«Cada um por si não
é uma racionalidade, porque a sociedade, como a conhecemos, foi construída por
múltiplas formas de cooperação que sempre impuseram limites ao egoísmo.
Por isso, uma notável galeria de economistas tem rejeitado e corrigido o dogma
do comportamento egoísta − ou da maximização individual – como fundamento da
vida colectiva. O prémio Nobel Herbert Simon
escrevia: "Já não pode haver dúvidas sobre o facto de que os fundamentos
micro da teoria neoclássica – a hipótese da racionalização perfeita – são contrários
aos factos. Não é uma questão de aproximação: nem sequer
descrevem remotamente o processo da tomada de decisão dos seres humanos em
situações complexas." E, mais recentemente, Paul
Krugman alertava para o uso e abuso de simplificações extremas: "A economia
neoclássica simplifica radicalmente tanto os indivíduos como o sistema.
Pela minha parte, não vou banir a maximização e o equilíbrio da minha caixa de
ferramentas. Mas existe sempre a tentação de continuar a aplicar estas
simplificações extremas, mesmo onde a evidência demonstra claramente que são
erradas. O que os economistas têm que fazer é aprender a resistir a essas
tentações."[blog, 5 Set. 2009]
«O problema é que estas ideias, que descrevem a
economia como uma máquina cuja acção conduz ao equilíbrio, são uma burla. E é o
que se tem visto: a libertação dos mercados
conduziu a monopólios que distorcem os preços, a liberdade de circulação dos
capitais produziu os offshores como
paraísos do crime organizado e a des-regulação financeira produziu o mundo
paralelo dos derivados e do subprime.» (…)
«… as crises são tanto maiores quanto menos
regulada e mais alavancada estiver a economia financeira. Quanto maiores, piores: as crises são simplesmente a forma de uma
gigantesca transferência de rendimentos do trabalho para o capital.
"Brutal", para usar a expressão de Nogueira Leite.» (Francisco Louçã, «Portugal agrilhoado – a economia cruel na
era do FMI», Bertrand Editora, pp. 46.48; ISBN 978-972-25-2303-5)
THATCHERISMO
[…] Adepta fervorosa das teorias económicas neoliberais de Milton
Friedman, Thatcher não era grande
defensora das taxas de câmbio fixas. No entanto, o seu ministério das Finanças
adotou tetos de taxas de câmbio que seguiam o marco alemão na segunda metade
dos anos 80, e só foram abandonados quando a libra esterlina começou a perder
valor. Em 1990, Thatcher aderiu com relutância ao Mecanismo
Europeu de Taxas de Câmbio (MTC), que indexava formalmente a libra
esterlina ao marco alemão. Mas esta política falhou quando a reunificação alemã
fez aumentar a inflação e as taxas de juro. Confrontado com a possibilidade de
um forte abrandamento económico, o sucessor de Thatcher, John Major, abandonou o MTC em 1992. Esta
decisão encheu os cofres de astutos especuladores de divisas como o
multimilionário George Soros, que
apostara verbas avultadas contra a libra esterlina.
Outra caraterística distintiva do thatcherismo era a sua política
neoliberal de privatizações, que
facilitou a venda de ativos substanciais do Estado ao setor privado. A
privatização começou a sério, no início da década de 80, com a venda da
National Freight Corporation, da British Aerospace, de vários serviços de cabo
e de comunicações sem fios, da British Rail e dos Associated British Ports. Em
seguida, continuou com a venda da Rolls-Royce Aircraft Engines, da British
Airport Authority, da British Pretoleum, da British Steel e de várias empresas
de distribuição
de água e eletricidade. De facto, um número significativo de
indústrias estatais foi vendido a investidores e empresas privadas, a preços
substancialmente reduzidos, na esperança de que os novos proprietários
atualizassem as suas instalações em termos globais.
