teologia para leigos

29 de julho de 2014

PARA ENTRAR NOS SACRAMENTOS [BOFF]

Quando as coisas começam a falar…





Há uma caneca de alumínio. Daquele antigo, bom e brilhante! O cabo está roto, mas confere-lhe um ar de antiguidade. Nela beberam os 11 filhos, de pequenos a grandes. Ela acompanhou a família nas muitas mudanças: da roça para a vila, da vila para a cidade, da cidade para a metrópole. Houve nascimentos, houve mortes. Ela participou de tudo. Veio sempre junto. Ela é a continuidade do mistério da vida na diferença de situações vitais e mortais. Ela permanece. Sempre brilhante e antiga. Creio que quando entrou em casa já devia ser velha, dessa velhice que é mocidade, porque gera e dá vida. Peça central da cozinha.

Sempre que se bebe nela, não se bebe água, mas o frescor, a doçura, a familiaridade, a história familiar, a reminiscência da criança sôfrega que se sacia da sede. Pode ser qualquer água: nesta caneca ela é sempre fresca e boa. Na casa, todos os que matam a sede bebem desta caneca. Como num rito, todos exclamam: − "Como é bom beber desta caneca! Como a água aqui é boa!" E, no entanto, trata-se da mesma água que, segundo dizem os jornais, vem mal tratada… Vem do rio imundo da cidade… Cheia de cloro… Mas, por causa da caneca, a água torna-se boa, saudável, fresca e doce.

Um filho regressa. Percorreu o mundo. Estudou. Chega. Beija a mãe. Abraça os irmãos. Matam-se saudades sofridas. As palavras são poucas. Os olhares longos e minuciosos. É preciso, antes, beber o outro para amá-lo. Os olhos que bebem falam a linguagem do coração. Só depois do olhar, a boca fala das superficialidades: − Como você ficou gordo! – Você ainda é bonito! – Como ficou adulto! O olhar não diz nada disso. Ele diz o inefável do amor. Só a luz entende. − "Mãe, estou com sede! Quero beber da velha caneca!"

E, no entanto, o filho tomou tantas águas: a Acqua de San Pellegrino. As águas da Alemanha, da Inglaterra, da França, a boa água da Grécia. Águas das fontes cristalinas dos Alpes, do Tirol, das fontes romanas, a água de S. Francisco. Água de Ouro-Fino, de Teresópolis, de Petrópolis. Tantas águas… Mas nenhuma é como essa. Bebe uma caneca. Não para matar a sede do corpo. Esta, aquelas tantas águas matam. Mas, a sede do arquétipo familiar, a sede dos penates paternos, a sede fraternal, arqueológica, das raízes donde vem a seiva da vida humana, esta sede, só a caneca pode matar. Bebe uma primeira caneca. Sofregamente. Terminou com um sorriso longo, como quem mergulhou e veio à tona. Depois, bebe outra. Lentamente. É para degustar o mistério que a caneca contém e significa.

Por que é que a água da caneca é boa e doce, saudável e fresca? Porque a caneca é um sacramento. A caneca-sacramento confere à água bondade, doçura, frescor e saúde.


1.   O que é um sacramento?

Hoje muita gente já não sabe o que é um sacramento. Os antigos sabiam. A mim custou-me a aprender. Durante cinco anos estudei muitas horas por dia tudo o que se escreveu sobre o sacramento. Nas línguas cristãs, desde os dias da Bíblia até hoje. Foi uma batalha do espírito. Daí resultou 552 páginas impressas e publicadas em livro. Mas esse não foi o principal resultado. Depois de tanto esforço, raiva, alegria, maldição e bênção descobri aquilo que esteve sempre a descoberto. Provei o óbvio ululante. O sacramento era aquilo que eu sempre vivia e todos vivem, mas que não sabia e poucos sabem. Tornei a contemplar a paisagem que está sempre diante do nariz. O dia-a-dia é cheio de sacramentos. Na arqueologia do quotidiano medram os sacramentos vivos, vividos e verdadeiros. É a caneca da minha família; a moamba da minha mãe; o último toco de cigarro de palha deixado por meu pai e guardado com todo o carinho; a velha mesa de trabalho; uma grossa vela de Natal; o vaso de flores em cima da mesa; aquele pedaço de montanha; o velho caminho pedregoso; a velha casa paterna, etc… Estas coisas deixaram de ser coisas: elas ficaram gente. Falam. Podemos ouvir a sua voz e a sua mensagem. Elas possuem um interior e um coração. Um íntimo. Tornaram-se sacramentos. Por outras palavras: são sinais que contêm, exibem, rememoram, visualizam e comunicam uma outra realidade diferente desses sinais, mas presente neles. […]

Leonardo Boff, ofm

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