teologia para leigos

28 de fevereiro de 2015

CRISES NEO-LIBERAIS NO SÉC. XXI [Manfred Steger & Ravi Roy]


É importante resistir aos calculistas oficiais da Igreja católica que, em matéria de «crise financeira», optam por um [clicar aqui] discurso propositadamente ambíguo (discurso de "vómito"; Ap. 3,16): cuidam que ficam com as mãos limpas, podendo, então, servir a dois senhores – ao povo, esmagado por uma "austeridade mal-intencionada, criminosa", e a P. Passos Coelho (CLICAR AQUI a quem não acontece nada se não fizer os respectivos descontos para a Segurança Social). Porém, esquecem-se que Deus não é neutral: veio para julgar as nações (Sl 82[81],8) e o seu Julgamento será implacável (1P3 4,1-6). A Igreja ouviu as palavras de Pedro: «Se alguém tomar a palavra, que seja para transmitir palavras de Deus» (v.11) e não diplomáticas ou de circunstância. O discurso da Igreja oficial portuguesa, em matéria de crise, nem sequer toca a fímbria das posturas da CNJP, quanto mais as palavras do Papa Francisco[1] ou as de Jesus[2]: até parece que os três não devem articular-se entre si e formar um todo.
Também por causa disto, muitos cristãos, sobretudo aqueles que «desenganados optaram, se não pela ruptura oficial, [por] "procurar a vida" e trilhar um caminho solitário ou em círculos minúsculos e cómodos, correndo o enorme perigo de cair naquilo que se costuma chamar "religião a la carte", ou naquilo que Hegel criticou outrora como a solidão estéril do romântico» (J.I. G. Faus). É para estes que vai a determinação de que temos que rejeitar uma religião sadomasoquista que prega um deus sadomasoquista que legitima o que P. Passos Coelho e Maria Luís Albuquerque nos pregam diariamente: «há que sofrer, estávamos a um passo do abismo; há que aguentar um pouco mais, o pior já passou»[3]
O poder oficial da Igreja em Portugal (bispos e patriarca) sabe que todos os países do mundo, que se viram debaixo de dívidas impagáveis e programas de austeridade ‘de loucos’ como o nosso, só conseguiram crescimento económico quando se rebelaram contra o FMI e o Banco Mundial e tomaram nas suas mãos as políticas económicas: porque é que a Igreja não o diz clara, profética e violentamente ao povo (como Jesus fez: Mc 2,28; Mc 5,8)? Por medo que isso seja fazer política e política, como estreitamente o Vaticano II sugere, «é território apenas dos leigos»? Não era esta visão - estreita e à defensiva - a do Bispo do Porto, D. António Ferreira Gomes, nos duros anos da ditadura salazarista: «O Concílio diz que a missão da Igreja é continuar a missão de Cristo, ou seja, a sua missão régia, sacerdotal e profética. Portanto, qualquer bispo ou padre, enquanto tal, possui tal missão. Estas três missões têm de se articular. Quando se diz «profeta» não deve entender-se exclusivamente, isto é, separada das outras duas. E profeta tem um sentido que não se deve entender no sentido de «Borda-d’-Água», o que diz que amanhã chove ou não chove. Está antes ligado ao essencial, ao escatológico, anunciador da «parusia», isto é, refere-se ao «instante» em que se opera a salvação. O profeta é o que põe em causa o "instante" escatológico, contestando, lançando a inquietação do essencial na consciência…» [Depoimento, a 07-01-1971, perante o Tribunal Plenário do Porto; in «Processo do Pároco de Macieira da Lixa»]
No seu livro, Tornar Eficaz a Globalização, Joseph E. Stiglitz (Ed. ASA, Outubro 12007), diz: «A história da Argentina oferece muitas lições sobre o que os países ocidentais e a comunidade internacional (especialmente o FMI) devem ou não fazer. Demonstra, novamente, que até os países que parecem ter um bom comportamento e que recorrem a empréstimos com moderação podem acabar com uma dívida esmagadora, em consequência de forças que estão para além das suas fronteiras; demonstra a facilidade com que a uma crise de dívida se pode seguir outra; demonstra que a assistência exterior pode ter uma factura muito elevada – e que seguir os conselhos do FMI (…) não protege o país da crise nem o torna imune às críticas subsequentes por parte do FMI. (…) A Argentina [como o Brasil] também demonstrou que há vida depois do incumprimento: um país até pode crescer mais depressa depois. Porém, não há muitos países com a ousadia da Argentina.
«É o medo das consequências de não procederem ao reembolso que leva os países a devolverem [poupanças], impondo dificuldades tremendas aos seus cidadãos. Durante a minha visita à Moldávia, a força destes receios foi comentada por mim, em casa. Embora os pagamentos da dívida estivessem a absorver três quartos do seu já magro orçamento, as entidades governamentais continuavam a dizer que, se entrassem em incumprimento, não teriam acesso ao dinheiro. Observei-lhes que não estavam a receber dinheiro nenhum. Na verdade, o fluxo dos fundos não vinha para a Moldávia: ia da Moldávia para a Europa e para os Estados Unidos, e não ao contrário. Para além disso, teriam, quando muito, de passar muitos anos até conseguirem obter alguns fundos do sector privado. (…) Eles, tal como outros países altamente endividados, não podiam fazer os investimentos necessários ao crescimento, e, sem crescimento, as perspectivas para obterem empréstimos eram muito pobres. O incumprimento deteria, pelo menos, a hemorragia de dinheiro para fora do país.» (pp. 284-285)

