É
importante resistir aos calculistas oficiais da Igreja católica que, em matéria
de «crise financeira», optam por um [clicar aqui] discurso propositadamente ambíguo (discurso
de "vómito"; Ap. 3,16): cuidam que ficam com as mãos limpas, podendo,
então, servir a dois senhores – ao povo, esmagado por uma
"austeridade mal-intencionada, criminosa", e a P.
Passos Coelho (CLICAR AQUI a quem não acontece nada se não fizer os
respectivos descontos para a Segurança Social). Porém, esquecem-se que Deus
não é neutral: veio para julgar as nações (Sl 82[81],8) e o seu Julgamento será
implacável (1P3 4,1-6). A Igreja ouviu as palavras de Pedro: «Se alguém tomar a
palavra, que seja para transmitir palavras de Deus» (v.11) e não diplomáticas ou de circunstância.
O discurso da Igreja oficial portuguesa, em matéria de crise, nem sequer toca a
fímbria das posturas da CNJP, quanto mais as palavras do Papa
Francisco[1]
ou as de Jesus[2]:
até parece que os três não devem articular-se entre si e formar um todo.
Também
por causa disto, muitos cristãos, sobretudo aqueles que «desenganados optaram,
se não pela ruptura oficial, [por]
"procurar a vida" e trilhar um caminho solitário ou em círculos minúsculos
e cómodos, correndo o enorme perigo de cair naquilo que se costuma chamar
"religião a la carte", ou
naquilo que Hegel criticou outrora como a solidão estéril do romântico» (J.I.
G. Faus). É para estes que vai a determinação de que temos que rejeitar uma religião sadomasoquista que prega um deus
sadomasoquista que legitima o que P. Passos Coelho e Maria Luís Albuquerque nos
pregam diariamente: «há que sofrer, estávamos a um passo do
abismo; há que aguentar um pouco mais, o pior já passou»[3]…
O
poder oficial da Igreja em Portugal (bispos e patriarca) sabe que todos os
países do mundo, que se viram debaixo de dívidas impagáveis e programas de
austeridade ‘de loucos’ como o nosso, só conseguiram crescimento económico
quando se rebelaram contra o FMI e o Banco Mundial e tomaram nas suas mãos as
políticas económicas: porque é que a Igreja não o diz clara, profética e
violentamente ao povo (como Jesus fez: Mc 2,28; Mc 5,8)? Por medo que isso seja
fazer política e política, como estreitamente o Vaticano II sugere, «é território
apenas dos leigos»? Não era esta visão - estreita e à defensiva - a do Bispo do Porto,
D. António Ferreira Gomes, nos duros anos da ditadura salazarista:
«O Concílio diz que a missão da Igreja é continuar a missão de Cristo, ou seja,
a sua missão régia, sacerdotal e profética. Portanto, qualquer bispo ou
padre, enquanto tal, possui tal missão. Estas três
missões têm de se articular. Quando se diz «profeta» não deve
entender-se exclusivamente, isto é, separada das outras duas. E profeta tem um sentido que não se deve entender no
sentido de «Borda-d’-Água», o que diz que amanhã chove ou não
chove. Está antes ligado ao essencial, ao escatológico, anunciador da
«parusia», isto é, refere-se ao «instante» em que se opera a salvação. O profeta é o que põe em causa o "instante"
escatológico, contestando, lançando a inquietação do essencial na consciência…»
[Depoimento, a 07-01-1971, perante o Tribunal
Plenário do Porto; in «Processo do Pároco de Macieira da Lixa»]
No
seu livro, Tornar Eficaz a Globalização,
Joseph E. Stiglitz (Ed. ASA, Outubro 12007), diz: «A história da
Argentina oferece muitas lições sobre o que os países ocidentais e a comunidade
internacional (especialmente o FMI) devem ou não fazer. Demonstra, novamente,
que até os países que parecem ter um bom comportamento e que recorrem a
empréstimos com moderação podem acabar com uma dívida esmagadora, em
consequência de forças que estão para além das suas
fronteiras; demonstra a facilidade com que a uma crise de dívida
se pode seguir outra; demonstra que a assistência
exterior pode ter uma factura muito elevada – e que seguir os conselhos do FMI
(…) não protege o país da crise nem o torna imune às críticas
subsequentes por parte do FMI. (…) A Argentina [como o Brasil] também demonstrou que há vida depois do
incumprimento: um país até pode crescer mais depressa depois. Porém, não há
muitos países com a ousadia da Argentina.
