A Igreja
que «sai à procura»
«La cultura del benessere, che ci porta a pensare a noi
stessi [apenas
em nós],
ci rende insensibili alle grida [grito]
degli altri, ci fa vivere in bolle di sapone, che sono belle, ma
non sono nulla, sono l’illusion del futile, del provvisorio, che porta
all’indifferenza verso gli altri, anzi porta alla globalizzazione
dell’indiferenza. In questo mondo della globalizzazione siamo caduti nella globalizzazione
dell’indifferenza! Ci siamo abituati alla sofferenza adell’altro,
non ci riguarda [não
nos diz respeito], non ci interessa, non è affare nostro!», Papa Francesco, Omelia del Santo Padre,
Lampedusa, 8 luglio 2013.
«Sonho
com uma opção missionária capaz de transformar tudo, para que os costumes, estilos, horários,
linguagem e toda a estrutura eclesial se tornem um canal propiciador mais da evangelização do mundo actual que da
auto-preservação. [Sonho com] a reforma das estruturas (…) em atitude constante de "saída"
(…) para não desfalecer vítima duma espécie de introversão eclesial. (…) [Este sonho] Deriva da nossa fé em Cristo, que se
fez pobre e sempre se aproximou dos pobres e marginalizados (…). Ficar surdo a este clamor, quando somos os
instrumentos de Deus para ouvir o pobre, coloca-nos fora da vontade do Pai e do seu projecto (…).», Papa
Francisco, Evangelii Gaudium, n.
27.186.187.
«A Igreja «em saída» é
a comunidade de discípulos missionários que "primeireiam", que se
envolvem, que acompanham, que frutificam e festejam. Primeireiam – desculpai o neologismo –, que toma a iniciativa! A
comunidade missionária experimenta que o Senhor tomou a iniciativa, que a precedeu
no amor (cf. 1Jo 4,10), e, por isso, ela sabe ir à frente, sabe tomar a
iniciativa sem medo, sabe ir ao encontro, procurar os afastados e chegar às
encruzilhadas dos caminhos para convidar os excluídos. (…) Ousemos um pouco mais quanto a tomar a iniciativa!
«Como consequência,
a Igreja sabe "envolver-se". Jesus lavou os pés aos seus discípulos.
O Senhor envolve-se e envolve os seus, pondo-se de joelhos diante dos outros
para os lavar, mas,
logo a seguir, diz aos discípulos: «Sereis felizes se o puserdes em prática»
(Jo 13,17). Com obras e gestos, a comunidade missionária entra na vida
diária dos outros, encurta as distâncias, abaixa-se – se for
necessário – até à humilhação e assume a vida humana, tocando a carne sofredora
de Cristo no povo. Os evangelizadores contraem assim o «cheiro a ovelha», e
estas escutam a sua voz.
«Em seguida, a
comunidade evangelizadora dispõe-se a «acompanhar». Acompanha a humanidade em
todos os seus processos, por mais duros e demorados que sejam. Conhece as
longas esperas e a fadiga apostólica. A evangelização patenteia
muita paciência, e evita deter-se a considerar as limitações.
«Fiel ao dom do
Senhor, sabe também «frutificar». A comunidade evangelizadora mantém-se atenta
aos frutos, porque o Senhor a quer fecunda. Cuida do trigo e não perde a paz por causa
do joio. O semeador, quando vê surgir o joio no meio do trigo, não
tem reacções de lamentação ou de alarmismo. Encontra a maneira de fazer com que
a Palavra se encarne numa situação concreta e dê frutos de vida nova, apesar de os
frutos serem aparentemente imperfeitos ou defeituosos. O
discípulo sabe oferecer a vida inteira e entregá-la até ao martírio como
testemunho de Jesus Cristo, mas o seu sonho não é estar rodeado de inimigos,
mas antes que a Palavra seja acolhida e manifeste a sua força libertadora e
renovadora.» Papa Francisco, Evangelii
Gaudium, n. 24.
