teologia para leigos

11 de junho de 2015

UE - O QUE VAI SER PRECISO FAZER [P. KRUGMAN]

Para seres cristão começa por estudar Economia Política
e ler os jornais diários…
Depois, muito depois de estudares e leres História,
medita profundamente (ora):
"O que é que eu posso começar a fazer já para curar este mundo?"


Deixa para trás a tua oferta diante do altar, e vai primeiro reconciliar-te com o teu irmão; depois, volta para apresentar a tua oferta»; Mt 5,24)




«A estreita relação da história da salvação com a salvação da história pertence à essência da comunicação de Deus com o homem; assim o vê a Escritura, desde o Génesis até ao Apocalipse. (…)

«Que a salvação seja histórica isso pressupõe que seja referida à história humana, pressupõe que a salvação tem de se historicizar[1]. (…)

«A historicidade da salvação exige um anúncio autêntico da salvação total; exige presença hodierna, realização histórica; exige que a salvação anunciada adquira corpo na história; exige abertura ao futuro, exige que vá preparando, através das transformações históricas, o estalido da glória de Deus, a segunda vinda do Senhor da história.

«A salvação histórica – que o Reino de Deus se realize cada vez mais na história – é o sinal constitutivo (e não meramente manifestativo) da presença deificante e salvífica de Deus encarnado na humanidade. É sinal, na medida em que não é o próprio Deus sem mais; porém, é sinal constitutivo, porque o seu lugar específico de realização e de verificação é o próprio corpo histórico da salvação.

«Surge, assim, a necessidade de mediações históricas, caso o que se persiga seja a realização do Reino de Deus na história. Um Deus encarnado e a carne deificada pressupõem a unidade dos dois extremos através de uma mediação, a qual deve conter algo dos dois extremos, não necessariamente na ordem da imitação ou da similitude mútuas, mas na ordem da condução e da presencialização dinâmica. (…) a história revela-se como a mediação suprema do encontro salvífico do homem com Deus: através das obras de Deus na história se conhece quem Deus é e o que Deus quer dos homens; através das obras do homem na história se realiza o acesso pessoal do homem a Deus

Ignacio Ellacuría [1930-1989], «Teorias economicas y relacion entre cristianismo y socialismo», Concilium RIT, 125, Mayo 1977, Ediciones Cristiandad,  pp. 282-290.

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«O facto de, aos domingos, acudirem mais fiéis às seitas ou a grupos pentecostalistas do que às igrejas católicas, criou uma espécie de trauma, no Brasil. A Igreja, que se encontrava politicamente comprometida (ainda que não unanimemente) - no tempo em que o país estava debaixo da bota dos militares, e em que estava em luta contra as detenções, os «desaparecimentos», a tortura e os assassinatos - foi responsável por um vazio pastoral, para o qual as seitas se precipitaram. A Igreja não havia rezado o suficiente nem havia respondido às necessidades espirituais e sacramentais nem de formação cristã, nem fornecera liturgias quentes e comunitárias – este é o argumento usado pelas correntes mais conservadoras das Igrejas da América Latina que ocupam o proscénio, reforçadas por grupos que, sob as denominações as mais diversas (Focolaris, Neo-Catecumenais, Comunhão e Libertação, Legião de Maria, Cursilhos de Cristandade e Opus Dei), lutam contra as seitas no terreno educativo e espiritual.

«Depois da época da "teologia da libertação", que morrera com a queda do Muro de Berlim[2], a estratégia consistiu em 'refazer um tipo de Igreja' desenvencilhada de esquemas políticos, mais enraizada na realidade cultural das massas populares e mais próxima da efervescência religiosa da Baía, cheia de espontaneidade e de credulidade. Uma igreja que coloque o acento nas práticas litúrgicas, no ensino bíblico, na catequese tradicional, numa formação do clero mais estruturada, com maior disciplina espiritual e eclesiástica e uma teologia conformista. Trata-se de uma estratégia que pretende "re-evangelizar a política" e reorientar a teologia no sentido de uma maior fidelidade à tradição, aos pastores e à palavra de Deus.

«Em pouco mais de trinta anos, que enorme mudança!

«O controlo do Vaticano tornou-se mais minucioso. (…) [Na quarta Assembleia do CELAM] A Comissão Pontifícia para a América Latina impôs um outro texto a uma assembleia, em princípio, soberana, porém presidida pelo cardeal Angelo Sodano - Secretário de Estado do Vaticano e antigo Núncio no Chile, o qual, por causa das suas boas relações com o general Pinochet, ainda hoje faz tremer os meios progressistas[3]

Henri Tincq, «Desafios para el Papa del tercer milénio – la herencia de Juan Pablo II», Sal Terræ, 1998, p.197-198.