«Seja este o vosso modo de falar: Sim, sim; não, não. Tudo o que for além disto procede do espírito do mal.» (Mateus 5,37)

«O sistema neoliberal, além de abandonar os mais fracos e condenar os pobres à exclusão social sem chance de sair da miséria, elabora a ideologia do "inevitável" para legitimar o processo histórico neoliberal, retomando assim a velha doutrina da resignação e culpabiizando de novo os pobres pela própria miséria. Esta ideologia do inexorável sustenta que o neoliberalismo e a globalização são inevitáveis, assim como as múltiplas formas de discriminação, de desigualdade e de exclusão, porque são consequências alheias à vontade do neoliberalismo. (…) Como diz Frei Betto, op: "Hoje entramos na dinâmica do pensamento único, na ideia de que este modelo de sociedade capitalista neoliberal é o ideal. Como disse Fukuyama, guro do neoliberalismo, ‘a história chegou ao seu fim’. Crer nisso é acreditar que não há futuro" (Jornal ‘Correio da Cidadania’, n. 203). Diz Clodovis Boff: "Grassa na cultura de hoje um novo determinismo, extremamente nefasto para os pobres. De fato, os processos em curso – primazia do mercado, globalização, avanço tecnológico – são apresentados como inexoráveis: nada haveria a fazer a não ser adaptar-se. É o fatalismo do ‘pensamento único’. Essa ideologia, extremamente funcional para o capitalismo neoliberal, é uma doutrina da resignação. É, para os últimos, a ideologia do desespero" (Vida Pastoral, Nov-Dez 1997) (…) Por isso ainda hoje se ouve dizer ‘não adianta’, ‘não vai dar em nada’, ‘porquê lutar, mobilizar-se, reivindicar, denunciar?’ – pessimismo preocupante. (…) Declara o conhecido teólogo Pablo Richard: "Não basta ouvir o grito dos pobres e o grito da terra. Não é suficiente defender a vida de todos e de todas e a vida da natureza. Também não é suficiente dar um testemunho profético, ético e anti-idolátrico em favor da vida. Tudo isso é necessário, é tarefa permanente. Hoje, é urgente reconstruir a esperança e propor alternativas. As palavras-chave, hoje em dia, entre os pobres, são Esperança e Alternativas. É urgente passar do protesto para a proposta (…), alternativas concretas e acreditáveis para os pobres e excluídos. A opção pelos pobres que a Igreja faz só tem sentido num horizonte concreto de esperança, em que apareça a possibilidade de uma sociedade sem exclusão e sem destruição da natureza." (Revista Convergência, Maio 2001, p. 207)»
[in, «Globalização neoliberal e exclusão social», por Adriano Sella, Missionário Xaveriano, Ed. Paulus, 22003)]


