Evangelho,
sistema
ou “loucura de Deus”?
[1Cor 1:17]
[…]
Massimo Faggioli, membro da Fondazioni Giovanni XXIII de Bolonia (entre 1996 e 2008) e
Professor de História do Cristianismo na University of St. Thomas de
Minneapolis/St. Paul (EUA), diz: «As reformas pos-conciliares da Cúria só muito
parcialmente repescaram as novidades eclesiológicas introduzidas pelo Concílio
e incidiram apenas sobre uma estrutura que continua a ser aquela que foi
desenhada pelo Papa Sixto V em 1588. A reforma montiniana (Paulo VI), em
particular, assemelha-se mais a um legado de Pio XII e menos a um património
conciliar. Dalguma forma, a questão da Cúria romana volta a colocar-se, hoje, a
partir do ponto em que ela estava aquando do Vaticano II.» (Concilium, Novembro 2013)
Esta perspectiva é
suficientemente “tranquilizadora” para aqueles que, diante de temas escaldantes,
querem reformas pseudo-modernas. Eles conhecem a realidade e o seu peso específico.
Por isso, preferem meter mãos… a uma obra cosmética. É o caso de G. Müller (CDF),
para quem é mais fácil «falar», com simpatia e afabilidade, de Gustavo
Gutiérrez e da «reflexão académica» em torno da Teologia da Libertação (aliás, em tempos de Crise até cai bem…) do que implementá-la na Igreja universal
como «um novo programa eclesiológico[1]»!
É mais fácil cantar loas à Teologia da Libertação do que admitir que existem
vários modelos de Família, do que defender mais do que um modelo de Moral
Sexual e Matrimonial (consoante as culturas e continentes) ou do que decretar
que o papel da Mulher na Igreja é mais do que dar catequese a crianças, cantar no
coro, passar a ferro, enfeitar altares e varrer igrejas.
[…]
Diante das questões
que agora estão nas páginas dos jornais e na abertura de telejornais
(co-adopçao, etc.), começa a fazer sentido a linha de pensamento do teólogo José Maria
Vigil: «o coração duma
religião é a consciência e a compreensão da própria missão». Se o
cristianismo já assumiu vários modelos (“doutrinal-teórico”, “moralista”,
“espiritualista”, “eclesiocêntrico”), talvez, para Francisco, tenha chegado a
hora de oficialmente se proclamar a Era do «cristianismo que se entende a si
mesmo a
partir de uma interpretação ou leitura histórica da realidade. Esta
é concebida como história da salvação
e, simultaneamente, como salvação da
história». «Deus tem um projecto de fraternidade para a história, um sonho
utópico (o Reino!), e propõe-no aos seres humanos como Utopia, encomendando-a a
eles como tarefa histórica. Essa é a grande missão cristã e, dentro dela, a acção
missionária consiste em sair ao encontro dos outros povos para colaborar na
construção do grande projecto de Deus, que eles também perseguem – com outros
nomes e mediações, sem dúvida (…)» [«Teologia do pluralismo religioso», Ed.
Paulus 2006, p. 397]
Diante do problema
mundial que se chama «desorientação», a Igreja corre o risco de se fechar mais
uma vez na falsa opção entre ‘poder’ e ‘moral’. H. Küng alerta: «O paradigma da
transmodernidade já não é europeu, mas sim um paradigma policêntrico de
diversas nações e diversas religiões». Daqui decorrem «diversas dimensões da
realidade: a dimensão
cósmica (homem e natureza); a dimensão antropológica (homem e mulher); a dimensão
sociopolítica (ricos e pobres); a dimensão religiosa (homem e
Deus). Face a isto, colocam-se questões para a época vindoura e não unicamente
para a cristandade, mas também para as outras religiões proféticas, questões e
perguntas basilares que não se satisfazem com mera cópia de receitas baratas,
mas exigem coordenadas orientadoras.» [«El cristianismo – esencia e historia»,
Trotta 1997, p. 778]
Teremos nós por
diante, igualmente, a urgência duma renovação profunda da missão da própria
Congregação da Doutrina da Fé? Julgo que isso é inevitável, caso o Papa Francisco
queira levar para a frente o programa da Evangelii Gaudium.
«”Por isso,
quero uma Igreja pobre (…)”, escreve o Papa Francisco no parágrafo
198 da sua primeira “Exortação Apostólica” intitulada Evangelii Gaudium (ou, traduzida, A Alegria do Evangelho). Este documento não é um entre outros: constitui o
programa da igreja para os próximos anos, como o Papa também diz,
logo no primeiro parágrafo. Aliás, mais adiante, no nº 25, Francisco afirma que
este texto deve ser entendido “num sentido programático e [com] consequências importantes”» [Teresa Toldy, JL,
11-24 Dezembro de 2103, p. 28]
Louvado seja Deus,
porque ‘extra pauperes nulla salus’…
[Jon Sobrino, «Fora dos pobres não há salvação»]. Nem os pobres nem a própria Igreja de Cristo
se salvam fora da loucura de um Deus débil (S. Paulo; Paul Evdokimov).
pb\
Ω
[1] Como
parece ser o objectivo do Papa Francisco; cf. artigo da teóloga Teresa Toldy,
«Jornal das Letras», 11-24 Dez. 2013, p. 28-29, que sublinha o «sentido
programático» da Exortação Papal «Evangelii Gaudium», bem como a
intenção em apontar para a «resolução das causas estruturais» dos
problemas sociais. À margem disto, é estranha (para não dizer fonte de
perplexidade) a resposta, na página 11 do mesmo Jornal, por parte do padre e teólogo Tolentino Mendonça, à questão
do papel das mulheres na Igreja (cf. p. 11; ex.: Mary Douglas). «A ARTE DO SILÊNCIO» CLICAR AQUI