Viver as
Bem-aventuranças
A ética do Reino
As
bem-aventuranças de Mateus constituem a Magna Carta da Igreja, dos discípulos
de Jesus. Seguir os seus passos exprime-se em gestos para com o próximo em
obras de vida, em particular para com o pobre. Nelas, o amor a Deus e o amor ao
próximo entrelaçam-se, reivindicando-se mutuamente um ao outro. Só
conseguiremos responder à pergunta ‘Onde está Deus?’
quando formos capazes de responder à interpelação do Senhor: ‘Onde está o teu irmão?’ (Gn 4:9). Deste modo fazemos
com que o Reino venha, com que o kairós chegue, como resultado do livre
acolhimento do dom de Deus. Agindo «como homens livres» (1Pe 2:16), a partir do
nosso comportamento «esperamos e antecipamos a vinda de Deus» (2Pe 3:12).
Diante
do primeiro sermão de Pedro após o Pentecostes centrado na morte e na
ressurreição do Senhor, os ouvintes espontaneamente perguntaram: «Que temos que fazer, irmãos?» Pedro respondeu: «Convertei-vos» (Act 2:37-38). Os evangelhos
trazem-nos essa exigência desde o primeiro momento do anúncio do Reino.
O discipulado é o tema
central de muitos dos gestos e de muitas palavras de Jesus no Evangelho de
Mateus. Esta
característica do seu evangelho é central para entender o sentido da sua versão
das bem-aventuranças (Mt 5:3-10). O que a distingue da versão de Lucas
(6:20-26) ─ considerada
pelos estudiosos como a versão mais próxima de Jesus ─ é comummente atribuída à intenção
de Mateus em «espiritualizar»
as bem-aventuranças, no sentido de converter em disposições
puramente interiores e desencarnadas aquilo que em Lucas fora uma expressão
concreta e histórica da vinda do Messias.
Não
creio que isso seja verdadeiro. Entre outras razões, porque é inegável que o
Evangelho de Mateus insiste particularmente na (…).
Gustavo Gutiérrez, op
[pp. 12]