«É
o medo das consequências de não procederem ao reembolso que leva os países a
devolverem [poupanças], impondo dificuldades tremendas aos seus cidadãos.
Durante a minha visita à Moldávia, a força destes receios foi comentada
por mim, em casa. Embora os pagamentos da dívida estivessem a absorver três
quartos do seu já magro orçamento, as entidades governamentais continuavam a
dizer que, se entrassem em incumprimento, não teriam acesso ao dinheiro. Observei-lhes que não estavam a receber dinheiro nenhum.
Na verdade, o fluxo dos fundos não
vinha para a Moldávia: ia da Moldávia para a Europa e para os Estados Unidos, e
não ao contrário. Para além disso, teriam, quando muito, de passar muitos anos
até conseguirem obter alguns fundos do sector privado. (…) Eles, tal como
outros países altamente endividados, não podiam fazer os investimentos
necessários ao crescimento, e, sem crescimento, as perspectivas para obterem
empréstimos eram muito pobres. O incumprimento
deteria, pelo menos, a hemorragia de dinheiro para fora do país.»
(pp. 284-285)
«Seja este o vosso modo de falar: Sim, sim; não, não. Tudo o que for além disto procede do espírito do mal.» (Mateus 5,37)
«O sistema neoliberal, além de abandonar os mais fracos e
condenar os pobres à exclusão social sem chance de sair da miséria, elabora a ideologia do "inevitável"
para legitimar o processo histórico neoliberal, retomando assim a velha
doutrina da resignação e culpabiizando de
novo os pobres pela própria miséria. Esta ideologia do
inexorável sustenta que o neoliberalismo e a globalização são inevitáveis,
assim como as múltiplas formas de discriminação, de desigualdade e de exclusão,
porque são consequências
alheias à vontade do neoliberalismo. (…) Como diz Frei Betto,
op: "Hoje entramos na dinâmica do pensamento único, na ideia de que este modelo
de sociedade capitalista neoliberal é o ideal. Como disse Fukuyama, guro do
neoliberalismo, ‘a história chegou ao seu fim’. Crer nisso
é acreditar
que não há futuro" (Jornal ‘Correio da Cidadania’, n. 203). Diz Clodovis Boff:
"Grassa na cultura de hoje um novo determinismo, extremamente nefasto para
os pobres. De fato, os processos em curso – primazia do mercado, globalização,
avanço tecnológico – são apresentados como inexoráveis: nada haveria a fazer a
não ser adaptar-se. É o fatalismo do ‘pensamento único’. Essa ideologia,
extremamente funcional para o capitalismo
neoliberal, é uma doutrina da resignação. É,
para os últimos, a ideologia do desespero"
(Vida Pastoral, Nov-Dez 1997) (…) Por
isso ainda hoje se ouve dizer ‘não adianta’,
‘não vai dar em nada’, ‘porquê lutar, mobilizar-se,
reivindicar, denunciar?’ – pessimismo preocupante. (…) Declara o conhecido teólogo Pablo
Richard: "Não basta ouvir o grito dos pobres e o grito da
terra. Não é suficiente defender a vida de todos e de todas e a vida da natureza.
Também não é suficiente dar um testemunho
profético, ético e anti-idolátrico em favor da vida. Tudo isso é
necessário, é tarefa permanente. Hoje, é urgente reconstruir a esperança e
propor alternativas. As palavras-chave, hoje em dia, entre os pobres, são Esperança e Alternativas. É urgente passar do protesto para a proposta
(…), alternativas concretas e acreditáveis para os pobres e excluídos. A opção pelos pobres que a Igreja faz só tem sentido
num horizonte concreto de esperança, em que apareça a possibilidade
de uma sociedade sem exclusão e sem destruição da natureza." (Revista Convergência, Maio 2001, p.
