MATRIMÓNIO
Todas as culturas conhecem alguma
forma de instituição do matrimónio. Na maioria delas, o homem e a mulher só são
considerados plenamente homem e mulher depois de atingir a maturidade com um
parceiro. Assim, também muitas religiões consideram o matrimónio como acto
sagrado com origem numa divindade ou como a união de almas ou espíritos com o
reino do sagrado.
Seja como for, em todas as culturas
existem três categorias principais de crenças acerca dos propósitos do
matrimónio: a perpetuação da família e da sociedade através da procriação; uma
aliança que levará a sociedade à sua integração estabelecendo vínculos de
parentesco; e, finalmente, a união da noiva com o seu noivo, aspecto que poderá
ser entendido como sistema complexo de intercâmbios entre grupos e/ou
indivíduos. Todas estas categorias deverão ser validadas através das crenças
religiosas da sociedade, que as coloca em prática.
[…]
V – Pistas para uma teologia
do matrimónio
Da riqueza dos dados da Bíblia e dos
documentos da Igreja que acabamos de ver, impõem-se algumas pistas teológicas
para a compreensão cristã do matrimónio de hoje:
1.
Embora pensado dentro de um horizonte cultural, o matrimónio cristão tem
dentro de si uma novidade radical que é o Evangelho de Jesus. E, apesar de Ele ainda
se estar a revestir daquilo que forma a identidade das diferentes culturas,
isso faz com que o núcleo da mensagem esteja sempre pujante de valor e de
verdade. É preciso saber identificar aquilo que é a
roupagem cultural para chegar ao cerne daquilo que é a revelação da vontade criadora e salvífica de
Deus quanto ao mistério do amor entre um homem e uma mulher.
2.
A relação entre Jesus Cristo e a comunidade eclesial é o fundamento mesmo do
matrimónio, sendo, portanto, o lugar
onde se torna visível o diálogo salvífico.
Na palpabilidade do matrimónio torna-se visível e real – manifesto – o que
existe do mistério inefável entre Jesus Cristo e a sua Igreja. Por isso, vendo
o matrimónio a partir do mistério de Jesus Cristo e da Igreja, pode-se
acreditar que se é chamado a cumprir todas as exigências do amor cristão de
modo a que se seja, no mundo, figura do Reino de Deus.
3.
Segundo a lógica do Evangelho, o matrimónio não existe para si mesmo ou
para se comprazer na sua própria excelência afectivo-comunitária. Embora os
laços afectivos e relacionais sejam fundamentais para o crescimento dos
cônjuges, o matrimónio cristão fracassará quanto à sua vocação se sucumbir à tentação do
modelo burguês, fechado em si mesmo, confinado à esfera do privado,
instaurando uma dicotomia não sadia entre o privado do lar e a dimensão pública
do mundo e da sociedade. Se o matrimónio é figura da Aliança e do Reino, isso é
consequência directa do facto de ele existir no mundo e para o mundo. Atento às
necessidades e prioridades deste mundo, deve desenvolver a sua identidade e as suas prioridades.
4.
A redescoberta da proposta de Jesus Cristo e do seu Evangelho, naquilo
que tem de mais nodal e constitutivo – o amor e o serviço aos outros como motivação e sentido central da vida – é o meio
mais eficaz para interagir sobre os matrimónios no sentido de eles procurarem
um exercício afectivo e efectivo do seu amor. Amor que, diante das mais
variadas situações, poderá tomar diversos nomes: fidelidade, dedicação, solidariedade,
partilha, luta pela justiça, testemunho e todas as outras formas
inventadas por aquilo que Paulo afirmou ser «um caminho que ultrapassa a todos»
(1Cor 12:31) e contra o qual não existe Lei (Gl 5:23).
María Clara L. Bingemer
Na próxima "entrada" explorar-se-á a sexualidade e o cristianismo (sexo, prazer, orgasmo, pornografia, publicidade, sexualidade fora do matrimónio, sentido e finalidade, fetichismo, homotropia e heterotropia, etc.), em suma, a realidade da sexualidade e as suas várias dimensões.