Para seres cristão
começa por estudar Economia Política
e ler os jornais
diários…
Depois, muito depois
de estudares e leres História,
medita profundamente (ora):
"O que é que eu posso começar a fazer já para curar este
mundo?"
(«Deixa para trás a tua
oferta diante do altar, e vai primeiro
reconciliar-te com o teu irmão; depois, volta para apresentar a
tua oferta»; Mt 5,24)
«A estreita relação da história
da salvação com a salvação da
história pertence à essência da comunicação de Deus com o homem;
assim o vê a Escritura, desde o Génesis até ao Apocalipse. (…)
«Que a salvação seja histórica isso
pressupõe que seja referida à história humana, pressupõe que a salvação tem de
se historicizar[1].
(…)
«A historicidade da salvação exige um anúncio
autêntico da salvação total; exige presença hodierna, realização
histórica; exige que a salvação anunciada adquira corpo na história; exige
abertura ao futuro, exige que vá preparando, através das transformações
históricas, o estalido da glória de Deus, a segunda vinda do Senhor da
história.
«A salvação histórica – que o Reino de Deus
se realize cada vez mais na história – é o sinal constitutivo
(e não meramente manifestativo) da presença deificante e salvífica de Deus
encarnado na humanidade. É sinal,
na medida em que não é o próprio Deus sem mais; porém, é sinal constitutivo, porque o seu lugar específico de realização e de verificação é o
próprio corpo histórico da salvação.
«Surge, assim, a necessidade de mediações
históricas, caso o que se persiga seja a realização do Reino de Deus na
história. Um Deus encarnado e a carne deificada pressupõem a unidade dos dois
extremos através de uma mediação, a qual deve conter algo dos dois extremos,
não necessariamente na ordem da imitação ou da similitude mútuas, mas na ordem
da condução e da presencialização dinâmica. (…) a história revela-se como a mediação
suprema do encontro salvífico do homem com Deus: através das obras
de Deus na história se conhece quem Deus é e o que Deus quer dos homens; através das obras do homem na história se realiza o
acesso pessoal do homem a Deus.»
Ignacio Ellacuría [1930-1989], «Teorias
economicas y relacion entre cristianismo y socialismo», Concilium RIT, 125, Mayo 1977, Ediciones
Cristiandad, pp. 282-290.
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«O
facto de, aos domingos, acudirem mais fiéis às seitas ou a grupos
pentecostalistas do que às igrejas católicas, criou uma
espécie de trauma, no Brasil. A Igreja, que se encontrava
politicamente comprometida (ainda que não unanimemente) - no tempo em que o
país estava debaixo da bota dos militares, e em que estava em luta contra as
detenções, os «desaparecimentos», a tortura e os assassinatos - foi responsável
por um vazio pastoral, para o
qual as seitas se precipitaram. A Igreja não havia rezado o suficiente nem
havia respondido às necessidades espirituais e sacramentais nem de formação
cristã, nem fornecera liturgias quentes e comunitárias – este é o argumento
usado pelas correntes mais conservadoras das Igrejas da América Latina que
ocupam o proscénio, reforçadas por grupos que, sob as denominações as mais
diversas (Focolaris, Neo-Catecumenais, Comunhão e Libertação, Legião de Maria,
Cursilhos de Cristandade e Opus Dei), lutam contra as seitas no terreno
educativo e espiritual.
«Depois
da época da "teologia da libertação", que morrera com a queda do Muro
de Berlim[2], a
estratégia consistiu em 'refazer um tipo
de Igreja' desenvencilhada de esquemas políticos, mais
enraizada na realidade cultural das massas populares e mais próxima da
efervescência religiosa da Baía, cheia de espontaneidade e de
credulidade. Uma igreja que coloque o acento nas práticas litúrgicas, no ensino
bíblico, na catequese tradicional, numa formação do clero mais estruturada, com
maior disciplina espiritual e eclesiástica e uma teologia conformista. Trata-se
de uma estratégia que pretende "re-evangelizar a política"
e reorientar a
teologia no sentido de uma maior fidelidade à tradição, aos
pastores e à palavra de Deus.
«Em pouco mais de trinta anos, que enorme mudança!
«O
controlo do Vaticano tornou-se mais minucioso. (…) [Na quarta Assembleia do CELAM] A Comissão Pontifícia para a América
Latina impôs um outro texto a uma assembleia, em princípio, soberana, porém
presidida pelo cardeal
Angelo Sodano - Secretário de Estado do Vaticano e antigo Núncio no
Chile, o qual, por causa das suas boas relações com o general Pinochet, ainda
hoje faz tremer os meios progressistas[3].»
Henri Tincq, «Desafios para
el Papa del tercer milénio – la herencia de Juan Pablo II», Sal
Terræ, 1998, p.197-198.