207)»
[in, «Globalização
neoliberal e exclusão social», por Adriano Sella, Missionário Xaveriano,
Ed. Paulus, 22003)]
A Ressurreição de Jesus Cristo é a palavra de Deus contra todo o tipo de inevitabilidade mortífera: o neoliberalismo, as suas crises, a austeridade... A palavra de Deus vai contra a palavra de Cavaco Silva.[1] A palavra de Deus põe em causa todo o tipo de totalitarismo inevitável, também o totalitarismo de mercado. Toda e qualquer Comunidade dominical cristã que se reúna em nome do bom Jesus injustamente perseguido, cruelmente morto, mas por Deus ressuscitado e não tome como tarefa, prévia a tudo, a solidariedade para com as vítimas e a denúncia do neoliberalismo de Passos Coelho e de Maria Luís Albuquerque, trai o mandamento do seu Senhor, pois o Senhor disse "Fazei isto em memória de mim", o que quer dizer, fazei TAMBÉM como eu fiz.
RSI – RELATOS de
VIDA [c/ Sociólogo Eduardo Vítor Rodrigues]
Beneficiários do Rendimento Social de Inserção terão de trabalhar 15 horas por semana
https://www.youtube.com/watch?v=2ophYYDJeVI
AS CRISES DO
NEOLIBERALISMO NO SÉCULO XXI
Como vimos nos capítulos anteriores, no fim
dos loucos anos 90, o neoliberalismo, nas suas várias versões e modificações,
difundira-se por quase todo o mundo. No Ocidente, os seus poderosos defensores
recorreram ao argumento apelativo da inevitável globalização do mercado para
convencerem as pessoas de que a liberalização do comércio e os mercados
minimamente regulados resultariam num grande crescimento económico e num
melhoramento profundo das condições de vida em todo o mundo. Contudo, além
deste forte arsenal de representação ideológica, a difusão do neoliberalismo
exigiu, por vezes, a cooptação das elites locais, na maioria dos casos através
da coerção indireta por parte de instituições económicas internacionais como o
FMI, o Banco Mundial, que insistiam na adoção de programas de ajustamento
estrutural em troca dos empréstimos muito necessários.
Apesar de alguns sucessos inegáveis, como
por exemplo a superação dos anos de «estagflação»
de finais dos anos 70, o neoliberalismo criou vencedores e perdedores na
economia globalizada. A sua distribuição desigual dos benefícios materiais deu
azo a muitos desafios e crises, como a revolta do Exército Zapatista de Libertação Nacional
contra o
Consenso de Washington [no
México, governo de Carlos Salinas de Gortari, aquando da entrada em vigor do
Tratado de Livre Comércio da América do Norte] ou a Crise Financeira Asiática de 1997-1998,
a que se seguiram rapidamente colapsos económicos na Rússia e no Brasil. Um
ano depois, milhões
de pessoas em todo o mundo foram para as ruas de Seattle,
Washington, Melbourne, Manila, Praga, Gotemburgo e outras para protestar contra
o aumento das desigualdades globais e a deterioração das condições de trabalho,
que atribuíam ao comércio neoliberal e à agenda de desenvolvimento concebida
pelo FMI
e pela OMC
(Organização Mundial do Comércio). As manifestações gigantescas por altura da Cimeira do G8
em Génova, em Agosto de 2001, foram um sinal claro de que milhões de pessoas de
todo o mundo rejeitavam um sonho
neoliberal de um mercado global único alimentado pelos insaciáveis desejos
consumistas. No seu confronto com o ídolo globalista de mercado,
estes manifestantes da «alterglobalização» conseguiram criar um grande
«movimento pela justiça global». Estabelecendo um Fórum
Social Global, no Brasil, como o seu ponto de encontro anual,
estes ativistas redigiram uma Carta de
Princípios, antineoliberal, baseada na convicção de que um «outro
mundo» é possível.
