreiro, dirigente do sindicato da CGTP, adiantou que
a proposta de aumento salarial não «chega a 1%» e recorda que não houve
actualizações de salários em sede de conciliação desde 2009.
Recorde-se que os
principais operadores da grande distribuição passou a abrir portas no 1º de Maio a
partir de 2011.
Público, 25 de Abril 2015, p. 22 [por
Ana Rute Silva]
Crónica
de Eduardo Jorge Madureira Lopes
DIÁRIO DO MINHO,
03-05-2015 – Braga
(SwissLeaks: Suíça
investiga o HSBC por branqueamento de capitais)
HSBC planeia mudar sede para pagar menos
impostos
Hong
Kong, onde a instituição financeira nasceu, poderá acolher o novo
quartel-general
(…) Há pouco mais
de uma semana, a agência Reuters noticiava que um outro banco que tem a sua
sede em Londres, o Standard
Chartered, estava também a realizar estudos com vista a uma mudança
da sua sede. Ontem, sem adiantar pormenores, o chairman do HSBC, Douglas Flint, reconheceu que a questão é «complexa»
e, por isso, «é muito cedo para antecipar que decisão será tomada». Mas não
negou que «o trabalho está em curso». «A administração pediu à equipa de gestão
para começar o trabalho que permita concluir qual o melhor local para o HSBC estar sediado»
[«ambientes
de negócio mais favoráveis»], afirmou.
O banco foi criado
há um século e meio em Hong Kong, onde desempenhou um papel importante na
emissão de moeda e na criação de canais financeiros com a Europa. Só em 1993 é
que estabeleceu o quartel-general em Londres. Mas as recentes mudanças na fiscalidade aplicada à
banca, que decorrem do conjunto de medidas que as autoridades
decidiram pôr em prática na sequência da crise financeira de 2009, acabaram por
colocar em cima da mesa a possibilidade da transferência.
Segundo a agência
Reuters, o banco liderado por Douglas Flint deverá pagar este ano uma
contribuição fiscal extraordinária de cerca de 1400 milhões de euros, o que corresponde
a 7% dos
lucros previstos. O valor é superior aos cerca de mil milhões pagos
em 2014 e o dobro do que fora liquidado no ano anterior. (…) «É muito complexo
porque envolve novos quadros regulatórios locais, regionais e globais, custos e
uma alteração estratégica», alerta Hugh Young, responsável da Aberdeen Asset
Management, um dos dez maiores investidores do banco.
No Reino Unido, o
banco está obrigado, ainda ao abrigo das novas regras, a separar completamente o seu negócio de
retalho das restantes unidades financeiras, de forma a evitar que o
dinheiro dos clientes particulares possa ser usado em operações de risco em
mercados não regulados.
Público, 25 de Abril 2015, p.23 [por
José Manuel Rocha]
DESEMPREGO:
A POLÍTICA PARA LÁ DO TRABALHO
Olof Palme [Sven Olof
Joachim Palme; 1927-assassinado em 1986],
antigo primeiro-ministro sueco e expoente da social-democracia, afirmou uma vez
que «quem trabalha tem direito a influenciar a democracia»[1].
Se, numa primeira leitura, podemos interpretar tal sentença como uma evocação
dos direitos do povo trabalhador, uma análise mais depurada revela-nos outras
duas ideias: em primeiro lugar, que aos trabalhadores resta apenas
influenciarem a democracia e não determiná-la – uma contradição nos termos
utilizados; e, em segundo lugar, que os assuntos da polis se encontram vedados a todos os que não trabalham. Frases
como esta – que facilmente poderiam sair da boca de um dirigente sindical –
ilustram bem o imaginário social dominante em torno da questão do (des)emprego.
Vivemos
actualmente numa sociedade baseada no emprego sem que, no entanto, este seja
garantido. Segundo Dominique Meda, encontramo-nos perante um fenómeno
«eminentemente paradoxal: a produtividade do trabalho aumentou
consideravelmente desde há um século, e em particular a partir da década de 50;
somos hoje capazes de produzir cada vez mais com cada vez menos trabalho
humano»[2].
Porém, a vida humana é sujeita a um enquadramento que tem como base o trabalho,
visando uma optimização económica das suas capacidades cognitivas, sentimentais
e até corporais. Perante este processo, quando uma pessoa está desempregada é
como se aparentemente todo o seu ser não tivesse qualquer propósito social.
O
Estado-Providência foi construído mediante a imposição do pleno-emprego como
principal ditame de uma política de desenvolvimento económico. Entrámos assim
na era do emprego, pedra basilar da cidadania, uma vez que é sobre ele que assenta
a «participação de cada um numa produção para a sociedade e, portanto, para a
produção da sociedade»[3].