A Ressurreição de Jesus Cristo é a palavra de Deus contra todo o tipo de inevitabilidade mortífera: o neoliberalismo, as suas crises, a austeridade... A palavra de Deus vai contra a palavra de Cavaco Silva.[1] A palavra de Deus põe em causa todo o tipo de totalitarismo inevitável, também o totalitarismo de mercado. Toda e qualquer Comunidade dominical cristã que se reúna em nome do bom Jesus injustamente perseguido, cruelmente morto, mas por Deus ressuscitado e não tome como tarefa, prévia a tudo, a solidariedade para com as vítimas e a denúncia do neoliberalismo de Passos Coelho e de Maria Luís Albuquerque, trai o mandamento do seu Senhor, pois o Senhor disse "Fazei isto em memória de mim", o que quer dizer, fazei TAMBÉM como eu fiz.

RSIRELATOS de VIDA [c/ Sociólogo Eduardo Vítor Rodrigues]

Beneficiários do Rendimento Social de Inserção terão de trabalhar 15 horas por semana 

https://www.youtube.com/watch?v=2ophYYDJeVI





AS CRISES DO NEOLIBERALISMO NO SÉCULO XXI

Como vimos nos capítulos anteriores, no fim dos loucos anos 90, o neoliberalismo, nas suas várias versões e modificações, difundira-se por quase todo o mundo. No Ocidente, os seus poderosos defensores recorreram ao argumento apelativo da inevitável globalização do mercado para convencerem as pessoas de que a liberalização do comércio e os mercados minimamente regulados resultariam num grande crescimento económico e num melhoramento profundo das condições de vida em todo o mundo. Contudo, além deste forte arsenal de representação ideológica, a difusão do neoliberalismo exigiu, por vezes, a cooptação das elites locais, na maioria dos casos através da coerção indireta por parte de instituições económicas internacionais como o FMI, o Banco Mundial, que insistiam na adoção de programas de ajustamento estrutural em troca dos empréstimos muito necessários.

Apesar de alguns sucessos inegáveis, como por exemplo a superação dos anos de «estagflação» de finais dos anos 70, o neoliberalismo criou vencedores e perdedores na economia globalizada. A sua distribuição desigual dos benefícios materiais deu azo a muitos desafios e crises, como a revolta do Exército Zapatista de Libertação Nacional contra o Consenso de Washington [no México, governo de Carlos Salinas de Gortari, aquando da entrada em vigor do Tratado de Livre Comércio da América do Norte] ou a Crise Financeira Asiática de 1997-1998, a que se seguiram rapidamente colapsos económicos na Rússia e no Brasil. Um ano depois, milhões de pessoas em todo o mundo foram para as ruas de Seattle, Washington, Melbourne, Manila, Praga, Gotemburgo e outras para protestar contra o aumento das desigualdades globais e a deterioração das condições de trabalho, que atribuíam ao comércio neoliberal e à agenda de desenvolvimento concebida pelo FMI e pela OMC (Organização Mundial do Comércio). As manifestações gigantescas por altura da Cimeira do G8 em Génova, em Agosto de 2001, foram um sinal claro de que milhões de pessoas de todo o mundo rejeitavam um sonho neoliberal de um mercado global único alimentado pelos insaciáveis desejos consumistas. No seu confronto com o ídolo globalista de mercado, estes manifestantes da «alterglobalização» conseguiram criar um grande «movimento pela justiça global». Estabelecendo um Fórum Social Global, no Brasil, como o seu ponto de encontro anual, estes ativistas redigiram uma Carta de Princípios, antineoliberal, baseada na convicção de que um «outro mundo» é possível.