Em reação ao aumento das tensões culturais
e étnicas num mundo cada vez mais globalizado, em finais dos anos 90 as forças
nacionalistas da direita política foram também reunindo forças.
Responsabilizando o globalismo de mercado pela debilitação da comunidade e dos
modos tradicionais de vida, lamentavam também a deslocalização dos pequenos
camponeses e o aumento da imigração nos seus países. Dirigentes políticos
populistas como Patrick Buchanan nos Estados Unidos, Jörg Haider na Áustria,
Jean-Marie Le Pen em França, Christoph Blocher na Suíça, Gianfranco Fini em
Itália, Pauline Hanson na Austrália e Winston Peters na Nova Zelândia,
exprimiram a sua oposição ao «fundamentalismo de mercado» neoliberal.
Denunciavam também o comércio-livre, o poder cada vez maior dos investidores
globais e a subcontratação externa de empregados na manufatura como práticas
«pouco patrióticas» que contribuíam para o declínio da moral e dos níveis de
vida. No hemisfério sul, vozes semelhantes do populismo nacionalista culpavam a
globalização neoliberal e a expensão do poder americano pelo declínio económico
e pela decadência cultural. O presidente venezuelano Hugo
Chaves, por exemplo, jurou proteger o seu país desse «internacionalismo
neoliberal».
Ao mesmo tempo que ridicularizavam aquilo
que viam como o «protecionismo antiquado» e o «paroquialismo» dos críticos de
direita, os neoliberais da segunda vaga reagiram de forma especialmente forte
contra os opositores de esquerda. Declarando agir de um modo puramente
defensivo, os dirigentes políticos começaram a recorrer cada vez mais aos
poderes coercivos do Estado para manterem sob controlo esses
«antiglobalizadores». Além disso, a comunicação social impôs às audiências
televisivas, geralmente mal informadas, o estereótipo
do anarquista que atira «coktails Molotov». Estas tentativas de
estabilizar o modelo neoliberal através da criação do medo
refletiram-se cada vez mais no discurso público. Por exemplo, os mercados
globalizadores eram agora retratados como necessitados de proteção contra os manifestantes violentos e irracionais[4].
Parecia que a evolução «inevitável» do globalismo de mercado precisava agora de
ser ajudada por fortes
medidas de imposição da lei, que repeliriam os «inimigos da democracia e do mercado
livre».
No entanto, o fator medo só entrou
realmente em jogo após os acontecimentos traumáticos do 11 de Setembro de 2001, quando
forças do jihadismo radical atacaram aquilo que viam como símbolos «ímpios» e
«materialistas» da sociedade mais neoliberal do mundo. Na altura em que a
Al-Qaeda lançou os seus terríveis ataques, a relação entre a violência política
e os manifestantes antiglobalização estava já tão firmemente enraizada na
consciência pública que alguns comentadores do hemisfério norte apontaram
imediatamente esses «elementos radicais» como principais suspeitos. Quando se
tornou claro que era a rede terrorista liderada por Osama bin Laden e Ayman
al-Zawahri que estava por trás dessas atrocidades, o estereótipo negativo do
caótico movimento pela justiça global foi rapidamente eclipsado pela imagem
ameaçadora dos extremistas
islâmicos mundialmente organizados em celas clandestinas. Como o
neoliberalismo chocava frontalmente com o jihadismo global, o presidente George
W. Bush e o primeiro-ministro Tony Blair transformaram a crise de segurança que
afligia o mundo numa oportunidade para alargar a hegemonia do neoliberalismo em
novos termos. Assim, nos primeiros anos do século XXI, a linguagem neoliberal do mercado fundiu-se com a agenda de
segurança neoconservadora. Os países foram instigados, de forma
explícita, a alinharem com o líder do neoliberalismo global – os Estados Unidos
– ao lado da «civilização» contra as forças do terrorismo, ou, então, sofreriam
as consequências das suas más escolhas. Ser «civilizado» significava não só adotar a democracia
de estilo americano e os mercados livres, mas também evitar criticar a política
externa americana. Os países, como a França, a Alemanha e a Rússia,
que se opuseram à invasão do Iraque em 2003 pagaram um alto preço económico
pela sua insubordinação: a vingativa
administração Bush deixou-os de fora dos contratos lucrativos para a
reconstrução de um país devastado.
Inicialmente confinada ao Afeganistão e ao
Iraque, a chamada «Guerra ao Terror» depressa se expandiu a
outras partes do mundo, como a Somália e a Indonésia e, mais recentemente,
novamente ao Afeganistão e até ao Paquistão. Ao mesmo tempo, porém, algumas
células terroristas do tipo da Al-Qaeda continuaram a sua campanha jihadista. O
seu imperativo ideológico simples – reconstruir a umma
(comunidade islâmica de fiéis) global unificada através de uma jihad global contra «os infiéis de todo
o mundo» – evocava as dinâmicas de um mundo em processo de globalização.
Exercia forte atração sobre os jovens muçulmanos desamparados, entre os 15 e os
25 anos, que já viviam há muito tempo no Ocidente, em especial na Europa.
Responsáveis pelas operações terroristas mais espetaculares executadas entre os
atentados de 11 de Setembro de 2001 e os ataques bombistas de 7 de Julho de 2005 em Londres,
estes recrutas partilhavam a convicção de Bin Laden de que a «economia
destrutiva, usurária e global» constituía uma arma deliberada nas mãos do
ocidente para «impor a impiedade e a humilhação» ao mundo islâmico.
A fria análise custo-benefício de
Osama bin Laden dos ataques de 11 de Setembro
«A
Al-Qaeda gastou 500 000 dólares nos ataques de 11 de Setembro, enquanto a
América perdeu, no mínimo, 500 mil milhões no próprio acontecimento e no seu
rescaldo. É um milhão de dólares americanos poe cada dólar da Al-Qaeda, pela
Graça do Todo-Poderoso. Acresce o facto de a América ter perdido um número
enorme de postos de trabalho – e quanto ao défice federal, teve perdas sem
precedentes, calculadas em mais de um bilião de dólares. Ainda amais grave para
a América foi o facto de os mujahidin
terem obrigado Bush a recorrer a um orçamento de emergência para continuar a
combater no Afeganistão e no Iraque. Isto mostra o sucesso do nosso plano para
ferir a América a ponto de a arruinarmos, se Deus quiser.»
Fonte: Osama bin Laden, «The Towers of Lebanon» (29 de Outubro de
2004) in Messages to the World: The
Statements of Osama bin Laden, org., Bruce Lawrence (Londres: Verso, 200),
p. 242.
Na sua mensagem de vídeo emitida em
Setembro de 2007, Bin Laden lançou outros ataques verbais contra o
neoliberalismo e o «corrupto sistema político americano». Ligava o envolvimento
da administração Bush no Iraque aos interesses das empresas multinacionais que
mantinham o mundo refém da sua busca desenfreada de lucros provenientes da
guerra. Acusando
o «sistema capitalista» de pretender «transformar o mundo inteiro num feudo das
grandes empresas sob o rótulo da "globalização"», Bin Laden
exprimia uma crítica ao globalismo de mercado neoliberal, crítica que era
partilhada pelos opositores do neoliberalismo de ideologia de esquerda e de
direita – embora os princípios e os métodos horríveis da Al-Qaeda tenham sido
claramente denunciados pelos líderes do movimento pela justiça global. Assim,
em finais de 2007, quando o colapso do mercado imobiliário americano provocou
aquilo que viria a ser conhecido como a «crise
financeira global», há já quase uma década que o neoliberalismo
era objecto de críticas por parte das forças combinadas da esquerda e da
direita.