Contudo, se inicialmente a ideia de «trabalho para a vida» parecia atrair
a população ocidental (dilacerada por duas guerras mundiais), cedo se tornaram
notórios os seus efeitos desastrosos sobre a produção. A mecanização da conduta humana,
realizada através da cíclica repetição de horários, ritmos e
gestos, provocava uma enorme fadiga física e psicológica no operário,
prejudicando os resultados das empresas. A revolta contra a disciplina da
fábrica, durante a década de setenta, levou o Capital a
reformular as bases da sua actividade, apostando na introdução de novas
tecnologias, manejadas por (cada vez menos) operários semi-autónomos.
A par
destas reformas, assistiu-se a nível nacional a uma redefinição do papel do Estado – menos social, mais securitário
– e, a nível internacional, à edificação de algo que se assemelha a um mercado
mundial, visível na facilitação das trocas comerciais entre países, e da
deslocalização de unidades produtivas. Estes factores alteraram significativamente
o estatuto do empregado, tendo-se verificado despedimentos em massa (nomeadamente
nas indústrias dependentes de mão-de-obra menos qualificada) e o aparecimento
de novas formas contratuais de trabalho, antípodas da ideia de emprego para
toda a vida. Destruía-se assim a sólida relação entre empregado, empresa e
sociedade. Diversos autores encaram o desemprego como um elemento
fracturante da identidade dos trabalhadores, retirando-lhes a
capacidade de exercer uma actividade, desenvolver relações sociais, contribuir
para o funcionamento da sociedade. De acordo com Dominique Schnapper, «aqueles
que, nos dias de hoje, já não participam através do emprego na actividade
produtiva podem viver esta condição na passividade, encontrando-se condenados a
sofrê-la; fazem, pois, a experiência de uma des-socialização progressiva e
interiorizam mesmo, em certos casos, a estigmatização, sob formas concretas
variáveis, dimensões ligadas a esta condição nas sociedades organizadas em
torno da produção»[4].
A
ausência de emprego acaba por traduzir-se num sentimento de indignidade, em
parte reforçado pelo discurso institucional ante o desemprego, que o vê ou como
vítima
incapaz de ultrapassar o problema ou como o vigarista usurpador do erário público.
Todavia, e não querendo diminuir o sofrimento inerente à condição de
desempregado, parece-nos que este sentimento tende a ser essencialmente
motivado pela ausência de uma fonte de rendimento. Se compararmos a situação do
desempregado com a do reformado, constatamos que, enquanto no
caso deste último o abandono do trabalho vem abrir um leque de actividades a
realizar (porque dispõe de uma reforma)[5],
no caso do desempregado passa-se a exercer um trabalho de procurar trabalho
(procurar anúncios nos jornais e na Internet, inscrever-se em empresas de
trabalho temporário, enviar currículos, ir a entrevistas, comparecer às acções
de formação do centro de emprego)[6].
Como tal, o problema não parece residir na ausência de uma fonte de
identificação social ou mesmo de uma necessidade de se sentir útil ou
produtivo, mas no facto de a plenitude dos direitos económicos (o direito à
plena remuneração), sociais (direito à protecção social) e políticos […]
permanecer ligada aos […] empregos, cada vez mais raros, ocupados de modo
regular e a tempo inteiro»[7].
Ao encararmos a cidadania não só a partir de uma perspectiva civil e política
(relativa à posse de liberdades políticas e direito ao sufrágio), mas também
social – determinada pelo acesso a um conjunto de bens e serviços de
necessidade básica -, podemos concluir que existem fortes possibilidades de um desempregado não
fruir das condições imprescindíveis ao exercício da cidadania.
[…]
José Nuno Matos, investigador do
Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa
[pp. 8]
[1] José
Luís Jacinto, «O Trabalho e as Relações Internacionais»,
ISCSP, Lisboa, 2002, p. 352.
[2]
Dominique Meda, «O Trabalho: um valor em vias de extinção»,
Fim de Século, Lisboa, 1999, p. 19.
[3] Robert Castel, «Les
Métamorphoses de la Question Sociale», Fayard, Paris, 1995, p. 452.
[4]
Dominique Schnapper, «A Compreensão
Sociológica», Edições Gradiva, Lisboa, 2000, pp. 131-132.
[5] É
importante referir que não só a reforma poderá gerar efeitos contrários aos
acima descritos, como depressão, tédio e sentimento de inutilidade, como o tipo de
actividades que se poderão realizar dependem directamente do valor da
pensão de reforma.
[6]
Schnapper, ao analisar o fenómeno social do desemprego, propõe o conceito de desemprego
invertido: «os jovens desempregados, em geral de nível cultural
elevado, que
não conhecem verdadeiras dificuldades financeiras, escapam com
felicidade à tirania das «quarenta horas» ou das «oito horas» […] e às
exigências dos horários de escritório, regozijam-se por disporem do tempo livre
necessário para se entregarem às delícias da criação artística», Schnapper, op.
cit., pp. 138 e 139.