teologia para leigos

31 de outubro de 2014

QUE MODELO DE COMUNIDADE? [MARCO POLITI]

«VENDE-SE IGREJA»



Enquanto o primeiro ano de pontificado de Francisco era assinalado por este debate As mulheres estão totalmente ausentes das funções directivas da Igreja católica»], a Igreja anglicana de Inglaterra estabelecia no sínodo de 20 de Novembro de 2013 o princípio do acesso das mulheres ao episcopado, praticamente por unanimidade: 378 votos a favor, 8 contra e 25 abstenções. Vinte e um anos antes abrira às mulheres o acesso ao sacerdócio.

Em Effretikon, que fica a 8 horas de comboio do Vaticano, [pertence ao cantão de Zurique; 15.000 habitantes, duas igrejas: uma protestante e outra católica], Monika Schmit [1957- Estudou pedagogia religiosa e teologia em Lucerna e Salzburgo; presentemente, faz um Curso de teologia espiritual inter-religiosa sobre pontos de contacto com a mística hebraica e com o islão], a responsável pela pequena paróquia suíça, [em alemão, Gemeindeleiterin=«Guia da paróquia»; termo que incomoda o Vaticano; este sugere o uso de "encarregada de paróquia"] disse-me que, se num domingo se perguntasse aos fiéis se queriam uma mulher sacerdote, três quartos responderiam sim. Os jovens, em especial, não compreendem a exclusão. Se pudesse falar com Francisco, perguntar-lhe ia: «Ouça as mulheres e faça tábua rasa dessa fábula insustentável, segundo a qual motivos teológicos impedem o sacerdócio feminino». O sonho dela é que, quando se aposentar, o Vaticano autorize pelo menos o diaconato feminino. Quando Francisco foi eleito, Monika sentiu um grande contentamento, «mas o fosso entre as pessoas e a instituição é grande. Gostaria de obter uma audiência, mesmo que não fosse sozinha, para lhe dizer como vivemos na base.»



Monika Schmit, 2ª a contar da esquerda [H. Küng, à direita]



O ponto fulcral é a crise do clero. A paróquia foi a grande invenção do cristianismo. Um território, um povo de fiéis, um guia espiritual em contacto estreito com eles. Esta estrutura, que durante séculos sustentou o tecido do catolicismo, está a ser corroída pela dramática ausência de vocações. Nos Estados Unidos e na Europa setentrional vendem-se igrejas. Por todo o Primeiro Mundo desaparecem paróquias e perde-se o confronto quotidiano entre pároco e paroquianos. No Terceiro Mundo muitas paróquias são tão grandes e distantes entre si que não vêem um pároco durante meses. (…) Continuam a faltar os padres e começam a faltar os leigos dispostos a assumir o peso das responsabilidades pastorais. E isso sucede também no campo feminino. Na Suíça, as paróquias importam licenciados em teologia da Alemanha. «Se procurarmos hoje um assistente pastoral encontramos dificuldades – explica Monika Schmit – não há o mesmo campo de escolha de há trinta anos. Apresentam-se pessoas com formação medíocre. No meu tempo, na Universidade de Lugano, eu pertencia a um excelente grupo de mulheres apaixonadas pela teologia feminista… liam-se livros, discutiam-se textos, fazia-se pesquisa bíblica. Agora, só nos aparecem beatos.»

Um dado assente é a fuga das mulheres das ordens femininas, espinha dorsal da organização eclesiástica em todo o mundo. O número de freiras e consagradas cai de forma sensível. Em 2001 as professas eram 792.317; em 2011 o número desce para 713.206: uma sangria não compensada pelo aumento de vocações registado em África e na Ásia. Estamos a assistir a uma deslocação do peso do Ocidente para o Terceiro Mundo. Um terço das religiosas vem da África e da Ásia. O que leva muitas ordens religiosas a importar freiras do Terceiro Mundo para dar sangue novo às instituições na Europa. Um "tráfico de noviças", criticado pelo Papa Francisco. (…)

É um nó complicado de desatar. Enfrentar o papel das mulheres na Igreja constitui um passo fundamental no pontificado de Bergoglio. A estrutura eclesial centrada na predominância do clero masculino está lentamente a desagregar-se. A pergunta que se coloca à Igreja católica, que entrou no seu terceiro milénio, é a de saber qual será a fisionomia das comunidades de crentes no futuro. Serão ainda fortemente institucionalizadas? Virão a tornar-se mais fluidas? Ou será encontrada uma forma organizativa que conjugue os necessários vínculos de unidade com a flexibilidade das experiências?