Em reação ao aumento das tensões culturais e étnicas num mundo cada vez mais globalizado, em finais dos anos 90 as forças nacionalistas da direita política foram também reunindo forças. Responsabilizando o globalismo de mercado pela debilitação da comunidade e dos modos tradicionais de vida, lamentavam também a deslocalização dos pequenos camponeses e o aumento da imigração nos seus países. Dirigentes políticos populistas como Patrick Buchanan nos Estados Unidos, Jörg Haider na Áustria, Jean-Marie Le Pen em França, Christoph Blocher na Suíça, Gianfranco Fini em Itália, Pauline Hanson na Austrália e Winston Peters na Nova Zelândia, exprimiram a sua oposição ao «fundamentalismo de mercado» neoliberal. Denunciavam também o comércio-livre, o poder cada vez maior dos investidores globais e a subcontratação externa de empregados na manufatura como práticas «pouco patrióticas» que contribuíam para o declínio da moral e dos níveis de vida. No hemisfério sul, vozes semelhantes do populismo nacionalista culpavam a globalização neoliberal e a expensão do poder americano pelo declínio económico e pela decadência cultural. O presidente venezuelano Hugo Chaves, por exemplo, jurou proteger o seu país desse «internacionalismo neoliberal».

Ao mesmo tempo que ridicularizavam aquilo que viam como o «protecionismo antiquado» e o «paroquialismo» dos críticos de direita, os neoliberais da segunda vaga reagiram de forma especialmente forte contra os opositores de esquerda. Declarando agir de um modo puramente defensivo, os dirigentes políticos começaram a recorrer cada vez mais aos poderes coercivos do Estado para manterem sob controlo esses «antiglobalizadores». Além disso, a comunicação social impôs às audiências televisivas, geralmente mal informadas, o estereótipo do anarquista que atira «coktails Molotov». Estas tentativas de estabilizar o modelo neoliberal através da criação do medo refletiram-se cada vez mais no discurso público. Por exemplo, os mercados globalizadores eram agora retratados como necessitados de proteção contra os manifestantes violentos e irracionais[4]. Parecia que a evolução «inevitável» do globalismo de mercado precisava agora de ser ajudada por fortes medidas de imposição da lei, que repeliriam os «inimigos da democracia e do mercado livre».

No entanto, o fator medo só entrou realmente em jogo após os acontecimentos traumáticos do 11 de Setembro de 2001, quando forças do jihadismo radical atacaram aquilo que viam como símbolos «ímpios» e «materialistas» da sociedade mais neoliberal do mundo. Na altura em que a Al-Qaeda lançou os seus terríveis ataques, a relação entre a violência política e os manifestantes antiglobalização estava já tão firmemente enraizada na consciência pública que alguns comentadores do hemisfério norte apontaram imediatamente esses «elementos radicais» como principais suspeitos. Quando se tornou claro que era a rede terrorista liderada por Osama bin Laden e Ayman al-Zawahri que estava por trás dessas atrocidades, o estereótipo negativo do caótico movimento pela justiça global foi rapidamente eclipsado pela imagem ameaçadora dos extremistas islâmicos mundialmente organizados em celas clandestinas. Como o neoliberalismo chocava frontalmente com o jihadismo global, o presidente George W. Bush e o primeiro-ministro Tony Blair transformaram a crise de segurança que afligia o mundo numa oportunidade para alargar a hegemonia do neoliberalismo em novos termos. Assim, nos primeiros anos do século XXI, a linguagem neoliberal do mercado fundiu-se com a agenda de segurança neoconservadora. Os países foram instigados, de forma explícita, a alinharem com o líder do neoliberalismo global – os Estados Unidos – ao lado da «civilização» contra as forças do terrorismo, ou, então, sofreriam as consequências das suas más escolhas. Ser «civilizado» significava não só adotar a democracia de estilo americano e os mercados livres, mas também evitar criticar a política externa americana. Os países, como a França, a Alemanha e a Rússia, que se opuseram à invasão do Iraque em 2003 pagaram um alto preço económico pela sua insubordinação: a vingativa administração Bush deixou-os de fora dos contratos lucrativos para a reconstrução de um país devastado.

