«Pobre es la favella más pobre de San Quintín,
lo sabe quien conoce bien las obras del Padre» (NESCIO, en "Dichtertje")
O REINO DE DEUS NA HISTÓRIA DE ISRAEL
(…)
Este
messianismo
purificado encontrará a sua expressão mais excelsa nos «Cantos do Servo»
(Is 42, 49, 50, 52, 53). O «Servo» aparece como a figura messiânica ideal. É
ele quem anuncia e realiza a salvação, não apenas de Israel, mas de todos os
povos. Este universalismo já não é um universalismo interesseiro, centrado em
Israel, mas é um universalismo à medida de Deus: sem limites, sem fronteiras. O
«Servo» carrega com o pecado de todos, é castigado, perseguido, humilhado e,
finalmente, condenado à morte. Porém, este aniquilamento humano total e
absoluto não será o fim de tudo. Pelo contrário, abre assim as portas dum
futuro de luz e de glória que revelará, com toda a sua força salvadora, o Reino
de Deus; o «Servo» cura as nossas feridas, vivifica-nos com a sua morte,
glorifica-nos com o seu rebaixamento.
Ou
seja, enquanto os responsáveis da nação judaica se deixavam deslumbrar com um
messianismo temporal, expressão da sua vontade de poder, os corações dos Pobres de Yahvé
abriam-se – através da humildade e da confiança – a uma esperança que não se
alicerçava em nada de humano, mas no poder do próprio Deus.
Nos
Oráculos do profeta Sofonias, no Cântico de Zacarias pai de João
Baptista, e no Magnificat de Maria a
mãe de Jesus encontra-se a mesma inspiração, a mesma ânsia de esperança dos Pobres de Yahvé. Ora, acontece que é
neste chão bíblico que Jesus de Nazaré enraíza e cresce. É muito importante
re-situar a sua pessoa e a sua mensagem nesta linha histórica e espiritual: a
partir das suas origens humildes, da sua vida pobre despojada de qualquer poder
temporal, de qualquer ambição política ou da busca de honrarias e riquezas; a
partir da sua proximidade para com os humildes, os doentes e os miseráveis de
todo o género e feitio; a partir da sua mensagem das Bem-aventuranças
evangélicas e da proclamação do Reino, e, finalmente, através das humilhações
por si sofridas, da sua rejeição e da sua ressurreição «secreta», Jesus realiza
plenamente o tipo bíblico do Pobre de Yahvé.
(…)
É a esta luz que a mensagem de Jesus adquire a sua
verdadeira dimensão e se revela em toda a sua profundidade espiritual e humana.
É mediante ele, sem dúvida, que nós somos introduzidos no grande debate − sempre actual – que Jesus
inaugura na História e que a todos nós diz respeito. Todas as vidas
humanas, mais dia, menos dia, enfrentam uma opção fundamental: ou optam por um
messianismo que liga a vinda do Reino de Deus à soberania humana, encerrando-as
num horizonte terreno; ou optam por um messianismo daqueles e daquelas que,
reconhecendo a sua impotência em se salvarem e realizarem a sós, acabam por se
abrir – na base da humildade e da confiança – à pura grandeza do Reino de
Deus: a grandeza de uma comunhão de amor sem fim com Deus e com todos os nossos
irmãos.
Entre estes dois messianismos, a oposição é radical. Não há
conciliação possível. Entre um e o outro está a Cruz. De facto, seja
qual for a nossa idade, a nossa situação e a nossa experiência espiritual, a
abertura ao Reino de Deus revelado em Jesus Cristo não poderá livrar-nos da
Cruz. E a
Cruz será sempre fracasso: o fracasso do homem, inclusivamente nos
seus combates mais justos; o fracasso de toda a tentativa humana de realizar o
Reino de Deus nesta terra como o lugar onde o Homem se realiza plenamente.
Crer
num «Messias crucificado» é consentir nesse fracasso que dilui todas as nossas
tentativas de auto-realização e auto-justificação, e nos coloca nas mãos da Omnipotência amorosa de Deus, tal
como Cristo se colocou nas mãos do Pai quando envolto nas trevas da sua agonia
na Cruz.
Ditoso aquele que, do fundo da sua impotência para realizar
o Bem, possa dizer com toda a verdade: «Só Deus é o bem pleno e a fonte de todo
o Bem. Só Ele reina mediante a soberania do seu amor». Este acto de adoração
abre-nos à pura grandeza do Reino de Deus, Reino que não é dominação, mas
comunhão num amor soberano que nos é oferecido gratuitamente. Sim, ditoso o
homem que recebe a sua realização da mão de Deus! — «há caminhos a abrirem-se
no seu coração».
Assim, o Cristo dos nossos abismos converte-se no Cristo das
nossas ressurreições. Abrindo-nos à pura grandeza do seu Reino, arranca-nos aos
nossos becos e estreitezas. Liberta, em nós, a imagem de Deus, essa capacidade
de amar que o Criador em nós colocou, mas que está pregueada sobre si própria.
O descentramento que a Cruz de Cristo realiza na nossa vida, longe de ser
alienante, é fundante: devolve-nos ao nosso verdadeiro ser, abrindo-nos ao amor
sem fronteiras do Pai, ao seu sopro criador e redentor.
Éloi
Leclerc, franciscano.