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«[…]
a prática religiosa não tem valor a não ser que seja expressão dessa vida [cristã]. O
importante é que haja vida, que se viva cristãmente. O rito,
o cerimonial, a celebração em si são coisas secundárias. (…)
«A
prática religiosa e a celebração – enquanto acção simbólica e expressiva da
vida cristã – têm que ser um protesto
contra o mundo pecador e mau, pois a vida cristã é em si mesma uma
constante contestação do mundo pecador. Isto quer dizer que os que
participam da celebração devem ser capazes de criar um oásis de sinceridade, de espontaneidade e de confiança
no seio de um mundo carcomido pela mentira, pela hipocrisia, pelo ódio e pelo
medo.
«Deste
ponto de vista, a prática religiosa e a celebração cristã
são uma proclamação gozosa da intransigência cristã […]»
José M. Castillo, «La
verdad de la práctica religiosa», Verdad e Imagen, 1978, p. 271.
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PS:
o problema do socialismo não é a gaveta,
é o caixão
ANA SÁ LOPES
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o EURO
ou a DEMOCRACIA
(«Democracia Solidária»)
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Paul Krugman |
O CREPÚSCULO DO EURO
[…] Por que razão a
Europa respondeu de forma tão errada à sua crise? Já dei parte da resposta: grande parte das
lideranças do continente parece determinada a «helenizar» a história da crise e fazer com que todos se vejam a
braços com problemas — e não somente a Grécia — por causa da irresponsabilidade
orçamental. E, partindo dessa falsa crença, existe um reverso natural para um falso
remédio: se o desregramento orçamental era o problema, a rectidão orçamental tem
de ser a solução. É a economia
transformada numa peça de moralidade, com a reviravolta adicional de
que os pecados a castigar nunca o foram na sua grande maioria.
Mas isto
é apenas parte da história. A incapacidade da Europa em lidar com os seus
problemas reais, e a sua insistência em confrontar falsos problemas, não é de
modo algum única no mundo. Em 2010, a grande parte da elite do mundo político
de ambos os lados do Atlântico apaixonou-se intensamente por uma série de falácias relacionada com a dívida, a inflação e o crescimento. No
capítulo seguinte ["Austerianos"],
tentarei explicar estas falácias e também, o que será uma tarefa muito mais
árdua, esclarecer por que razão muitas pessoas importantes decidiram
sancioná-las.
AUSTERIANOS
– Cortes
após cortes: muitos economistas dizem que existe um perigo claro de deflação. O
que tem a dizer sobre isto?
–
Não acho que tais riscos possam vir a materializar-se. Pelo contrário, as expectativas
em relação à inflação estão bem alinhadas
pela nossa definição – menos de 2% ou perto de 2% - e assim têm permanecido
durante a recente crise. Quanto à economia, a ideia de que as medidas de austeridade poderiam levar à
estagnação é incorrecta.
– Incorrecta?
–
Sim. Na verdade, nas circunstâncias actuais, tudo aquilo que ajuda a aumentar a confiança das famílias, das
empresas e dos investidores na sustentabilidade das finanças públicas é bom
para a consolidação do crescimento e da criação de emprego. Acredito firmemente
que, nas circunstâncias actuais, medidas políticas que inspirem confiança irão promover e não dificultar a
recuperação económica, porque a confiança é agora o factor-chave.
Entrevista
a Jean-Claude Trichet, presidente do
Banco Central Europeu, pelo jornal italiano La Repubblica, junho de 2010.
Nos
terríveis meses que se seguiram à queda do banco de investimento Lehman Brothers,
praticamente todos os principais governos concordaram em que o súbito colapso
das despesas do sector privado teria de ser contrabalançado e viraram-se então
para uma política
orçamental e monetária expansionista — gastar mais, cobrar menos e
imprimir montes de base monetária [notas e moedas à disposição do público] —
num esforço para limitar os danos.
Ao fazerem-no,
estavam a seguir o conselho dos manuais básicos de economia; mais importante
ainda, estavam a seguir as lições arduamente aprendidas com a Grande
Depressão.
Mas
aconteceu uma coisa curiosa em 2010: grande parte da elite política mundial —
os banqueiros e os responsáveis financeiros que definem a sabedoria
convencional — decidiu mandar esses manuais e lições da história às urtigas e
declaram o avesso do habitual. Ou seja, de repente tornou-se moda preconizar
cortes nas despesas, subidas de impostos e taxas de juro mais altas mesmo
perante o desemprego em massa.
E foi
realmente de repente: a predominância dos crentes da austeridade imediata — os
ditos «austerianos», como o analista financeiro Rob Parenteau os alcunhou —
estava já bem estabelecida por volta da primavera de 2010, quando a Organização para
a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) publicou o seu mais
recente relatório sobre as perspectivas económicas. A OCDE é um grupo de
reflexão sediado em Paris, fundado por um clube de governos de países
avançados, e é por essa razão que as pessoas se referem ao mundo avançado ao
nível económico pela simples designação «a OCDE», porque a adesão a esse clube é mais
ou menos sinónimo de um estatuto avançado. Como tal, é, por necessidade, um
lugar profundamente convencional, o tipo de lugar
onde os documentos são negociados parágrafo a parágrafo de modo a evitar
ofender os principais intervenientes.