Se num domingo o Papa Francisco atravessasse o Tibre, poderia chegar a um barracão situado na via Ostiense e acompanhar uma missa especial. O altar é uma mesa coberta com uma toalha branca, bordada. Tem rodas para poder ser deslocado. Um ramo de flores e uma pequena cruz de madeira estão colocados ao centro. Ao lado vê-se uma bandeirinha da paz com as cores do arco-íris. Dois cálices de vinho palhete e dois cestos de pão estão prontos para o rito. Das janelas, nas paredes ao fundo, entra a luz do dia.

Um jovem de barba afina a guitarra e entoa: «Cristo veio para estar junto de nós… Aleluia... Todo o medo será afastado». Chega ao altar uma mulher vestida com uma camisola e lê o acto de penitência. Chega outra com um casaco comprido e lê um trecho de Isaías. Chega outra ainda com um blusão de lã e lê a Carta de Paulo aos Coríntios. Finalmente, chega outra envergando um casaco e anuncia o Evangelho.

Via Ostiense 152, desde os anos setenta é a sede da comunidade de São Paulo formada depois que o abade-bispo do antigo mosteiro de San Paolo fuori le Mura [S. Paulo extra-muros], Giovanni Franzoni, foi destituído por ter denunciado as responsabilidades da hierarquia eclesiástica nas especulações imobiliárias em Roma.

As paredes do antigo armazém estão caiadas de branco, e somente um lado do grande cubo foi pintado a trompe d’oeil [técnica de perspectiva que produz ilusão óptica] como se fosse um velho palácio romano. Vê-se uma estátua de mulher com uma máscara na mão e o perfil de algumas colunas. Um pouco além está afixado um manifesto de monsenhor Juan José Gerardi, o bispo guatemalteco assassinado em 1998 por três militares por ter publicado um relatório sobre violações dos direitos humanos cometidos pelo exército do seu país. Mártir de verdad y paz, está escrito em espanhol.

Uma senhora de cabelos brancos, com cerca de cinquenta anos, pronuncia a homilia. O seu vestuário, tal como o das outras senhoras, lembra a absoluta normalidade do quotidiano. Uma camisola azul, um casaco de lã beije, óculos, brincos, um colar ao pescoço. A cada hora - recorda – morrem de fome no mundo duas mil pessoas. São dados da FAO, a organização das Nações Unidas que trata de alimentação e agricultura. A missa é um convívio, o Evangelho evoca a boda de Canãa. Mas ninguém deve ser excluído do banquete. «Enquanto alguém morrer, não seremos a alegria de Deus.»

Entra um rapaz, um pobre tonto, que caminha entre os fiéis dizendo em alta voz: «Onde está a mamã… eu tinha dito à mamã… viram a mamã?». Ninguém se perturba, todos o acompanham com olhares afectuosos, ouvem as reflexões sobre o Evangelho e as leituras do dia. São muitos os que se levantam para tomar a palavra. E há quem recorde que no Antigo Testamento e nas antigas comunidades cristãs o dom da profecia era partilhado entre homens e mulheres.

É o momento da consagração. Duas mulheres aproximam-se do altar, uma faz um sinal rápido para se ajoelharem, e juntas partem uma forma de pão e depois transformam-na em pequenos pedaços colocando-os nos cestos. Todos se dão as mãos formando uma cadeia e recitando o Pai-Nosso. Vão ao encontro uns dos outros para trocar o sinal da paz. É um ambiente de amizade. A comunhão é a refeição dos crentes em comum. Formam-se duas filas nos lados do altar e cada um toma o seu pedaço de pão que mergulha no cálice de vinho e come-o. «O teu primeiro milagre, Jesus – diz a oração – é um convite de amor».



Monika Schmit



Vem-me à mente um mosaico singular que vi na antiga catedral de Santa Sofia, em Kiev. O altar é uma mesa verdadeira e encontram-se ali dois Cristos, um que se volta para a direita oferecendo o pão eucarístico a Pedro, e outro que se vira para a esquerda para o dar a Paulo. O Filho do Homem abraça todas as dimensões da vida.

Marco Politi, «Francisco entre os lobos – o segredo de uma revolução», Texto&Grafia 2014, p. 107-128 (excertos). ISBN 978-989-8285-95-9. (ca. de 20 euros) Imprescindível!







"Ratzinger carece da liderança de que a Igreja necessita"




«Um pároco italiano enforca-se antes de conhecer a sua condenação por pederastia»

Notícia e Vídeo:

http://www.periodistadigital.com/religion/mundo/2014/10/29/un-cura-italiano-se-ahorca-antes-de-conocer-su-condena-por-pederastia-religion-iglesia-abusos-maks-suard.shtml

 

 

La Chiesa da Benedetto a Francesco - Marco Politi

Vídeo:







"Os lobos ameaçam a revolução pacífica de Francisco"




Marco Politi



«Os lobos de Francisco» - entrevista com Marco Politi [IHU - Brasil]