A crise financeira
global: causas e consequências
Durante os anos 80 e 90, os mercados
hipotecários americanos foram estimulados porque 3 governos neoliberais sucessivos aumentaram
os limites do crédito e reduziram os requisitos de garantias para a
conceção de empréstimos. Desde a administração Reagan que estes governos
contribuíram para a desregulação significativa da indústria americana dos
serviços financeiros. A iniciativa mais importante a este respeito foi, talvez,
o ataque à
Lei Glass-Steagall[5],
que fora promulgada pelo presidente Roosevelt, em 1933, para proibir os
bancos comerciais de se envolverem em atividades de investimentos
em Wall Street. Afinal de contas, o crash
de 1929 e a Grande Depressão subsequente haviam exposto os perigos em que a
indústria financeira incorria ao participar no frenesim especulativo de Wall
Street, que levara à bancarrota muitos bancos comerciais e à perda dos ativos
dos seus clientes.
Na primavera de 1987, o Conselho da Reserva
Federal decidiu aliviar algumas das regulações impostas pela lei
Glass-Steagall, afirmando que três medidas efetivas de controlo da especulação
empresarial haviam emergido desde os dias negros da Grande Depressão, as quais
tornavam muito improvável a reincidência de uma nova crise económica dessa
escala: (1) uma Comissão
de Valores Mobiliários [Securities
Exchange Commission – SEC] «eficiente»; (2) maior nível de sofisticação da
maioria dos investidores; (3) agências independentes de classificação do crédito,
como a Moody’s Investors Services, que forneciam informações rigorosos e
fiáveis aos investidores. Em inícios dos anos 90, grandes bancos comerciais, como
o J. P. Morgan, o Citicorp e o Chase Manhattan, receberam autorização da
Reserva Federal para garantirem investimentos em valores mobiliários. Em 1996, o Conselho da Reserva Federal,
presidido por Alan Greenspan, decidiu
permitir que as empresas bancárias detivessem filiais de bancos de investimento com até 25% dos seus ativos em
valores mobiliários. Em 1999, o Congresso aprovou a revogação da Lei Glass-Steagall, com
o presidente Clinton a aprovar nova legislação, removendo assim todas as
restrições sobre a posse dos bancos de investimento por bancos comerciais.
Esta série de regulações neoliberais
resultou num frenesim de fusões, que deram origem a grupos de serviços
financeiros ansiosos por se envolverem em investimentos de capitais de risco em áreas que
não faziam necessariamente parte do seu negócio normal. Derivados, futuros financeiros, permutas
de incumprimento creditício e outros instrumentos relacionados
tornaram-se extremamente populares quando os novos modelos matemáticos
computorizados sugeriam formas mais seguras de gerir o risco envolvido na
compra de um ativo - no futuro - a um preço combinado - no presente.
Baseando-se muito menos nos depósitos, as instituições financeiras pediam
empréstimos umas às outras e vendiam esses créditos como valores mobiliários.
Outros instrumentos financeiros «inovadores», como os fundos de retorno absoluto [hedge funds] alavancados por fundos
emprestados, alimentaram uma variedade de atividades especulativas, incluindo ataques em
grande escala às divisas nacionais[6].
Milhares de milhões de dólares fluíam por complexos «valores mobiliários garantidos por
hipotecas imobiliárias» que prometiam aos investidores até 25% de rentabilidade
sobre o capital.
Apoiados pelas políticas monetaristas de
Greenspan de manutenção das taxas de juro baixas e do fluxo de crédito, os
bancos de investimento expandiram a sua busca de capital comprando empréstimos subprime
arriscados a corretores de hipotecas, que, iludidos pela promessa de grandes
comissões, aceitavam candidaturas de empréstimos imobiliários com poucas ou
nenhumas garantias e sem controlo do crédito. Cada vez mais populares nos
Estados Unidos, a maioria destes empréstimos eram hipotecas com taxas
ajustáveis indexadas às flutuações das taxas de juro a curto prazo. Os bancos
de investimento apanharam esses empréstimos de alto risco, sabendo que podiam
revender esses ativos – associando-os a valores imobiliários compósitos já não
sujeitos à regulação estatal. De facto, um dos mais complexos
instrumentos «inovadores» - as chamadas obrigações da
dívida colateralizada – escondia geralmente os empréstimos
problemáticos associando-os a ativos menos arriscados e vendendo-os a investidores incautos.
