Yehudi Menuhin (músico, Grã Bretanha).
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O derrubamento,
- um
futuro para a Humanidade
«Sabemos que, para lá da opaca nuvem da
nossa ignorância e da incerteza dos resultados, as forças históricas que
configuraram o século [XX] continuam
a actuar. Vivemos num mundo cativo, desenraizado e transformado pelo colossal
processo económico e técnico-científico do desenvolvimento do capitalismo que
dominou os últimos dois a três séculos. Sabemos — ou pelo menos é razoável
supor — que este
processo não se prolongará ad infinitum.
«O futuro, não só não poderá ser um
prolongamento do passado, como há sintomas externos e internos que mostram que atingimos um ponto de crise histórica.
«As forças geradas pela economia
técnico-científica são suficientemente poderosas para destruir o meio ambiente,
ou seja, o fundamento da vida humana. As próprias estruturas das sociedades
humanas, incluindo alguns dos fundamentos sociais da economia capitalista,
estão à mercê de serem destruídas pela erosão da herança que o passado nos
legou. O nosso mundo corre o risco de explodir e de implodir, e urge
ser mudado.
«Não sabemos para onde vamos
(…). No entanto, uma coisa é clara: se existe um
futuro para a humanidade, ele não virá do prolongamento do
passado ou do presente. Se procurarmos erguer o terceiro milénio sobre essas
bases, fracassaremos. O preço desse fracasso, ou seja, a alternativa a uma
sociedade virada do avesso, é a obscuridade.»
Eric Hobsbawm, «Historia del Siglo XX – 1914-1991», Crítica, Barcelona, Marzo de 2015, p. 576.
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«Nos países democráticos não é nítido o carácter violento da economia; nos
países autoritários ocorre o mesmo com o carácter
económico da violência».
Bertolt Brecht, [finais
dos anos 40], in Eduardo Galeano,
«Las venas abiertas de América Latina»,
Siglo XXI, p. 349.
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«"Pensar é transcender",
disse E. Bloch. Transcender tensões, desconfianças, auto-afirmações exageradas.
Pensar é caminhar em direcção a uma humanidade nova, rumo a esse homo absconditus, que se entrega a nós
em comunhão e solidariedade para com os seus irmãos rumo a uma nova forma de
vida, rumo a projectos generosos de convivência, algo semelhantes à convivência
dos primeiros cristãos: "A multidão dos que haviam abraçado a fé tinha um só coração e
uma só alma. Ninguém chamava seu ao que lhe pertencia, mas entre eles tudo era
comum." (Act 4,32) E um versículo mais adiante, diz: "Entre eles não
havia ninguém necessitado, pois todos os que possuíam terras ou casas
vendiam-nas, traziam o produto da venda … e distribuía-se, então, a cada um
conforme a necessidade que tivesse." (Act 4,34s) […]
«Esta igualdade e solidariedade só
aconteceu na história do cristianismo e da humanidade em alturas esporádicas,
quase anedóticas. Apetece, então, perguntar, que sentido faz evocar tais
visões. Não será que estamos a elaborar poesia
teológica? Não seria preferível – com Camus – dizer, antes,
"pensar com claridade e abandonar a esperança"? Sinceramente, caros
amigos, entraria em pânico se me visse diante de um mundo sem teologia e sem
poesia. Sentiria medo diante de uma sociedade que não quisesse saber nada daquela extensio animi ad magna (abertura de espírito
a horizontes mais vastos), de que falava a Idade Média.
«Um mundo que não aspire a metas mais
elevadas que os resultados do presente, que não sinta «ganas pelo totalmente
outro» (Horkheimer), converter-se-ia num mundo enfadonho e estéril. […]
«Eis porque Th. Adorno e Horkheimer
escreveram na Dialéctica da Ilustração:
"A política que não contenha teologia,
ainda que inconscientemente, ao cabo e ao resto, não
passará de um negócio, por mais hábil que seja".
«Falemos, então, do "impossível-necessário".»
Manuel
Fraijó, «Jesus y los Marginados», Cristiandad, p. 108.
Cimeira "D"… de mais Austeridade para a Grécia.
