Festejar as decisões
que comprometem a vida e a morte
Para compreender as
celebrações eucarísticas há que partir de experiências vividas. Neste momento,
estou a lembrar-me daquela Eucaristia celebrada por uns quantos trabalhadores
em greve, na sala dos passos-perdidos
dum Palácio de Justiça. Ou naquela outra, vivida nas instalações dum hospital
na véspera duma cirurgia muito melindrosa. Ou naquela Eucaristia celebrada por
uma comunidade de religiosas que, naquela mesma manhã, haviam apresentado a sua
demissão em bloco à direcção do hospital, onde trabalharam anos a fio, por não
poderem continuar a aceitar a política social que a administração decidira
seguir. Penso em todos aqueles momentos em que cristãos, conscientes das suas
importantes decisões, quer para si, quer para determinadas colectividades, se
recordaram de Jesus, o qual, na véspera da sua morte, partilhou a sua vida com
os seus amigos. Naquela noite, Jesus tomava uma decisão sem volta atrás, assumia
uma decisão irreversível: Jesus aceitava levar até ao fim as consequências das suas
solidariedades. Nas celebrações eucarísticas os cristãos fazem
«memória» da «passagem», ou seja, do momento decisivo vivido por Jesus. E
fazem-no precisamente naquele momento em que eles também se encontram diante de
decisões irreparáveis ou diante de
opções de solidariedade importantes. Viver a Eucaristia é viver as decisões e
os riscos assumidos durante a vida em íntima relação com a decisão de Jesus, que
consistiu em dar a vida e dar o corpo vivo.
Os relatos fundacionais da Eucaristia
O relato
fundacional do rito eucarístico é o do progressivo e radical compromisso de Jesus, o
que acabou por lhe custar a vida. A Última Ceia já não era o momento para ter
discussões nem era propriamente lugar para lutas: Jesus já os havia tido antes,
e os fariseus bem que já se tinham apercebido que ele era um adversário sério,
impossível de ser domado. A Última Ceia
já não era, portanto, o momento para tomar as decisões mais importantes da sua
vida. Jesus já havia feito as suas opções bem antes, como por
exemplo naquele Sábado em que enfrentou em Cafarnaum a dureza de coração dos
fariseus e curou a mão paralisada dum certo homem (Mc 3:1; Mt 12:9; Lc 6:6).
Foi, nessa altura, tal como nos conta S. Marcos, que os fariseus se entenderam
com os herodianos a fim de encontrarem uma maneira de o «eliminar». Também não
foi naquele dia em que se demitiram do hospital que as Irmãs religiosas fizeram
a sua opção: nesse dia não fizeram outra coisa a não ser cristalizar as opções de solidariedade
progressivamente tomadas anteriormente aquando de acontecimentos aparentemente
menos significativos. Tal como não foi na véspera do seu assassinato que
Monsenhor Romero tomou as decisões mais importantes da sua vida, pois já o
vinha fazendo à medida que se ia sentindo cada vez mais solidário com os
explorados de El Salvador, ao ponto de decidir afastar-se do meio social donde
provinha. Na
noite da Última Ceia, aquilo que Jesus faz é assumir as suas opções:
não tinha diante de si outra saída que não fosse a de seguir para a frente e
beber o cálice que se lhe oferecia.
Para que se consiga
perceber aquilo que se celebra na Eucaristia é preciso saber como é que Jesus chegou ali. Jesus
confiou naquele (…).
Gérard
Fourez, sj
(Gérard
Fourez, jesuíta, nascido em Gant, Bélgica (1937), doutor em Física Teórica pela
Universidade de Maryland, licenciado em Filosofia e mestre em Teologia na
Universidade Católica de Louvain. Fundador do Departamento de Filosofia de
Ciências Humanas da Universidade de Namur, professor de filosofia moral e de
ciências das religiões no dito departamento. Membro do comité de direcção da Revue Nouvelle.)
[pp. 10]