E qual foi o conselho
que estes cabecilhas da sabedoria convencional deram aos Estados Unidos na primavera de 2010, a braços com
uma inflação baixa, uma taxa de desemprego muito alta e com os custos de
endividamento do governo federal a um nível tão baixo que quase prenunciavam um
novo recorde? O conselho foi que o governo dos EUA deveria cortar imediatamente
no défice orçamental e que a Reserva Federal deveria subir drasticamente as
taxas de juro a curto prazo por volta do final desse ano.
Felizmente,
as autoridades americanas não seguiram esse conselho. Houve algumas restrições
orçamentais «passivas» à medida que o pacote de estímulos orçamentais da
administração Obama se desvanecia, mas não se assistiu a uma viragem em larga escala no sentido
da austeridade. E a Reserva Federal não só manteve as taxas de
juro baixas como embarcou num programa de aquisições de obrigações para tentar
injectar mais brio à fraca recuperação em curso. Mas na Inglaterra as eleições
tinham posto o poder nas mãos de uma coligação entre conservadores e democratas
liberais que levou muito a sério o conselho da OCDE, impondo um programa
antecipado de cortes nas despesas apesar de o país, à semelhança dos EUA,
enfrentar uma alta taxa de desemprego e custos muito baixos nos empréstimos
contraídos.
Entretanto,
no continente europeu, a austeridade
orçamental tornou-se uma moda — e o Banco Central Europeu
começou a subir as taxas de juro no início de 2011, apesar do estado
profundamente deprimido da economia da zona euro e da ausência de qualquer
ameaça inflacionária convincente.
Mas a
OCDE não estava sozinha ao exigir restrições monetárias e orçamentais mesmo
perante a depressão. Outras
organizações internacionais, como o Banco de Pagamentos Internacionais (BPI),
sediado em Basileia, também se juntaram a estes apelos; e também economistas
como Raghuram
Rajan, da Universidade de Chicago, e vozes empresariais influentes
como Bill
Gross, do fundo de obrigações Pimco. Oh, e nos Estados
Unidos os republicanos mais destacados pegaram nos vários argumentos a favor da
austeridade para justificarem a sua própria posição a favor de cortes nas despesas
e de uma política monetária apertada. Como seria de esperar, algumas pessoas e
organizações acolheram essa moda de abraços abertos: notavelmente, de forma
gratificante, o Fundo Monetário Internacional continuou a ser a voz daquilo que
eu considerei ser a sanidade política. Mas creio que é justo dizer que em
2010-2011 as ditas pessoas a que eu, na sequência da opinião do bloguista Duncan Black,
chamo amiúde de Pessoas
Muito Sérias — pessoas que expressam opiniões que são consideradas
válidas pelos influentes e respeitáveis — começaram logo a apregoar com grande firmeza que estava
na altura de apertar os cordões à bolsa, apesar da ausência de
qualquer sinal de uma recuperação plena em relação à crise financeira e às suas
consequências.
O que é
que havia por trás desta súbita viragem nas modas políticas? Na verdade,
trata-se de uma questão que pode ser respondida de duas formas: podemos tentar
analisar os argumentos reais que foram avançados em defesa da austeridade
orçamental e das restrições monetárias ou podemos tentar compreender os motivos
daqueles que estavam tão ansiosos por se desviarem do combate ao desemprego.
Neste
capítulo tentarei examinar esta questão sobre os dois ângulos, mas irei
analisar primeiro a sua substância.
Só que,
ao fazer isso, há um problema: quando tentamos esmiuçar os argumentos dos
austerianos, damos por nós a perseguir um alvo em movimento que é deveras
esquivo. Em particular, sobre o assunto das taxas de juro, senti muitas vezes
que os defensores de taxas de juro mais altas estavam a
jogar calvinball, o jogo da banda desenha da série Calvin &
Hobbes em que os jogadores estão sempre a inventar regras novas. […]
Paul Krugman, economista norte-americano
Prémio
Nobel da Economia de 2008. Professor na Universidade de Princeton. Em 2012
recebeu o grau de Doutor Honoris Causa da Universidade de Lisboa, da
Universidade Técnica de Lisboa e da Universidade Nova de Lisboa.
[pp. 50]
[1] I.
Ellacuría, «Freedom
made Flesh», Nova Iorque 1976.
[2] Em
Fevereiro de 1996, numa entrevista a bordo do avião que o levava à América
Central, o Papa [João Paulo II],
perante os jornalistas, disse o seguinte: "Depois da queda do comunismo, também caiu a
teologia da libertação".
[3] O envio,
assinado pelo cardeal Secretário de Estado do Vaticano [Angelo Sodano], de um telegrama de felicitações a Pinochet, por
alturas do seu aniversário de casamento em 1994, provocou numerosas reacções
nos meios progressistas, quer na América Latina, quer na Europa.