Há rostos para todos
os gostos… [22 Junho 2015]
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PARA UMA MOEDA COMUM SEM A ALEMANHA
(OU COM, MAS NÃO
DITADA POR FRANKFURT)
Frédéric Lordon©
A
obsessão germanómana
É preciso olhar as coisas
com lucidez: a
Alemanha actual nunca entrará num regime de moeda comum, cuja
validade não está apenas nas suas propriedades cambiais, mas sobretudo na
possibilidade de reinstalar princípios de política económica que estão nos
antípodas daqueles em que a Alemanha se barricou, e que tornou substanciais ao
euro. Regresse-se às ilusões «conjunturais» ou federais de Bernard Guetta: bem
pode esperar-se pelo carrossel da alternância eleitoral alemã, SPD ou CDU, que
a posição alemã não se alterará um milímetro — a médio e talvez até a longo
prazo — no que se refere às missões fundamentais do banco central ou às
orientações da política orçamental; bem pode esperar-se, também, pelas mudanças
de um «salto federal», mas só se não souber, ou não se quiser ver, que a Alemanha
nunca se prestará a isso sem assegurar que pode transportar da mesma maneira
para qualquer nova configuração as (suas) disposições económicas e monetárias
dos presentes Tratados.
O convite que é feito para
se embarcar
nos mais loucos sonhos federalistas tem implícito que coisas
como devolver
a democraticidade ao banco central, a reflação, o relançamento orçamental
contracíclico ou o não pagamento das dívidas públicas ilegítimas
continuarão a estar, todas elas, constitucionalmente excluídas do campo da deliberação
política. E esta constatação é válida, como é evidente, para todas
as formas «intermédias» de federalização, tal como o irrisório «governo
económico», esse outro vazio, miragem de soberania restaurada que as elites
francesas perseguem como se fosse um fantasma, apesar de ser um «governo»
destinado a não ter nada para governar, porque todas as escolhas
importantes já terão sido feitas. Finalmente investido do poder, o europeísmo germanómano não deixa de permitir que se
queira «mais democracia» mas, a germanomania a isso obriga, desde
que não se diga que as questões da política económica e monetária – as mais
decisivas para a vida material dos povos – continuarão afastadas deste
«suplemento».
Deixar
de ter medo do «quente»
A presente construção
monetária está viciada no seu âmago. Está viciada pela neutralização
democrática que, por causa do ultimato alemão, erigiu em seu princípio. Que não se possa perguntar:
.se o Banco Central deve ser
independente ou não
.se os orçamentos devem ser
deficitários ou não
.se as dívidas contraídas na
sequência dos desastres da finança privada devem ser pagas ou não
é uma monstruosidade política que
só o europeísmo elitista pode não compreender, mas que está a agitar profundamente todos os corpos sociais europeus.
Menos a Alemanha… Só a Alemanha não vê estas proibições como insuportáveis
negações da democracia porque, por agora e ainda por algum tempo, o corpo
social alemão adere às coisas santificadas como a valores superiores, metapolíticos,
isto é, para lá da política e subtraídos à política.
É preciso perseverança
europeísta na cegueira para não ver este elemento do «problema
europeu» enquanto algo que torna impossível fazer uma Europa monetária com a
Alemanha e sem necessariamente violentar os outros corpos sociais, tanto em
termos económicos como políticos. E também para não ver o ridículo, ou melhor a
indigência, dos argumentos de germanofobia, quando se pode muito bem reconhecer
à Alemanha a plena realidade dos seus traumas colectivos, a inteira
legitimidade da narrativa que ela conta a si própria (certa ou errada) e,
apesar disso, não querer entrar na sua mitologia monetária nem submeter-se às suas obsessões. A ordem monetária alemã imposta à Europa convém à
Alemanha — que surpresa! Mas não convém aos outros Estados-membros.
Seja como for, não a todos. O europeísmo,
incapaz de fazer qualquer análise positiva das condições objectivas de
compatibilidade, isto é, de compreender que não se constrói uma entidade
política viável com componentes cujas formas de vida está em desacordo para lá
de um certo ponto, tornou-se o mais
evidente inimigo da Europa.
Na situação de destruição
económica e social em que nos encontramos, e sobretudo no estado de paralisação
generalizada dos governos de direita — descomplexada ou complexada — já não
existe de forma verosímil qualquer solução disponível para uma reconstrução
europeia a frio. Não haverá, portanto, outra alternativa à estagnação
mortal que não seja o quente de uma crise terminal. Podemos inventar
todas as histórias do mundo: que se vai reformar o euro a 17, que eventualmente
haverá uma prova de força para vergar
a Alemanha e levá-la ao arrependimento… A
Alemanha não se vergará. Não vai sacrificar os seus princípios
fundamentais em benefício da Europa e só insistirá na Europa na medida em que
esta se mostrar compatível com o que considera serem os seus interesses vitais
— sem isso, não hesitará em pôr-se a andar.
