teologia para leigos

7 de fevereiro de 2015

O QUE É O NEO-LIBERALISMO

«Os deuses (e os demónios), como é sabido, têm – pelo menos na imaginação dos homens – o peculiar hábito da sorrateirice e da imprevisão: aparecem onde menos se espera. Os homens atribuem-lhes estranhos poderes de intervenção, para o bem e para o mal, na solução dos problemas humanos. A nossa tese é a seguinte: nas teorias económicas e nos processos económicos verifica-se uma estranha metamorfose dos deuses e uma aguerrida luta entre os deuses. Esta suspeita, por tudo o que implica, deveria mexer com os brios científicos de qualquer economista.

«Ídolos são deuses da opressão. Biblicamente, o conceito de ídolo e idolatria está directamente vinculado à manipulação de símbolos religiosos para criar sujeições, legitimar opressões e apoiar poderes dominadores na organização do convívio humano. No interior dos processos de intercâmbio valorativo entre os homens, a troca simbólica de objectos e representações de cunho sagrado costuma preservar uma determinada "utilidade", isto é, um aspecto útil ou valor de uso. Fascinados por essa "serventia" dos seus deuses, os seres humanos entregam-se prazerosamente a eles. Consumindo-os (já que os mitos são bons para serem comidos), os homens, em geral, perdem a consciência de que existem deuses devoradores da vida humana. Os ídolos são implacáveis quanto às suas exigências de sacrifícios. (…)

«Se falamos em idolatria e em "teologias perversas" presentes na economia é porque nos preocupa o sacrifício de vidas humanas legitimado por concepções idolátricas dos processos económicos(Hugo Assmann e Franz J. Hinkelammert, «A Idolatria do Mercado», VOZES, São Paulo, 1989, pp. 11-12)






Até o presidente americano Richard Nixon, um republicano conservador, proclamou, em finais dos anos 70, que «agora somos todos keynesianos». Foi a defesa keynesiana do Estado intervencionista e dos mercados regulados que conferiu ao «liberalismo» o seu sentido económico moderno: uma doutrina que favorece um governo grande e activo, a regulação da indústria, impostos elevados para os ricos e programas extensos de assistência social para todos os cidadãos.

Nas três décadas que se seguiram à Segunda Guerra Mundial, o liberalismo igualitário moderno conduziu a taxas espetaculares de crescimento económico, salários elevados, inflação baixa e níveis sem precedentes de bem-estar material e de segurança social. No entanto, esta era dourada do capitalismo controlado teve um ponto final com as graves crises económicas dos anos 70. Em resposta a calamidades nunca antes vistas, como os «choques petrolíferos», que da noite para o dia quadruplicaram o preço do petróleo, a ocorrência simultânea de uma inflação desgovernada, o aumento do desemprego («estagflação») e a queda dos lucros das empresas, uma estirpe totalmente nova de liberais procurou uma saída através da reanimação da velha doutrina do liberalismo clássico no novo contexto da globalização.

Estes «neoliberais» subscreveram um conjunto comum de princípios ideológicos e políticos consagrados à difusão mundial de um modelo económico que enfatizava os mercados livres e o comércio livre. No entanto, destacavam partes diferentes da sua teoria em conformidade com os contextos sociais específicos. Venerados pelos seus seguidores e detestados pelos keynesianos, os neoliberais acabaram por determinar – em inícios dos anos 80 – a agenda económica e política para os 25 anos seguintes. Como veremos nos capítulos 2 e 3, os neoliberais afirmavam que a regulação estatal paralisante, a despesa pública exorbitante e as barreiras das taxas aduaneiras ao comércio internacional haviam sido responsáveis pela criação das condições que levaram à inflação alta e ao fraco crescimento económico nos países industrializados nos anos 70. Uma vez aceite esta premissa, o próximo passo lógico era afirmar que estes fatores continuavam a ser o principal obstáculo ao desenvolvimento económico no hemisfério Sul. Foi assim que nasceu uma agenda de desenvolvimento global e neoliberal essencialmente baseada nos chamados «programas de ajustamento estrutural» e nos acordos internacionais de comércio livre. Como veremos também nos capítulos 4 e 5, algumas instituições económicas poderosas – como o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial – impuseram a sua agenda neoliberal aos países em desenvolvimento e extremamente endividados em troca de empréstimos de que estavam muito necessitados. O colapso da União Soviética, em 1991, e a aceleração das reformas orientadas para o Mercado na China comunista conduziram a um domínio sem precedentes do modelo neoliberal nos anos 90.

No entanto, durante a última década, o neoliberalismo foi alvo de uma série de críticas. A crise económica global de 2008-2009 é apenas o último de uma série de desafios ao paradigma do mercado livre ainda dominante. Mas, antes de apreciarmos toda a magnitude da ameaça enfrentada pelo neoliberalismo, temos de nos familiarizar com as suas várias dimensões, variedades e aplicações práticas. Comecemos, então, a nossa viagem com uma descrição breve das suas principais ideias e princípios.

As três dimensões do neoliberalismo

«Neoliberalismo» é um conceito bastante lato e geral que se refere a um modelo ou «paradigma» económico que se tornou preponderante nos anos 80. Concebido com base no ideal liberal clássico do mercado que se autorregula, o neoliberalismo apresenta-se em várias modalidades. A melhor forma de conceptualizar o neoliberalismo é, talvez, vê-lo como três manifestações inter-ligadas: (1) uma ideologia; (2) um modo de governação; (3) um conjunto de políticas. Vejamos agora em mais pormenor estas dimensões fundamentais. (…)

Manfred B. Steger & Ravi K. Roy
Professores do Instituto de Tecnologia de Melbourne; dedicam-se ao estudo da Globalização e da Política Económica.
«Introdução ao Neoliberalismo», Conjuntura Actual Editora (www.actualeditora.pt), t.: 239851904; 213190240; ISBN 978-989-694-041-6.



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