Além disso, a venda de muitas unidades de habitação social,
conhecidas por council houses, criou uma nova geração de proprietários
de casas na Grã-Bretanha – mas não sem consideráveis
custos sociais. Várias centenas de conselhos locais do governo
supervisionavam a construção e gestão de vários milhões de propriedades. Como
estes conselhos gozavam de grande autonomia na administração dos recursos
ligados à habitação, com poucas ou nenhumas orientações concretas legais ou
processuais e sem terem de prestar contas, Thatcher julgava-os «ineficientes» e
considerava que «não davam resposta» às necessidades dos inquilinos. Numa
iniciativa política ousada, a primeiro-ministro promulgou legislação nacional que
libertava os inquilinos, colocando-os diretamente no processo de planeamento.
Promulgada como a Lei de Habitação de
1980, a nova legislação atribuía aos inquilinos de longo prazo uma opção de
«direito de compra» e conferia-lhes direitos legais específicos e vinculativos.
No entanto, muitos inquilinos que não podiam comprar as suas casas arrendadas
nas zonas mais apelativas foram relegados para bairros menos desejáveis,
exacerbando assim as disparidades entre os grupos e as classes sociais.
Quando confrontada com um desemprego estrutural maciço causado pela
desindustrialização, Thatcher recorreu ao «mercado livre» para
determinar que empregos deviam ser salvos ou eliminados. Não há dúvida de que
devia estar ciente de que a perda de empregos no setor manufatureiro se
traduziria diretamente num maior declínio do poder sindical. Thatcher
acreditava que a grande vantagem competitiva da Grã-Bretanha residia nos
serviços do setor financeiro, especialmente os que estavam centrados em
Londres. Num esforço para acelerar a mudança estrutural no sentido do
renascimento financeiro da City, a primeiro-ministro encerrou as
minas e as fábricas que não alcançavam os resultados obtidos
pelo setor privado.
(…)
O governo de Thatcher acabaria por adotar um sistema de formação
profissional que diminuiu o papel dos sindicatos em proveito de uma rede de
empregadores do setor dos serviços, conhecida como Training and Enterprise Councils.
Este novo sistema estabeleceria as bases do famoso programa workfare
ou «assistência
social em troca de trabalho» do thatcherismo.
Ao ver a política social do Estado como uma das principais responsáveis
pela ineficiência económica, a primeiro-ministro visou uma variedade de
políticas e programas. Movida pela sua vontade
indómita de cortar na despesa do Estado, tentou reformar o
sistema de abonos de família, o qual providenciava apoio a todos as mulheres
trabalhadoras, independentemente dos seus rendimentos. Acreditando que esses
benefícios deviam ser atribuídos apenas àquelas que classificava como «realmente
necessitadas», tentou tornar o programa acessível com base numa prova
real de rendimentos. No entanto, Thatcher acabou por abandonar o plano
depois de perceber que a segurança social
keynesiana e os programas de abono de
família estavam demasiado enraizados no tecido sociopolítico da sociedade
britânica, tornando-os politicamente intocáveis.
(…)
De facto, tanto o thatcherismo
como a reaganomia pretendiam aplicar ao setor público as técnicas de gestão
neoliberal utilizadas pelo setor privado.
Fiéis aos princípios da «nova gestão pública», Thatcher e Reagan insistiam que
os objetivos
deviam ser definidos claramente e os resultados medidos e avaliados
estritamente em relação aos custos. A lógica
estratégica subjacente ao seu pensamento era visar os programas estatais que
não apresentavam benefícios mensuráveis imediatos. Este
modo de governação neoliberal revelar-se-ia fatal para muitos programas sociais
cujos verdadeiros benefícios só seriam observáveis a longo prazo e, mesmo
então, não seriam facilmente quantificáveis. (…)
Manfred B. Steger & Ravi K. Roy
Professores do Royal Melbourne
Institute of Technology; dedicam-se ao estudo da Globalização e da Política
Económica.
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