Numa ironia devastadora, nessa altura vê-la-emos usar o argumento de que os
europeístas (franceses) de hoje nem sequer querem ouvir falar, mas que nessa
altura não terão outro remédio senão suportar: sair da moeda única europeia não
significa de modo algum encerrar-se por trás de muros altos nem hipoteca
minimamente as ligações económicas — e extra-económicas — estabelecidas por
outras vias com os outros Estados-membros. Mesmo o argumento de que uma fuga de regresso ao marco lhe traria
uma violenta revalorização, e a evaporação de uma boa parte dos seus excedentes
comerciais, não a reteria. É que, entre uma estatística momentânea e os seus
princípios, a
Alemanha não hesitará.
De nada valerá também
inventar as histórias simétricas: a 16 ou a menos, não se prepara de repente uma «Europa
monetária alternativa» com facilidade, sob o olhar complacente dos
mercados financeiros. E também não se faz surgir uma nova arquitectura
institucional robusta num fim-de-semana de encerramento dos mercados. Terá de
se começar, portanto, pelo regresso, sem dúvida ligeiramente agitado, às moedas
nacionais, etapa dificilmente evitável antes de eventualmente se avançar de
novo. É altura de saber o que se quer: no sistema actual não há rigorosamente qualquer força de mudança endógena,
mas apenas a possível reapresentação, sob formas um pouco diferentes
(euro-obrigações, governo económico, «federalismo» à Hollande-Merkel ou outro),
dos mesmos princípios monetários, invariantes, constitucionalizados e
catastróficos: alemães.
Nestas condições, ou se
abandona qualquer esperança de transformação e se aceita a submissão à Europa «à alemã»,
ou se espera que a própria crise se encarregue de fazer tábua rasa da situação.
Seria um grande erro subestimar as possibilidades de isto acontecer. Esta tábua
rasa pode vir do lado político se um dos países, por exemplo a Itália, se
encontrar num estado de bloqueio institucional e se vir incapaz de avançar mais
na purga austeritária, podendo gerar rivais e grande pânico nos mercados
financeiros. E pode vir também do lado do sistema
bancário, sempre podre por dentro, e mesmo cada vez mais, à
medida que cresce o fluxo de créditos duvidosos canalizados pela recessão.
Uma
proposta à Europa
Ou, então, toma-se a
dianteira e abre-se o jogo, endereçando uma proposta a todos os povos da
Europa:
«Queremos
fazer uma moeda comum europeia que restitua à política económica todas as suas
possibilidades? Antes de podermos fazer,
vai ser preciso desfazer. A construção institucional de uma moeda comum não
será feita nas costas dos povos; só pode ser legitimada por aprovação
referendária, o que significa que não acontecerá num fim-de-semana obscuro, mas
às claras e demorando o tempo que for necessário. Em consequência, devemos sair
do euro e regressar às moedas nacionais, como base de um novo avanço europeu. É
de imaginar que, de imediato, nem todos sigam esta proposta. Mas podemos muito
bem viver com a moeda nacional, e provavelmente melhor do que os desgraçados que
continuarem a padecer sob a tutela euro-alemã. Aliás, pode até
muito bem acontecer que, a partir do momento em que os mercados financeiros
ouvirem falar deste projecto, cuja intenção é precisamente acabar com o seu
reinado sobre a política económica, eles coloquem a zona euro a ferro e fogo e
provoquem, eles próprios, a explosão de regresso forçado às moedas nacionais.
De qualquer forma, estamos preparados para avançar, porque só se faz caminho
caminhando e porque estamos convencidos de que o espectáculo desse movimento
pode muito bem dar ideias aos que o observarem. Não sabemos quantos seremos,
mas partindo da ideia de que podemos muito bem ser só um, afirmamos que a
partir de dois já será alguma coisa… Afirmamos também que mais vale sermos
quatro ou cinco reunidos por princípios autenticamente comuns e progressistas
do que dezassete dilacerados por princípios regressivos. Irá a Alemanha, por
seu lado, partir com o seu neo-deutschemark
e com alguns aliados parecidos com ela? É muito possível e não é drama nenhum.
Alguém imagina por um só momento que, mesmo não partilhando a moeda de alguns
países europeus, a Alemanha deixe de ter com eles trocas comerciais? De
investir nesses países? De fazer circular os seus estudantes, investigadores,
artistas, turistas e de receber os nossos? Podemos mesmo imaginar que, se um
dia ela acabar por liquidar os seus mitos e terrores nocturnos, e se a sua
população acabar por se cansar da deflação salarial e das desigualdades, —
realidades de que em breve terá dolorosa consciência — e desejar juntar-se a
nós, será um prazer recebê-la. Seja como for, fazemos esta proposta a todos,
com validade agora e mais tarde. Que a oiça e se junte a nós quem quiser.»
Frédéric Lordon
Economista, autor de «La crise de
trop. Reconstruction d’un monde failli», Fayard, Paris, 2009.
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