teologia para leigos

10 de fevereiro de 2015

THATCHERISMO [Margaret Thatcher]

«Cada um por si não é uma racionalidade, porque a sociedade, como a conhecemos, foi construída por múltiplas formas de cooperação que sempre impuseram limites ao egoísmo. Por isso, uma notável galeria de economistas tem rejeitado e corrigido o dogma do comportamento egoísta − ou da maximização individual – como fundamento da vida colectiva. O prémio Nobel Herbert Simon escrevia: "Já não pode haver dúvidas sobre o facto de que os fundamentos micro da teoria neoclássica – a hipótese da racionalização perfeita – são contrários aos factos. Não é uma questão de aproximação: nem sequer descrevem remotamente o processo da tomada de decisão dos seres humanos em situações complexas." E, mais recentemente, Paul Krugman alertava para o uso e abuso de simplificações extremas: "A economia neoclássica simplifica radicalmente tanto os indivíduos como o sistema. Pela minha parte, não vou banir a maximização e o equilíbrio da minha caixa de ferramentas. Mas existe sempre a tentação de continuar a aplicar estas simplificações extremas, mesmo onde a evidência demonstra claramente que são erradas. O que os economistas têm que fazer é aprender a resistir a essas tentações."[blog, 5 Set. 2009]

«O problema é que estas ideias, que descrevem a economia como uma máquina cuja acção conduz ao equilíbrio, são uma burla. E é o que se tem visto: a libertação dos mercados conduziu a monopólios que distorcem os preços, a liberdade de circulação dos capitais produziu os offshores como paraísos do crime organizado e a des-regulação financeira produziu o mundo paralelo dos derivados e do subprime.» (…)

«… as crises são tanto maiores quanto menos regulada e mais alavancada estiver a economia financeira. Quanto maiores, piores: as crises são simplesmente a forma de uma gigantesca transferência de rendimentos do trabalho para o capital. "Brutal", para usar a expressão de Nogueira Leite(Francisco Louçã, «Portugal agrilhoado – a economia cruel na era do FMI», Bertrand Editora, pp. 46.48; ISBN 978-972-25-2303-5)



THATCHERISMO



[…] Adepta fervorosa das teorias económicas neoliberais de Milton Friedman, Thatcher não era grande defensora das taxas de câmbio fixas. No entanto, o seu ministério das Finanças adotou tetos de taxas de câmbio que seguiam o marco alemão na segunda metade dos anos 80, e só foram abandonados quando a libra esterlina começou a perder valor. Em 1990, Thatcher aderiu com relutância ao Mecanismo Europeu de Taxas de Câmbio (MTC), que indexava formalmente a libra esterlina ao marco alemão. Mas esta política falhou quando a reunificação alemã fez aumentar a inflação e as taxas de juro. Confrontado com a possibilidade de um forte abrandamento económico, o sucessor de Thatcher, John Major, abandonou o MTC em 1992. Esta decisão encheu os cofres de astutos especuladores de divisas como o multimilionário George Soros, que apostara verbas avultadas contra a libra esterlina.

Outra caraterística distintiva do thatcherismo era a sua política neoliberal de privatizações, que facilitou a venda de ativos substanciais do Estado ao setor privado. A privatização começou a sério, no início da década de 80, com a venda da National Freight Corporation, da British Aerospace, de vários serviços de cabo e de comunicações sem fios, da British Rail e dos Associated British Ports. Em seguida, continuou com a venda da Rolls-Royce Aircraft Engines, da British Airport Authority, da British Pretoleum, da British Steel e de várias empresas de distribuição de água e eletricidade. De facto, um número significativo de indústrias estatais foi vendido a investidores e empresas privadas, a preços substancialmente reduzidos, na esperança de que os novos proprietários atualizassem as suas instalações em termos globais.

Além disso, a venda de muitas unidades de habitação social, conhecidas por council houses, criou uma nova geração de proprietários de casas na Grã-Bretanha – mas não sem consideráveis custos sociais. Várias centenas de conselhos locais do governo supervisionavam a construção e gestão de vários milhões de propriedades. Como estes conselhos gozavam de grande autonomia na administração dos recursos ligados à habitação, com poucas ou nenhumas orientações concretas legais ou processuais e sem terem de prestar contas, Thatcher julgava-os «ineficientes» e considerava que «não davam resposta» às necessidades dos inquilinos. Numa iniciativa política ousada, a primeiro-ministro promulgou legislação nacional que libertava os inquilinos, colocando-os diretamente no processo de planeamento. Promulgada como a Lei de Habitação de 1980, a nova legislação atribuía aos inquilinos de longo prazo uma opção de «direito de compra» e conferia-lhes direitos legais específicos e vinculativos. No entanto, muitos inquilinos que não podiam comprar as suas casas arrendadas nas zonas mais apelativas foram relegados para bairros menos desejáveis, exacerbando assim as disparidades entre os grupos e as classes sociais.

Quando confrontada com um desemprego estrutural maciço causado pela desindustrialização, Thatcher recorreu ao «mercado livre» para determinar que empregos deviam ser salvos ou eliminados. Não há dúvida de que devia estar ciente de que a perda de empregos no setor manufatureiro se traduziria diretamente num maior declínio do poder sindical. Thatcher acreditava que a grande vantagem competitiva da Grã-Bretanha residia nos serviços do setor financeiro, especialmente os que estavam centrados em Londres. Num esforço para acelerar a mudança estrutural no sentido do renascimento financeiro da City, a primeiro-ministro encerrou as minas e as fábricas que não alcançavam os resultados obtidos pelo setor privado.

(…)

O governo de Thatcher acabaria por adotar um sistema de formação profissional que diminuiu o papel dos sindicatos em proveito de uma rede de empregadores do setor dos serviços, conhecida como Training and Enterprise Councils. Este novo sistema estabeleceria as bases do famoso programa workfare ou «assistência social em troca de trabalho» do thatcherismo.

Ao ver a política social do Estado como uma das principais responsáveis pela ineficiência económica, a primeiro-ministro visou uma variedade de políticas e programas. Movida pela sua vontade indómita de cortar na despesa do Estado, tentou reformar o sistema de abonos de família, o qual providenciava apoio a todos as mulheres trabalhadoras, independentemente dos seus rendimentos. Acreditando que esses benefícios deviam ser atribuídos apenas àquelas que classificava como «realmente necessitadas», tentou tornar o programa acessível com base numa prova real de rendimentos. No entanto, Thatcher acabou por abandonar o plano depois de perceber que a segurança social keynesiana e os programas de abono de família estavam demasiado enraizados no tecido sociopolítico da sociedade britânica, tornando-os politicamente intocáveis.

(…)

De facto, tanto o thatcherismo como a reaganomia pretendiam aplicar ao setor público as técnicas de gestão neoliberal utilizadas pelo setor privado. Fiéis aos princípios da «nova gestão pública», Thatcher e Reagan insistiam que os objetivos deviam ser definidos claramente e os resultados medidos e avaliados estritamente em relação aos custos. A lógica estratégica subjacente ao seu pensamento era visar os programas estatais que não apresentavam benefícios mensuráveis imediatos. Este modo de governação neoliberal revelar-se-ia fatal para muitos programas sociais cujos verdadeiros benefícios só seriam observáveis a longo prazo e, mesmo então, não seriam facilmente quantificáveis. (…)

Manfred B. Steger & Ravi K. Roy
Professores do Royal Melbourne Institute of Technology; dedicam-se ao estudo da Globalização e da Política Económica.




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