Baptismo
e Confirmação
I – Dois sacramentos que colocam
questões de fundo
O modo como são administrados
actualmente os sacramentos do baptismo e da confirmação coloca questões muito
sérias, que a teologia, mas, sobretudo, a autoridade eclesiástica oficial
deveriam esclarecer e resolver com urgência. E isto, porque se trata de questões
que afectam directamente a natureza
da Igreja, principalmente a forma de viver
a fé, que os cristãos normalmente têm.
No que diz respeito à natureza da
Igreja, é significativo que, nas culturas e nos países em que o baptismo é
prática bastante generalizada, a Igreja encontra-se actualmente submetida a uma
situação de crise profunda. É claro que seria um despropósito atribuir a crise
actual da Igreja à prática do baptismo. A crise é devida a outras causas. No
entanto, há, quanto a esse aspecto, algo que deve ser tido em conta. Em geral,
nos países tradicionalmente «cristãos», o baptismo é administrado
essencialmente a crianças (à população infantil), de modo que o baptismo dos
adultos costuma acontecer, apenas, em casos muito excepcionais. Como consequência,
nos países chamados “cristãos”, a Igreja é composta por nascidos nesses países e não por
convertidos
ao Evangelho. Sendo assim, a Igreja é um fenómeno
social, mais do que uma comunidade de
verdadeiros crentes. É por isso que, nesses países, a Igreja vive
uma situação crítica: enquanto durou a ‘situação de cristandade’, na qual a sociedade
inteira se entendia (a si própria) e vivia como uma «sociedade cristã», a
Igreja não teve problemas por aí além. Mas, desde que, a partir da Modernidade,
a cultura do Ocidente deu origem a uma sociedade laica, a Igreja começou a ter
sérias dificuldades, dificuldades que dia a dia se vão acentuando.
Fica assim em questão a prática
generalizada do baptismo de crianças. Baptizar de forma massiva a população
infantil foi teologicamente justificado pela necessidade de quanto antes livrar
do pecado original os recém-nascidos. No entanto, na tradição mais primitiva da
Igreja, não se encontra nenhum argumento que relacione o baptismo com o pecado
original.
Quanto à confirmação, o mais notável
é que este
sacramento, como ritual separado e distinto do baptismo, não existiu até
ao século V. O Novo Testamento não fala da Confirmação, nem a tradição dos quatro primeiros séculos. Mais
adiante explicaremos como e por que surgiu na Igreja este sacramento. Por ora,
basta dizer que o rito da confirmação se separou do baptismo precisamente a
partir do momento em que se começou a baptizar crianças em massa. E, como é
lógico, a partir desse momento em que ambos os ritos se separaram, quer o
baptismo, quer a confirmação se empobreceram. O baptismo começou a ser visto
como o rito que apaga
o pecado original e, a confirmação, como o sacramento do Espírito. Por mais
que nestas afirmações exista um fundo de verdade, elas, ditas assim, são pura e
simplesmente inexactas e dão margem a sérias confusões, quando há que explicar
os dois sacramentos, mas, sobretudo, quando há que os viver coerentemente.
Apesar do sacramento da confirmação ter sido revitalizado com o Concílio
Vaticano II, a verdade é que os grupos de jovens que o recebem e a catequese
que os prepara não parecem suficientemente eficazes para mudar a vida desses
jovens.
[…]
V – Divinização ou
humanização dos baptizados?
O baptismo foi interpretado
teologicamente como a «divinização» do cristão. Segundo essa interpretação, a
pessoa que recebe o baptismo, não somente fica purificada de todos os pecados,
como também recebe a Graça que o «torna partícipe da natureza divina» (2Pe 1:4).
A teologia tradicional desenvolveu amplamente este assunto, assunto que se pode
ver detalhadamente documentado no Catecismo
da Igreja Católica, nº 1265 [Nº 263: de 1262-1274 e de 1279-1280 CLICAR AQUI]. É significativo que nenhum dos textos do Novo
Testamento referidos nesse número demonstra aquilo que se quer demonstrar, já
que nenhum deles se refere ao baptismo.
Por outro lado, quando se apresentam
os efeitos do baptismo em termos de «divinização», no fundo, o que se pretende
dizer é que o ideal cristão consiste em ultrapassar a condição humana, em subir
a uma categoria superior, em última análise, em chegar a ser «como deuses» (Gn 3:5),
por mais que a essa tentação satânica se concedam aparências e sublimidade
divina. Certamente, que a teologia cristã não levou na devida conta que o caminho que
Deus escolheu para salvar a humanidade não foi o caminho da «divinização»,
mas o caminho (que ainda nos é incompreensível) da «humanização». Deus fez-se
ser humano, quer dizer, fundiu-se e confundiu-se com a condição humana. Deus
«não se apegou à sua condição divina», mas «despojou-se da sua categoria e tomou a
condição de escravo, fazendo-se igual a muitos» (Fl 2:6-7).
Fundir-se nas águas do baptismo é, como diz Paulo, «vincular-se a Cristo» e
«revestir-se de Cristo» (Gl 3:27), o que, literalmente, significa adoptar o
mesmo comportamento que Jesus, o Messias, seguiu nos dias da sua vida mortal. É
esse o significado do verbo énduesthai (Rm 13:12.14; 2Cor 5:3).
Ora, se existe algo inquestionável na vida de Jesus é precisamente a sua
humanidade, a sua sintonia com o mais intimamente humano, superando a
desumanização que todos trazemos dentro de nós. Os cristãos têm de ser,
portanto, as pessoas que se distinguem, antes de tudo, pela sua profunda
humanidade, e pelo seu extremo respeito para com tudo o que seja humano: a
dignidade das pessoas, os direitos humanos, a aceitação incondicional do outro,
etc.
É de capital importância posicionar
assim o cristianismo, precisamente a partir do sacramento-base da iniciação
cristã. Porque ao correlacionar o baptismo com os efeitos sobrenaturais e
divinos, a teologia situou o especificamente cristão fora do nosso alcance,
para lá do que nós humanamente podemos constatar. A partir de tal
interpretação, os baptizados podem ficar com a convicção de que são Filhos de
Deus, mesmo que a sua vida esteja a léguas de distância da vida do Filho de
Deus. É claro que o baptismo é o sacramento que expressa a vida que Deus nos
concedeu (Rm 6:5-3), mas essa vida está ligada à forma de viver que cada ser
humano adopta neste mundo. Não se trata de duvidar se o baptismo nos salva ou
não. O que acontece é que o caminho da divinização – exactamente como
aconteceu com Jesus – é o caminho da mais profunda e íntima humanização.
Seja como for, os sacramentos (igualmente o baptismo) devem ser entendidos a
partir do «existencial sobrenatural» (K. Rahner). A «natureza pura» não passa de uma invenção
humana. Desde que no planeta terra existem seres especificamente
humanos, o que historicamente passou a existir foram seres humanos elevados à
condição sobrenatural. Portanto, atribuir ao baptismo essa presumida elevação é
fruto da ignorância.
VI – O baptismo das
crianças
Eis uma questão que é objecto de
acirrada controvérsia, sobretudo nos últimos cinquenta anos. O problema – e a
sua possível solução – serão mais bem compreendidos quando se expuserem
sucintamente as razões pró e contra a prática generalizada do baptismo dos
recém-nascidos.
As razões dos que defendem que se
devem baptizar as crianças pequenas são as seguintes:
[…]
José M. Castillo