Inicialmente confinada ao Afeganistão e ao Iraque, a chamada «Guerra ao Terror» depressa se expandiu a outras partes do mundo, como a Somália e a Indonésia e, mais recentemente, novamente ao Afeganistão e até ao Paquistão. Ao mesmo tempo, porém, algumas células terroristas do tipo da Al-Qaeda continuaram a sua campanha jihadista. O seu imperativo ideológico simples – reconstruir a umma (comunidade islâmica de fiéis) global unificada através de uma jihad global contra «os infiéis de todo o mundo» – evocava as dinâmicas de um mundo em processo de globalização. Exercia forte atração sobre os jovens muçulmanos desamparados, entre os 15 e os 25 anos, que já viviam há muito tempo no Ocidente, em especial na Europa. Responsáveis pelas operações terroristas mais espetaculares executadas entre os atentados de 11 de Setembro de 2001 e os ataques bombistas de 7 de Julho de 2005 em Londres, estes recrutas partilhavam a convicção de Bin Laden de que a «economia destrutiva, usurária e global» constituía uma arma deliberada nas mãos do ocidente para «impor a impiedade e a humilhação» ao mundo islâmico.



A fria análise custo-benefício de Osama bin Laden dos ataques de 11 de Setembro

«A Al-Qaeda gastou 500 000 dólares nos ataques de 11 de Setembro, enquanto a América perdeu, no mínimo, 500 mil milhões no próprio acontecimento e no seu rescaldo. É um milhão de dólares americanos poe cada dólar da Al-Qaeda, pela Graça do Todo-Poderoso. Acresce o facto de a América ter perdido um número enorme de postos de trabalho – e quanto ao défice federal, teve perdas sem precedentes, calculadas em mais de um bilião de dólares. Ainda amais grave para a América foi o facto de os mujahidin terem obrigado Bush a recorrer a um orçamento de emergência para continuar a combater no Afeganistão e no Iraque. Isto mostra o sucesso do nosso plano para ferir a América a ponto de a arruinarmos, se Deus quiser.»

Fonte: Osama bin Laden, «The Towers of Lebanon» (29 de Outubro de 2004) in Messages to the World: The Statements of Osama bin Laden, org., Bruce Lawrence (Londres: Verso, 200), p. 242.



Na sua mensagem de vídeo emitida em Setembro de 2007, Bin Laden lançou outros ataques verbais contra o neoliberalismo e o «corrupto sistema político americano». Ligava o envolvimento da administração Bush no Iraque aos interesses das empresas multinacionais que mantinham o mundo refém da sua busca desenfreada de lucros provenientes da guerra. Acusando o «sistema capitalista» de pretender «transformar o mundo inteiro num feudo das grandes empresas sob o rótulo da "globalização"», Bin Laden exprimia uma crítica ao globalismo de mercado neoliberal, crítica que era partilhada pelos opositores do neoliberalismo de ideologia de esquerda e de direita – embora os princípios e os métodos horríveis da Al-Qaeda tenham sido claramente denunciados pelos líderes do movimento pela justiça global. Assim, em finais de 2007, quando o colapso do mercado imobiliário americano provocou aquilo que viria a ser conhecido como a «crise financeira global», há já quase uma década que o neoliberalismo era objecto de críticas por parte das forças combinadas da esquerda e da direita.


