teologia para leigos

18 de setembro de 2014

LEIGOS: REBANHO DE OVELHAS? [R.BLANK]


Uma Igreja desafiada por
leigos que deixaram de ser leigos





I.           Sociedade urbana, ambiente onde as ovelhas rejeitam ser ovelhas

A sociedade urbana tornou-se o novo ambiente de vida da maior parte do nosso povo. Nesse ambiente movimenta-se mais de 70% da população e, quando olhamos para o mundo inteiro, nele movem-se vários milhares de milhões de pessoas.

Todas essas pessoas vivem marcadas pelo ritmo desse ambiente, pessoas acossadas, destruídas, formatadas. Elas amam-no, detestam-no ou nem chegam a entendê-lo e, por causa disso, sentem-se activas e livres ou oprimidas e isoladas, consoante o enfoque ou o ponto de vista.

(…)

É com essa realidade que somos confrontados.
É dentro dessa realidade que se deveria realizar a nova evangelização.
É dentro dessa realidade que somos chamados a falar de Deus. Falar de um Deus que muitos já não conhecem, de que ouviram falar, mas que se encontra tão longe da sua vida quotidiana, tão longe que muitos já o esqueceram.
É dentro de tal realidade que se deveria projectar a Pastoral Urbana do futuro. Mas os destinatários dessa pastoral há quanto tempo já esqueceram o que é um pastor. E, de ovelhas, só ouviram falar em contos de fadas.

Um pastor vigia o rebanho das suas ovelhas. Mas a grande maioria dos homens urbanos de hoje e do futuro não querem mais ser vigiados como um rebanho. E isso pelo simples facto de eles já não quererem ser mais ovelhas.

O homem urbano de hoje, e mais ainda o do futuro, já não aceita mais a ideia de fazer parte de um rebanho de gado que corre na direcção indicada por um pastor.
Eles rejeitam tal imagem e com toda a razão!

(…)

II.        Porém, a nova autonomia também produz mais insegurança

A época pós-industrial apresenta-se, assim, impregnada, por um lado, daquele novo espírito de autonomia e de auto-confiança, mas, por outro, de inseguranças e dúvidas profundas. Essa época está também marcada por um desesperado vazio de sentido e por tentativas frenéticas de substituir o vazio espiritual por substitutos artificiais.

Numa época assim, as nossas Igrejas deveriam estar cheias, mas elas não estão. Ou melhor, estão, mas quando fazemos a comparação com o total da população, constatamos que, desse total, são apenas 7% a 10% deles que frequentam as nossas missas. E os outros, onde estão? Além disso, quem são esses 10% que ainda participam nas celebrações? Será que eles representam o novo tipo de homem autónomo, do qual falávamos nas páginas precedentes? Ou será que eles na sua maioria são os outros, aqueles que não querem ser autónomos[1], aqueles que têm medo da autonomia e que, por causa disso, querem ficar ovelhas?

Perguntas e mais perguntas. Como responder? Como reagir? Como evangelizar estes leigos, que não correspondem já à imagem uniforme e transparente do leigo dos tempos antigos? E, para além de tudo, como é que, com estes novos leigos, podemos realizar aquilo que os nossos bispos em Santo Domingo chamaram «Protagonismo do Leigo»? Onde é que este leigo protagonista está nas nossas Igrejas? Será que ele quer ser protagonista? E protagonista de quê?

E será que aqueles que até agora tinham todo o poder e todo o protagonismo querem verdadeiramente o protagonismo do leigo? Quando querem o leigo protagonista, que tipo de leigo é que eles preferem? Perguntas atrás de perguntas. Como responder?

(…)

É a partir deste facto que surgem indagações muito sérias para nós:

− será que, de facto, queremos que os nossos fiéis ajam assim: críticos, inovadores, questionadores?

− será que, na maior parte das vezes, não preferiríamos o homem dócil e humilde da época rural, sobretudo, face às nossas próprias estruturas eclesiais?

− será que queremos fiéis anónimos e críticos que exijam verdadeira participação e co-responsabilidade, participação que vá para além do direito de poder organizar uma quermesse?

− será que queremos mulheres que assumam o seu direito como pessoa, também dentro das estruturas eclesiais?

− será que  queremos pessoas que, a partir do seu status de baptizados e baseados numa atitude de autonomia e de responsabilidade, questionem até ordens dadas emanadas do poder eclesiástico?

Pessoas autónomas fazem isso e muito mais!
Tais pessoas exigem todos esses direitos e muito mais!

− será que essas pessoas são vistas sempre com bons olhos dentro da Igreja?

− será que a nossa pastoral quer, de facto, formar tais pessoas autónomas, responsáveis, críticas?

Em muitos casos, sim, mas também existem outras tendências, que, por causa de um medo inconsciente, preferem pessoas dóceis e submissas como outrora. Nestes casos, mantém-se uma pastoral que, no fundo, não promove a autonomia das pessoas, ou que promove essa autonomia só em certos sectores restritos, enquanto em outros sectores tenta manter um estado de submissão. Com tal atitude não se consegue evangelizar o homem do século XXI.

Percebemos, assim, como a reflexão sobre as verdadeiramente novas características do homem urbano nos confronta com perguntas muito sérias.

A resposta que a elas for dada decidirá do sucesso ou do fracasso do nosso trabalho evangelizador. E isto é assim, porque na sua grande maioria o homem urbano instintivamente rejeita uma religião que o quer manter numa situação de dependência. Consequentemente, o homem urbano rejeita atitudes, por parte da Igreja, que ele considera de tutela.

Quando um homem urbano pós-moderno suspeita de tentativas que o querem tutelar, ele reage. E, na maioria dos casos, a sua reacção é esta: vai embora, busca outros espaços e outros campos de acção.

Eis uma das razões mais profundas da problemática da assim chamada «emigração silenciosa», fenómeno tão acentuado dentro do contexto eclesial urbano: as pessoas vão embora, porque têm a impressão de ser tuteladas. Tal impressão, falsa ou verdadeira, pode formar-se a qualquer nível da vida religiosa, em paróquias, em comunidades, na Igreja.

Assim perdemos milhares e milhares de pessoas. A geração jovem vai-se embora e, nas nossas celebrações, encontramos cada vez mais apenas pessoas com mais de 50 anos de idade. (…)

Esta é a situação. Este é o desafio. Um desafio que toca, em primeiro lugar, aqueles níveis que tradicionalmente ofereceram respostas ao tal vazio: deles faz parte a Igreja estruturada, fruto de uma história de séculos. Aquilo que nestes séculos foi construído e propagandeado como o grande ideal do futuro: uma instituição religiosa uniformizada e unida está hoje a ser rejeitada pela grande maioria dos adeptos das sociedades urbanas.

O que devemos fazer?
Como reagir diante de uma situação que desafia também as estruturas tradicionais da Igreja?

Renold Blank
Teólogo, professor de "Escatologia, Teologia da Revelação e Antropologia" na Pontifícia Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção; no Instituto Teológico de São Paulo (ITESP) e na Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUCCAMP).










[1] «A máquina gira, gira e deve continuar a girar eternamente. Se ela pára, é a morte.»; movimento donde resultam aqueles que preferem ser uma «rocha escarlate totalmente incrustada de lacre liquido»; Cf. Aldous Huxley, «Admirável mundo novo», Ed. Antígona Nov. 2013, p. 76.62. [NdE]