O Deus
de Jesus,
Boa
Notícia para todos
Marcos resume, nestes termos, a mensagem e
a actuação de Jesus: Jesus «proclama a Boa Notícia de
Deus» (Mc 1:14). Quando o evangelista faz esta afirmação está, sem
dúvida alguma, a recolher uma experiência que as pessoas da Galileia realmente viveram
junto de Jesus. Nós, que vivemos numa sociedade atravessada pelo laicismo
radical, onde medra o agnosticismo, a descrença e diversas formas de ateísmo,
há perguntas que não podemos evitar: como é que Jesus foi capaz de fazer a
experiência de Deus e comunicá-la como Boa Notícia? Como é que aquelas pessoas
conseguiram perceber, na sua mensagem e na sua actuação, Deus como algo novo e
bom?
Colocar estas questões não é um jogo
supérfluo, já que elas desafiam-nos a procurar respostas a interrogações que,
de uma maneira difusa e secreta, nos roem por dentro, a nós os seguidores de
Jesus: pode o Mistério de Deus chegar a ser Boa Notícia na nossa sociedade? O
que é que tem que acontecer de modo a que Deus possa ser intuído como Boa
Notícia pelos homens e mulheres do nosso tempo? À custa de quê é que o Deus que
Jesus viveu, anunciou e praticou pôde ter sido entendido como Boa Notícia pelo
ser humano?
1. O projecto humanizador
de Deus
(…)
Identificado com os últimos, Jesus
começa a transmitir uma mensagem nova e diferente acerca de Deus utilizando uma
linguagem surpreendente e provocadora. A compaixão de
Deus exige que se faça justiça aos mais indigentes e humilhados. O
reino do Pai está destinado, antes de mais ninguém, a eles. O reino de Deus
não pertence a todos indiferentemente por igual: quer aos
latifundiários que se banqueteiam em Tiberíades quer aos mendigos que morrem de
fome pelos caminhos da Galileia. Jesus cruza-se com famílias que de repente
ficam sem terras forçadas pela acumulação de dívidas, e grita-lhes:
«Bem-aventurados vós que não tendes nada, porque o reino de Deus é vosso». Vê
bem de perto, com os seus próprios olhos, aqueles meninos desnutridos a quem
tanto ama, e diz-lhes: «Bem-aventurados vós que agora passais fome, porque Deus
vos quer à mesa, a comer». Vê a chorar de raiva
e de impotência os camponeses quando os cobradores de impostos lhes retiram o
melhor das suas colheitas, e assegura-lhes: «Bem-aventurados os que
agora chorais, porque Deus vos quer a sorrir de satisfação».[1]
As bem-aventuranças de Jesus encerram uma mensagem que nunca pode faltar quando
comunica a Boa Notícia de Deus. O conteúdo delas quer dizer o seguinte: «Aqueles que não
interessam a ninguém, interessam a Deus;
aqueles que
estão a mais nos impérios construídos pelos homens, têm um lugar
privilegiado no seu coração; aqueles que não têm ninguém que os defenda, têm a Deus como
Pai».
Jesus é realista. A sua actuação
entre os camponeses da Galileia não significa que a fome e a miséria vão
terminar de imediato, mas incute uma dignidade indestrutível em todas aquelas
vítimas de abusos e atropelos. Toda a gente há-de saber que eles são os filhos e as
filhas predilectas de Deus. Isto confere, à sua dignidade, uma
seriedade absoluta. E que nunca, em parte alguma, se poderá dizer que se
constrói a vida segundo a vontade de Deus se não for libertando esses homens e
essas mulheres da sua miséria e da sua humilhação. Que nunca em parte alguma se
louvará a Deus se não se for capaz de se fazer a justiça a eles. O Deus que
Jesus proclama obriga as culturas, as
políticas e as religiões a olhar para os
últimos. A Boa Notícia de Deus anuncia-se construindo um mundo que
tenha como meta a dignidade dos últimos.
(…)
J A Pagola
[pp. 9]
[1] Os
autores, em geral, atribuem a Jesus estas três bem-aventuranças recolhidas por
Lucas em 6:20-21.