«Fingindo
enlevados ler na Natureza o cânone da vossa lei, aspirais a algo bem diferente,
vós, espantosos comediantes e auto-intrujões! O vosso orgulho quer impor e fazer penetrar
na própria Natureza a vossa moral […]. Apesar de todo o vosso amor
pela verdade, constrangei-vos, com uma perseverança que chega a hipnotizar-vos,
a ver a Natureza por um falso prisma […].
F.
Nietzsche, «Para além do bem e do mal»,
Guimarães Editores, 7ª edç., p. 21.
Jesus
adverte os seus discípulos:
«Atenção! Guardai-vos do fermento dos
fariseus e do fermento de Herodes!» (Mc 8,15)
[…] Por isso, entre
o Estado Providência (Social) para todos, universal e solidário, e o mero
assistencialismo não há uma posição intermédia. O primeiro
apenas pode ser sustentável enquanto preservar uma condição digna e aceitável
para todos; o segundo, pelo contrário, para não ser insustentável, só poderá
ser miserabilista.
Os portugueses
sabem quanto perderiam sem o Estado Providência (Social) para todos, ou mesmo
se ficassem limitados a um Estado Providência (Social) de amparo. Sabem,
sobretudo, porque conhecem bem as maneiras como a população em geral dele
beneficiou nas últimas décadas. E sabem porque pouca
democracia lhes sobrará se não lhes valer este Estado Providência
(Social). A continuidade deste Estado Providência (Social) implica a própria
continuidade do regime de Portugal.
Este é o quadro
geral grave que suscitou e conduziu à Conferência Vencer a Crise com o Estado Social e com a
Democracia, organizada pelo Congresso Democrático das Alternativas a 11 de Maio de
2013, no Fórum Lisboa, e
que contou com a participação de mais de meio milhar de pessoas inscritas, além
de organizações políticas, sociais e sindicais. A conferência debateu e aprovou
uma resolução (…) cujas conclusões apontam no sentido de uma denúncia cabal do
desmantelamento do Estado Providência (Social) em curso, reiterando-se a
carência, a exequibilidade e a vontade informada de um projeto de sociedade
assente no Estado Providência (Social):
"Portugal
e os portugueses carecem de um Estado social fundado num contrato social
estável, robusto e com futuro, devidamente consagrado na Constituição da
República Portuguesa, expressão mais forte do nosso projeto de sociedade.
"Em
torno dos valores do Estado social há lugar para uma ampla convergência. O
atual quadro de incerteza e degradação económica, social e política, reforça a
necessidade de uma conjugação de vontades, que assegure a estabilidade, o
financiamento e o futuro das funções sociais do Estado, tornando-o menos
dependente de políticas orçamentais de conjuntura, de interesses particulares e
derivas ideológicas passageiras."
[…] A economia do Estado Providência (Social) não pode ser
pensada, nem discutida, somente a partir do binómio despesas/receitas. O Estado
Providência (Social) e as respectivas funções têm um valor económico e social
acrescido que ultrapassa a mera visão contabilística. Mais do que isso, o
Estado Providência (Social) deve ser encarado não como uma mera despesa (ou
gordura), mas antes como um investimento que, além de garantir um conjunto de
direitos e de níveis básicos de provisão, representa um meio imprescindível para o
desenvolvimento económico e humano das sociedades a longo prazo. O Estado
Social não é gordura, é músculo!
André Barata e Renato Miguel do Carmo
[pp. 7]