teologia para leigos

24 de outubro de 2014

PARÓQUIA: QUE FUTURO? [W. KASPER]

FUTURO DA ESTRUTURA PAROQUIAL





1.   Paróquia e comunidade

Os problemas e as mudanças não acontecem apenas ao nível da Igreja universal ou das igrejas particulares: acontecem igualmente ao nível das comunidades locais. A este nível, esses problemas são perceptíveis de modo imediato já que, se a grande maioria dos fiéis se sente como que em casa na Igreja, isso acontece através da mediação da paróquia ou da sua comunidade local. Este sentir-se em casa tem vindo a dissolver-se de modo progressivo, acompanhando as actuais transformações em curso (quer na sociedade, quer na Igreja), pela simples razão de a paróquia, a comunidade política e o ambiente social já não constituírem, entre si, uma unidade homogénea[1]. É certo que esta realidade não é uniforme − varia de região para região −, mas esta tendência geral acaba por ser comum a todos países da Europa ocidental.

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A partir do Concílio, a comunidade local vê-se confrontada, quer com a mudança geral da sociedade, quer com a mudança intra-eclesial. As mudanças sociais levaram à progressiva destruição da estrutura tradicional dos povos, ao aumento da componente urbana, a uma mobilidade da população como nunca havia acontecido e a um pluralismo social, cultural e religioso que trouxe como consequência o desaparecimento da forma tradicional de se ser igreja (igreja-povo), bem como do seu ambiente relativamente homogéneo, do ponto de vista confessional[2]. Voltamos, hoje em dia, a viver como os primeiros cristãos, cada vez mais como estrangeiros e em situação de diáspora. Esta situação, quer da sociedade, quer da igreja, faz com que em grande medida não se possa continuar a manter, na Europa ocidental, a estrutura paroquial e o seu modo de continuar a exercer a assistência espiritual aos fiéis que tradicionalmente se vem exercendo.

O finar ou o ir-se aos poucos finando essa igreja-povo muito integrada e demasiado encamisada pelo ambiente circundante é, para além de outros motivos, uma das razões para o decréscimo do número dos católicos praticantes. E isso, a que se somam outros motivos, é uma das causas para o retrocesso das vocações sacerdotais. Aquilo que se costuma designar por "escassez de padres" não se pode ajuizar tendo como referência o número de católicos praticantes, mas, sim, a estrutura paroquial herdada do passado, tal como ela se desenvolveu segundo o modelo de igreja-povo. A maior parte das dioceses procura resolver esta dificuldade criando federações de paróquias ou "unidades paroquiais e de pastoreio", mantendo a estrutura das paróquias tradicionais. Há casos bem sucedidos, mas a longo prazo este modelo tornar-se-á insatisfatório para as comunidades, bem como constituirá uma sobrecarga de trabalho para os sacerdotes. Não é possível continuar a jogar ao faz-de-conta por muito mais tempo com o modelo igreja-povo, ao mesmo tempo que essa igreja se vai dissolvendo pelas razões as mais diversas[3]. A resposta à pergunta acerca de qual é o caminho correcto para se alcançar uma nova forma vital e social de ser igreja é evidente que não se pode receitar assim, sem mais, a partir dum gabinete de trabalho. Muito menos se poderá consegui-lo apenas com medidas administrativas e organizativas impostas por decreto. Uma nova forma social terá que ir crescendo tendo como alicerce uma eclesiologia de Povo de Deus, e ao longo de um longo caminho.

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2.   A paróquia do futuro: uma igreja que seja o centro de muitas comunidades

A forma concreta da futura igreja do povo não poderá ser desenhada a partir das suas carências. Em concreto: não poderá ser desenhada a partir da carência de sacerdotes nem da falta de comunidades. Uma metodologia que se resuma a dividir o mal pelas aldeias e reduza a presença da igreja ao mínimo e ao superficial − como que sem um centro – não está voltada para o futuro, mas para o passado, pelo que não terá futuro. Esta nova iniciativa terá que arrancar de uma forma positiva, interrogando-se como poderá, no (…)

Walter Kasper, [1933-], professor de teologia dogmática em Münster e Tübinger; bispo de Rottenburg-Stuttgart (1989-); assessor da Santa Sé (a partir de 1999; Presidente do Pontifício Conselho para a Unidade dos Cristãos); Cardeal em 2001 [p/ P. João Paulo II].







[1] Diz o Código de Direito Canónico (CJC) de 1983, can. 518: «Paroecia regula generali sit territorialis…», ou seja, «como regra geral, a paróquia há-de ser territorial…». [NdT]
[2] F. X. Arnold-K- Rahner (eds.), «Handbuch der Pastoraltheologie», 5 vols. Freiburg i.Br. 1964-1972; K. Rahner, «Strukturwandel der Kirche als Aufgabe und Chance», Freiburg i.Br. 1972. Numa perspectiva pastoral-sociológica: K. Gabriel, «Christentum zwischen Tradition und Postmoderne», Freiburg i.Br. 1995; M. Ebertz, «Erosion der Gnadenanstalt? Zum Wandel der Sozialgestalt von Kirche», Frankfurt 1998; W. Huber, «Kirche in der Zeitenwende. Gesellschaftlicher Wandel und Erneuerung der Kirche», Göttingen 1998; P. M. Zulehner, «Kirche umbauen – nicht totsparen», Ostfildern 2009, etc.
[3] Não há maneira de não estar de acordo com as análises e as conclusões que tiram Medard Kehl, «Adónde vá la Iglesia? Un diagnóstico de nuestro tiempo», Presencia Teológica, Sal Terræ; e G. Greshake, «Ser sacerdote hoy», Sígueme, 274-296.