A crise financeira global: causas e consequências

Durante os anos 80 e 90, os mercados hipotecários americanos foram estimulados porque 3 governos neoliberais sucessivos aumentaram os limites do crédito e reduziram os requisitos de garantias para a conceção de empréstimos. Desde a administração Reagan que estes governos contribuíram para a desregulação significativa da indústria americana dos serviços financeiros. A iniciativa mais importante a este respeito foi, talvez, o ataque à Lei Glass-Steagall[5], que fora promulgada pelo presidente Roosevelt, em 1933, para proibir os bancos comerciais de se envolverem em atividades de investimentos em Wall Street. Afinal de contas, o crash de 1929 e a Grande Depressão subsequente haviam exposto os perigos em que a indústria financeira incorria ao participar no frenesim especulativo de Wall Street, que levara à bancarrota muitos bancos comerciais e à perda dos ativos dos seus clientes.

Na primavera de 1987, o Conselho da Reserva Federal decidiu aliviar algumas das regulações impostas pela lei Glass-Steagall, afirmando que três medidas efetivas de controlo da especulação empresarial haviam emergido desde os dias negros da Grande Depressão, as quais tornavam muito improvável a reincidência de uma nova crise económica dessa escala: (1) uma Comissão de Valores Mobiliários [Securities Exchange Commission – SEC] «eficiente»; (2) maior nível de sofisticação da maioria dos investidores; (3) agências independentes de classificação do crédito, como a Moody’s Investors Services, que forneciam informações rigorosos e fiáveis aos investidores. Em inícios dos anos 90, grandes bancos comerciais, como o J. P. Morgan, o Citicorp e o Chase Manhattan, receberam autorização da Reserva Federal para garantirem investimentos em valores mobiliários. Em 1996, o Conselho da Reserva Federal, presidido por Alan Greenspan, decidiu permitir que as empresas bancárias detivessem filiais de bancos de investimento com até 25% dos seus ativos em valores mobiliários. Em 1999, o Congresso aprovou a revogação da Lei Glass-Steagall, com o presidente Clinton a aprovar nova legislação, removendo assim todas as restrições sobre a posse dos bancos de investimento por bancos comerciais.

Esta série de regulações neoliberais resultou num frenesim de fusões, que deram origem a grupos de serviços financeiros ansiosos por se envolverem em investimentos de capitais de risco em áreas que não faziam necessariamente parte do seu negócio normal. Derivados, futuros financeiros, permutas de incumprimento creditício e outros instrumentos relacionados tornaram-se extremamente populares quando os novos modelos matemáticos computorizados sugeriam formas mais seguras de gerir o risco envolvido na compra de um ativo - no futuro - a um preço combinado - no presente. Baseando-se muito menos nos depósitos, as instituições financeiras pediam empréstimos umas às outras e vendiam esses créditos como valores mobiliários. Outros instrumentos financeiros «inovadores», como os fundos de retorno absoluto [hedge funds] alavancados por fundos emprestados, alimentaram uma variedade de atividades especulativas, incluindo ataques em grande escala às divisas nacionais[6]. Milhares de milhões de dólares fluíam por complexos «valores mobiliários garantidos por hipotecas imobiliárias» que prometiam aos investidores até 25% de rentabilidade sobre o capital.

Apoiados pelas políticas monetaristas de Greenspan de manutenção das taxas de juro baixas e do fluxo de crédito, os bancos de investimento expandiram a sua busca de capital comprando empréstimos subprime arriscados a corretores de hipotecas, que, iludidos pela promessa de grandes comissões, aceitavam candidaturas de empréstimos imobiliários com poucas ou nenhumas garantias e sem controlo do crédito. Cada vez mais populares nos Estados Unidos, a maioria destes empréstimos eram hipotecas com taxas ajustáveis indexadas às flutuações das taxas de juro a curto prazo. Os bancos de investimento apanharam esses empréstimos de alto risco, sabendo que podiam revender esses ativos – associando-os a valores imobiliários compósitos já não sujeitos à regulação estatal. De facto, um dos mais complexos instrumentos «inovadores» - as chamadas obrigações da dívida colateralizada – escondia geralmente os empréstimos problemáticos associando-os a ativos menos arriscados e vendendo-os a investidores incautos.

