“Não o espereis em adventos espectaculosos. «O Reino de Deus é dentro de vós»”
O Mundo tenta entrar [«está à porta»], mas a espiritualidade não lhe liga |
O Criador, urgido pela sua ternura a fazer-se Pai dos homens, para vir ao encontro das consciências, deu-nos o Seu próprio Filho para que este no-Lo revelasse como Pai. E aos que aceitaram o Filho e a sua revelação «deu-lhes, o Filho, o poder de se tornarem filhos de Deus não por força da cega natureza, não por surda energia da carne, mas pela vontade de Deus» (aceita pelo homem)[1].
Sem a convicção desta lei da graça, sem a consciência desta lei amorosa de Deus e sem o amor consciente e livre, que vai ao encontro daquela vontade divina, não há «baptismo no Espírito Santo», há apenas «o baptismo de João», um acto de humildade e penitência, que dispõe para a graça, não a infunde. Até nas próprias crianças que baptizamos em Cristo, supomos ou interpretamos a aceitação da Graça, da qual a sociedade em que nasceram vive e é feliz, e em que a criança desabrochará à luz racional.
Todos os sacramentos, para desencadearem nas almas a torrente da Graça, para nos trazerem à alma o Espírito multiforme de Deus, prevêem, na alma, a intenção, a vontade decidida de receber a Graça, de acolher o Espírito.
É impossível, na vida espiritual, na vida sobrenatural, uma atitude inconsciente. Se é inconsciente, não é espiritual e, por conseguinte, não será sobrenatural.
A maior tarefa, a mais urgente, para preparar as almas à vida divina, para tornar activa esta vida naquelas que já a possuem, é despertar nas almas a vida consciente. «Desolada anda a terra de uma desolação ingente, porque não há quem pense no seu coração!...»
«Eu estou à porta a bater» − diz o Espírito de Jesus (que é o Espírito Santo) – diz Jesus no Apocalipse de S. João. Dai-lhe atenção, se não quereis que o seu amor fique baldo.
«Não contristeis o Espírito Santo em vós» − suplica por sua vez S. Paulo. E contristar o Espírito é pecar, sem dúvida, mas é também fazer inútil a sua ternura salvadora, pelo atordoamento da vida sensitiva e vegetativa, pela inconsciência de um viver mecânico e instintivo, que não dá lugar à razão, que fecha, por isso mesmo, todas as portas ao divino, ou ao sobrenatural.
É preciso que saibamos que a razão é o espelho, baço e pequenino, mas enfim espelho, da Lei eterna de Deus. Dar-lhe atenção é dar atenção ao Senhor. Só depois de darmos atenção ao Senhor é que Ele terá lugar para convidar-nos à convenção amorosa, que nos oferece o Seu Espírito a assimilar, que nos oferece a sua paternidade e o seu convívio connosco.
Nada menos propício para a orientação das vidas na direcção sobrenatural do que levar as almas ao pavor, à inquietação, ao tremor diante dum tumba aberta, ao terror da morte ou do inferno.
A paz, o domínio calmo de si próprio, o bom humor e a alegria serena, são as disposições em que se ouve o Senhor. «Non in commotione Dominus»: os perturbados não O ouvem. A paixão túrbida é nuvem que O empena.
Vamos para a solidão, onde nos ouçamos a nós mesmos, e o Esposo, o Enamorado divino, virá falar-nos ao coração.
Não é pelos sentidos, não é «pela vontade da carne» (para repetir as palavras do Prólogo de S. João Evangelista), não é por ruídos interiores, mas só na liberdade de exercício do que essencialmente caracteriza o homem − o racional – que eu posso realizar as condições para que Deus me adopte e eu receba a adopção.
Por isso insistiu Cristo no carácter essencialmente íntimo do Reino de Deus. Não o espereis em adventos espectaculosos. «O Reino de Deus é dentro de vós».[2]
Tudo o que nele houver de voz ou de gesto exterior só tem valia, se fôr a representação de uma consciência.
A autoridade e a hierarquia, a disciplina e a ordem, serão seu quadro exterior e indispensável; mas a hipertrofia do quadro, que impusesse disciplina à custa da liberdade e da consciência, seria calamidade para ele de ruína e de morte.
Ninguém concluirá, da espiritualidade do Reino de Deus, da sua intimidade, do facto de ele ser uma Vida, que o Reino deva permanecer inconstatável entre homens, seres racionais, com corpo e sentidos. O Reino de Deus cresce e aparece, é a Igreja visível, orgânica e hierarquizada. Mas não cessará por isso de ser espiritual, sob pena de deixar de ser do Reino de Deus.
Padre Joaquim Alves Correia [Aguiar de Sousa, Paredes 1886 – (exílio) Pittsburgh, USA 1951]
Missionário do Espírito Santo
in “Vida mais alta – perene Espírito novo”
Editorial L.I.A.M., Rua de Sto. Amaro, 47 (à Estrela), Imprimatur de 23 de Março de 1957, 2ª edição, pp. 15-18.
[Manteve-se toda a grafia e acentuação]]
BIOGRAFIA: