teologia para leigos

16 de julho de 2014

SACRAMENTOS à la Carte?[G.FOUREZ]

Festejar as decisões
que comprometem a vida e a morte





Para compreender as celebrações eucarísticas há que partir de experiências vividas. Neste momento, estou a lembrar-me daquela Eucaristia celebrada por uns quantos trabalhadores em greve, na sala dos passos-perdidos dum Palácio de Justiça. Ou naquela outra, vivida nas instalações dum hospital na véspera duma cirurgia muito melindrosa. Ou naquela Eucaristia celebrada por uma comunidade de religiosas que, naquela mesma manhã, haviam apresentado a sua demissão em bloco à direcção do hospital, onde trabalharam anos a fio, por não poderem continuar a aceitar a política social que a administração decidira seguir. Penso em todos aqueles momentos em que cristãos, conscientes das suas importantes decisões, quer para si, quer para determinadas colectividades, se recordaram de Jesus, o qual, na véspera da sua morte, partilhou a sua vida com os seus amigos. Naquela noite, Jesus tomava uma decisão sem volta atrás, assumia uma decisão irreversível: Jesus aceitava levar até ao fim as consequências das suas solidariedades. Nas celebrações eucarísticas os cristãos fazem «memória» da «passagem», ou seja, do momento decisivo vivido por Jesus. E fazem-no precisamente naquele momento em que eles também se encontram diante de decisões irreparáveis ou diante de opções de solidariedade importantes. Viver a Eucaristia é viver as decisões e os riscos assumidos durante a vida em íntima relação com a decisão de Jesus, que consistiu em dar a vida e dar o corpo vivo.


Os relatos fundacionais da Eucaristia

O relato fundacional do rito eucarístico é o do progressivo e radical compromisso de Jesus, o que acabou por lhe custar a vida. A Última Ceia já não era o momento para ter discussões nem era propriamente lugar para lutas: Jesus já os havia tido antes, e os fariseus bem que já se tinham apercebido que ele era um adversário sério, impossível de ser domado. A Última Ceia já não era, portanto, o momento para tomar as decisões mais importantes da sua vida. Jesus já havia feito as suas opções bem antes, como por exemplo naquele Sábado em que enfrentou em Cafarnaum a dureza de coração dos fariseus e curou a mão paralisada dum certo homem (Mc 3:1; Mt 12:9; Lc 6:6). Foi, nessa altura, tal como nos conta S. Marcos, que os fariseus se entenderam com os herodianos a fim de encontrarem uma maneira de o «eliminar». Também não foi naquele dia em que se demitiram do hospital que as Irmãs religiosas fizeram a sua opção: nesse dia não fizeram outra coisa a não ser cristalizar as opções de solidariedade progressivamente tomadas anteriormente aquando de acontecimentos aparentemente menos significativos. Tal como não foi na véspera do seu assassinato que Monsenhor Romero tomou as decisões mais importantes da sua vida, pois já o vinha fazendo à medida que se ia sentindo cada vez mais solidário com os explorados de El Salvador, ao ponto de decidir afastar-se do meio social donde provinha. Na noite da Última Ceia, aquilo que Jesus faz é assumir as suas opções: não tinha diante de si outra saída que não fosse a de seguir para a frente e beber o cálice que se lhe oferecia.

Para que se consiga perceber aquilo que se celebra na Eucaristia é preciso saber como é que Jesus chegou ali. Jesus confiou naquele (…).


Gérard Fourez, sj

(Gérard Fourez, jesuíta, nascido em Gant, Bélgica (1937), doutor em Física Teórica pela Universidade de Maryland, licenciado em Filosofia e mestre em Teologia na Universidade Católica de Louvain. Fundador do Departamento de Filosofia de Ciências Humanas da Universidade de Namur, professor de filosofia moral e de ciências das religiões no dito departamento. Membro do comité de direcção da Revue Nouvelle.)


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