No
entanto, dada a baixa qualidade das garantias, por que razão continuavam os
investidores individuais e institucionais a comprar esses valores mobiliários
baseados em hipotecas? Podemos pensar em três razões principais. Em
primeiro lugar, como já (…)
Manfred B. Steger
& Ravi K. Roy
Professores do Royal Melbourne
Institute of Technology; dedicam-se ao estudo da Globalização e da Política
Económica.
[pp. 18]
[1] A visão do Papa Francisco é a de quem tem horizontes largos,
espírito aberto ("sem rede") e estruturação sociológica. Pelo contrário,
ela nunca é ambígua, falsamente conciliatória ou espiritualista. O nº 216
da Exortação Apostólica ‘Evangelii
Gaudium’ não diz que se faça o que se possa onde estamos, nem que devemos
“passar progressivamente” do local para o global! O Papa diz: «Torna-se cada vez mais difícil encontrar soluções
a nível local», revelando, com isso, uma compreensão que
valoriza sem rebuço a dimensão e a força sistémica da realidade social sobre a
dimensão individual, espiritualista ou local. Só
com conceitos estruturais se pode compreender as verdadeiras causas do que está
a acontecer, o que na Exortação (n. 53) se torna, múltiplas
vezes, evidente («economia da exclusão», «economia que mata», «jogo da
competitividade e da lei do mais forte», etc.). Tais afirmações do Papa são do
âmbito e estruturação destas outras afirmações: «a
cidadania activa (=caridade) é rapidamente ultrapassada pela depauperização
global. Fruto da globalização, cerca de 25%
da população trabalhadora passou a ser precariada», ou, «Esta é a realidade [o resultado] de um sistema que exalta e
promove um modo de vida baseado na competitividade, na meritocracia e na flexibilidade»
(Guy Standing, «O Precariado»,
Presença 2014; p. 57). Com o Papa Francisco, a Igreja é convidada a ser
universitária, académica, livre, ou seja, como um adulto que assume a condição
científica do século XX sem preconceitos ou medo… e não mais um grupo
tridentino fechado sobre seus dogmas ou uma corporação anti modernista refém de
«verdades inegociáveis».
[2] Jesus enfrenta com denodo os desafios perigosos que
lhe surgem por diante, e, até, sai-lhes ao ataque: Se não, vejamos: "Ora
num dia de sábado, indo Jesus através das searas, os discípulos puseram-se a
colher espigas pelo caminho.
Os fariseus diziam-lhe: «Repara! Porque fazem eles ao sábado o
que não é permitido?» Ele disse: «Nunca lestes o que fez David, quando teve necessidade e
sentiu fome, ele e os que estavam com ele? Como entrou
na casa de Deus, ao tempo do Sumo Sacerdote Abiatar, e comeu os pães da
oferenda, que apenas aos sacerdotes era permitido comer, e também os deu aos
que estavam com ele?» E
disse-lhes: «O sábado foi feito para o homem e
não o homem para o sábado»". (Mc 2, 23ss)
[3] "Quero aqui hoje dizer-vos
que o caminho que estamos a trilhar, não sendo fácil, não é um caminho que nós possamos
abandonar" (P. Passos Coelho, Negócios on-line, 21-09-2013):
[4] Cf. Distúrbios muito violentos em
Agosto de 2011, em várias cidades inglesas, por pessoas que «não têm razões
para se manifestar»; que são vistas como «ratazanas», «matilhas de órfãos
selvagens»; é «matá-los à mocada como às focas bebés» - gritou um jornalista britânico: [NdE]
[5]
Blog «A SALA DE
CIMA»: [NdE]
15
DEZ 2010 – PARTE I – O
GOVERNO DOS BANCOS – Lei Glass-Steagall, por Serge Halimi
22
DEZ 2010 – PARTE II – O
GOVERNO DOS BANCOS – Lei Glass-Steagall, por Serge Halimi
[6]
«O QUE OS
BANCOS NÃO QUEREM QUE VOCÊ SAIBA» - como se faz dinheiro e qual o seu valor [VÍDEO]: [NdE]