No entanto, dada a baixa qualidade das garantias, por que razão continuavam os investidores individuais e institucionais a comprar esses valores mobiliários baseados em hipotecas? Podemos pensar em três razões principais. Em primeiro lugar, como já (…)

Manfred B. Steger & Ravi K. Roy
Professores do Royal Melbourne Institute of Technology; dedicam-se ao estudo da Globalização e da Política Económica.


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[1] A visão do Papa Francisco é a de quem tem horizontes largos, espírito aberto ("sem rede") e estruturação sociológica. Pelo contrário, ela nunca é ambígua, falsamente conciliatória ou espiritualista. O nº 216 da Exortação Apostólica ‘Evangelii Gaudium’ não diz que se faça o que se possa onde estamos, nem que devemos “passar progressivamente” do local para o global! O Papa diz: «Torna-se cada vez mais difícil encontrar soluções a nível local», revelando, com isso, uma compreensão que valoriza sem rebuço a dimensão e a força sistémica da realidade social sobre a dimensão individual, espiritualista ou local. Só com conceitos estruturais se pode compreender as verdadeiras causas do que está a acontecer, o que na Exortação (n. 53) se torna, múltiplas vezes, evidente («economia da exclusão», «economia que mata», «jogo da competitividade e da lei do mais forte», etc.). Tais afirmações do Papa são do âmbito e estruturação destas outras afirmações: «a cidadania activa (=caridade) é rapidamente ultrapassada pela depauperização global. Fruto da globalização, cerca de 25% da população trabalhadora passou a ser precariada», ou, «Esta é a realidade [o resultado] de um sistema que exalta e promove um modo de vida baseado na competitividade, na meritocracia e na flexibilidade» (Guy Standing, «O Precariado», Presença 2014; p. 57). Com o Papa Francisco, a Igreja é convidada a ser universitária, académica, livre, ou seja, como um adulto que assume a condição científica do século XX sem preconceitos ou medo… e não mais um grupo tridentino fechado sobre seus dogmas ou uma corporação anti modernista refém de «verdades inegociáveis».

[2] Jesus enfrenta com denodo os desafios perigosos que lhe surgem por diante, e, até, sai-lhes ao ataque: Se não, vejamos: "Ora num dia de sábado, indo Jesus através das searas, os discípulos puseram-se a colher espigas pelo caminho. Os fariseus diziam-lhe: «Repara! Porque fazem eles ao sábado o que não é permitido?» Ele disse: «Nunca lestes o que fez David, quando teve necessidade e sentiu fome, ele e os que estavam com ele?  Como entrou na casa de Deus, ao tempo do Sumo Sacerdote Abiatar, e comeu os pães da oferenda, que apenas aos sacerdotes era permitido comer, e também os deu aos que estavam com ele?»   E disse-lhes: «O sábado foi feito para o homem e não o homem para o sábado»". (Mc 2, 23ss)

[3] "Quero aqui hoje dizer-vos que o caminho que estamos a trilhar, não sendo fácil, não é um caminho que nós possamos abandonar" (P. Passos Coelho, Negócios on-line, 21-09-2013):

[4] Cf. Distúrbios muito violentos em Agosto de 2011, em várias cidades inglesas, por pessoas que «não têm razões para se manifestar»; que são vistas como «ratazanas», «matilhas de órfãos selvagens»; é «matá-los à mocada como às focas bebés» - gritou um jornalista britânico: [NdE]

[5] Blog «A SALA DE CIMA»: [NdE]
15 DEZ 2010 – PARTE I – O GOVERNO DOS BANCOS – Lei Glass-Steagall, por Serge Halimi
22 DEZ 2010 – PARTE II – O GOVERNO DOS BANCOS – Lei Glass-Steagall, por Serge Halimi

[6] «O QUE OS BANCOS NÃO QUEREM QUE VOCÊ SAIBA» - como se faz dinheiro e qual o seu valor [VÍDEO]: [NdE]