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«[…] a prática religiosa não tem valor a não ser que seja expressão dessa vida [cristã]. O importante é que haja vida, que se viva cristãmente. O rito, o cerimonial, a celebração em si são coisas secundárias. (…)

«A prática religiosa e a celebração – enquanto acção simbólica e expressiva da vida cristã – têm que ser um protesto contra o mundo pecador e mau, pois a vida cristã é em si mesma uma constante contestação do mundo pecador. Isto quer dizer que os que participam da celebração devem ser capazes de criar um oásis de sinceridade, de espontaneidade e de confiança no seio de um mundo carcomido pela mentira, pela hipocrisia, pelo ódio e pelo medo.

«Deste ponto de vista, a prática religiosa e a celebração cristã são uma proclamação gozosa da intransigência cristã […]»

José M. Castillo, «La verdad de la práctica religiosa», Verdad e Imagen, 1978, p. 271.

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PS:
o problema do socialismo não é a gaveta,
é o caixão
ANA SÁ LOPES


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o EURO ou a DEMOCRACIA
(«Democracia Solidária»)



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Paul Krugman



O CREPÚSCULO DO EURO


[…] Por que razão a Europa respondeu de forma tão errada à sua crise? Já dei parte da resposta: grande parte das lideranças do continente parece determinada a «helenizar» a história da crise e fazer com que todos se vejam a braços com problemas — e não somente a Grécia — por causa da irresponsabilidade orçamental. E, partindo dessa falsa crença, existe um reverso natural para um falso remédio: se o desregramento orçamental era o problema, a rectidão orçamental tem de ser a solução. É a economia transformada numa peça de moralidade, com a reviravolta adicional de que os pecados a castigar nunca o foram na sua grande maioria.

Mas isto é apenas parte da história. A incapacidade da Europa em lidar com os seus problemas reais, e a sua insistência em confrontar falsos problemas, não é de modo algum única no mundo. Em 2010, a grande parte da elite do mundo político de ambos os lados do Atlântico apaixonou-se intensamente por uma série de falácias relacionada com a dívida, a inflação e o crescimento. No capítulo seguinte ["Austerianos"], tentarei explicar estas falácias e também, o que será uma tarefa muito mais árdua, esclarecer por que razão muitas pessoas importantes decidiram sancioná-las.


AUSTERIANOS


Cortes após cortes: muitos economistas dizem que existe um perigo claro de deflação. O que tem a dizer sobre isto?
– Não acho que tais riscos possam vir a materializar-se. Pelo contrário, as expectativas em relação à inflação estão bem alinhadas pela nossa definição – menos de 2% ou perto de 2% - e assim têm permanecido durante a recente crise. Quanto à economia, a ideia de que as medidas de austeridade poderiam levar à estagnação é incorrecta.

Incorrecta?
– Sim. Na verdade, nas circunstâncias actuais, tudo aquilo que ajuda a aumentar a confiança das famílias, das empresas e dos investidores na sustentabilidade das finanças públicas é bom para a consolidação do crescimento e da criação de emprego. Acredito firmemente que, nas circunstâncias actuais, medidas políticas que inspirem confiança irão promover e não dificultar a recuperação económica, porque a confiança é agora o factor-chave.


Entrevista a Jean-Claude Trichet, presidente do Banco Central Europeu, pelo jornal italiano La Repubblica, junho de 2010.

Nos terríveis meses que se seguiram à queda do banco de investimento Lehman Brothers, praticamente todos os principais governos concordaram em que o súbito colapso das despesas do sector privado teria de ser contrabalançado e viraram-se então para uma política orçamental e monetária expansionista — gastar mais, cobrar menos e imprimir montes de base monetária [notas e moedas à disposição do público] — num esforço para limitar os danos.

Ao fazerem-no, estavam a seguir o conselho dos manuais básicos de economia; mais importante ainda, estavam a seguir as lições arduamente aprendidas com a Grande Depressão.

Mas aconteceu uma coisa curiosa em 2010: grande parte da elite política mundial — os banqueiros e os responsáveis financeiros que definem a sabedoria convencional — decidiu mandar esses manuais e lições da história às urtigas e declaram o avesso do habitual. Ou seja, de repente tornou-se moda preconizar cortes nas despesas, subidas de impostos e taxas de juro mais altas mesmo perante o desemprego em massa.

E foi realmente de repente: a predominância dos crentes da austeridade imediata — os ditos «austerianos», como o analista financeiro Rob Parenteau os alcunhou — estava já bem estabelecida por volta da primavera de 2010, quando a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) publicou o seu mais recente relatório sobre as perspectivas económicas. A OCDE é um grupo de reflexão sediado em Paris, fundado por um clube de governos de países avançados, e é por essa razão que as pessoas se referem ao mundo avançado ao nível económico pela simples designação «a OCDE», porque a adesão a esse clube é mais ou menos sinónimo de um estatuto avançado. Como tal, é, por necessidade, um lugar profundamente convencional, o tipo de lugar onde os documentos são negociados parágrafo a parágrafo de modo a evitar ofender os principais intervenientes.

E qual foi o conselho que estes cabecilhas da sabedoria convencional deram aos Estados Unidos na primavera de 2010, a braços com uma inflação baixa, uma taxa de desemprego muito alta e com os custos de endividamento do governo federal a um nível tão baixo que quase prenunciavam um novo recorde? O conselho foi que o governo dos EUA deveria cortar imediatamente no défice orçamental e que a Reserva Federal deveria subir drasticamente as taxas de juro a curto prazo por volta do final desse ano.

Felizmente, as autoridades americanas não seguiram esse conselho. Houve algumas restrições orçamentais «passivas» à medida que o pacote de estímulos orçamentais da administração Obama se desvanecia, mas não se assistiu a uma viragem em larga escala no sentido da austeridade. E a Reserva Federal não só manteve as taxas de juro baixas como embarcou num programa de aquisições de obrigações para tentar injectar mais brio à fraca recuperação em curso. Mas na Inglaterra as eleições tinham posto o poder nas mãos de uma coligação entre conservadores e democratas liberais que levou muito a sério o conselho da OCDE, impondo um programa antecipado de cortes nas despesas apesar de o país, à semelhança dos EUA, enfrentar uma alta taxa de desemprego e custos muito baixos nos empréstimos contraídos.

Entretanto, no continente europeu, a austeridade orçamental tornou-se uma moda — e o Banco Central Europeu começou a subir as taxas de juro no início de 2011, apesar do estado profundamente deprimido da economia da zona euro e da ausência de qualquer ameaça inflacionária convincente.

Mas a OCDE não estava sozinha ao exigir restrições monetárias e orçamentais mesmo perante a depressão. Outras organizações internacionais, como o Banco de Pagamentos Internacionais (BPI), sediado em Basileia, também se juntaram a estes apelos; e também economistas como Raghuram Rajan, da Universidade de Chicago, e vozes empresariais influentes como Bill Gross, do fundo de obrigações Pimco. Oh, e nos Estados Unidos os republicanos mais destacados pegaram nos vários argumentos a favor da austeridade para justificarem a sua própria posição a favor de cortes nas despesas e de uma política monetária apertada. Como seria de esperar, algumas pessoas e organizações acolheram essa moda de abraços abertos: notavelmente, de forma gratificante, o Fundo Monetário Internacional continuou a ser a voz daquilo que eu considerei ser a sanidade política. Mas creio que é justo dizer que em 2010-2011 as ditas pessoas a que eu, na sequência da opinião do bloguista Duncan Black, chamo amiúde de Pessoas Muito Sérias — pessoas que expressam opiniões que são consideradas válidas pelos influentes e respeitáveis — começaram logo a apregoar com grande firmeza que estava na altura de apertar os cordões à bolsa, apesar da ausência de qualquer sinal de uma recuperação plena em relação à crise financeira e às suas consequências.

O que é que havia por trás desta súbita viragem nas modas políticas? Na verdade, trata-se de uma questão que pode ser respondida de duas formas: podemos tentar analisar os argumentos reais que foram avançados em defesa da austeridade orçamental e das restrições monetárias ou podemos tentar compreender os motivos daqueles que estavam tão ansiosos por se desviarem do combate ao desemprego.

Neste capítulo tentarei examinar esta questão sobre os dois ângulos, mas irei analisar primeiro a sua substância.

Só que, ao fazer isso, há um problema: quando tentamos esmiuçar os argumentos dos austerianos, damos por nós a perseguir um alvo em movimento que é deveras esquivo. Em particular, sobre o assunto das taxas de juro, senti muitas vezes que os defensores de taxas de juro mais altas estavam a jogar calvinball, o jogo da banda desenha da série Calvin & Hobbes em que os jogadores estão sempre a inventar regras novas. […]


Paul Krugman, economista norte-americano
Prémio Nobel da Economia de 2008. Professor na Universidade de Princeton. Em 2012 recebeu o grau de Doutor Honoris Causa da Universidade de Lisboa, da Universidade Técnica de Lisboa e da Universidade Nova de Lisboa.

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[1] I. Ellacuría, «Freedom made Flesh», Nova Iorque 1976.
[2] Em Fevereiro de 1996, numa entrevista a bordo do avião que o levava à América Central, o Papa [João Paulo II], perante os jornalistas, disse o seguinte: "Depois da queda do comunismo, também caiu a teologia da libertação".
[3] O envio, assinado pelo cardeal Secretário de Estado do Vaticano [Angelo Sodano], de um telegrama de felicitações a Pinochet, por alturas do seu aniversário de casamento em 1994, provocou numerosas reacções nos meios progressistas, quer na América Latina, quer na Europa.