O ideal de uma Igreja
que no seu seio superou toda e qualquer dicotomia
1.
A Igreja
é capaz de se renovar, porque nos alicerces dela está o Espírito de Deus que é transformador
Esta Igreja é capaz
de mudar. Também é capaz de ouvir propostas que questionam. Ela não só é capaz
de as ouvir como também de as concretizar. Esta Igreja, que amo e pela qual
estou entusiasmado, também é capaz de ser a grande alternativa para o futuro
deste mundo, tal como tantas vezes aconteceu no passado.
Por causa disto não
tenho medo de formular esta análise. Também não tenho medo de fazer propostas
que sejam consequência da análise. Se as propostas são boas, o Espírito Santo
nos incentivará à sua concretização. Se elas não prestarem, incentivará outros a
formular propostas melhores.
«Um Deus que constantemente nos chama à conversão,
chama também a Igreja para que ela mude, para que ela sempre de novo se
converta, para que ela não se entrincheire dentro de generalidades piedosas,
por trás de declarações diplomáticas e equilibradas e debaixo de tentativas
legalistas para sustentar o seu próprio poder.
«Um Deus que chama à conversão, está
constantemente a desafiar também a Igreja para que ela se lembre do seu Senhor
Jesus Cristo. Se lembre daquele Senhor que, como todos nós sabemos, proclamou
como dever primordial dos seus seguidores o servir e não o dominar.»[1]
Este Deus
capacitará a Igreja para encontrar o caminho também nesta época pós-moderna,
pós-industrial e até pós-cristã. E por causa disso, podemos começar a imaginar
desde já uma maneira nova de que ela se revestirá no futuro. Podemos imaginar
formas novas que manterão toda a sua riqueza que vem do passado, passado que,
no entanto, não é fardo, empecilho, mas inspiração.
É nesta época,
cheia de promessas, apesar de tantos sinais negativos, que esta Igreja chama de
maneira especial os leigos e as leigas a serem protagonistas de uma nova
evangelização. Evangelização que visa o mundo fora dela, mas que, ao mesmo
tempo, implica a sua própria transformação, à qual a Igreja incentiva os seus
integrantes leigos e leigas, chamando-os a participar de maneira activa e
responsável.
Incentivado pela
convicção de que as palavras que se seguem são mais do que palavras vazias,
tentarei, em seguida, formular dez princípios
para uma Igreja na qual se leve a sério aquilo que os documentos dizem; uma
Igreja que leve a sério aquilo que se encontra nos textos básicos da nossa fé,
uma Igreja em que haja verdadeira comunhão e participação de todos, conforme os
seus carismas e motivada pelo desejo de servir.
2.
Princípios
básicos para uma Igreja em que haja verdadeira comunhão e participação de todos
2.1
Os
ministros exercem as suas funções em comunhão e participação, conforme os seus
respectivos carismas
Numa Igreja assim,
atitudes de "poder" ou de "autoridade" acabam por ser
superadas por atitudes de serviço profético e sacerdotal. No centro do
pensamento há o respeito e a valorização dos carismas, de tal maneira que o seu
organograma não acentue, à maneira de um sistema feudal, os caminhos
autoritários e piramidais herdados por toda uma tradição de atitudes
autoritárias. Atitudes, aliás, que em nada podem ser justificadas se recorrermos
àquele que é o único parâmetro indiscutivelmente válido para todos: Jesus
Cristo, raiz e fundamento de todo o pensamento cristão.
Recordando esse
facto fundamental, será possível, na estrutura da Igreja, superar também os
mecanismos de poder ainda existentes, porque neles reconhecemos restos de um
passado superado, iniciado com Constantino no século IV e terminado com as
interferências dos governos actuais. Todos esses mecanismos querem, muito mais,
uma Igreja de poder hierárquico que manda a partir de uma "mentalidade
jurídica"[2], do que
uma "Igreja fraterna, que renuncia a qualquer pretensão de autoridade
patriarcal dentro dela, tal como propõe o evangelista em Mt 23,3-11".[3]
Em vez de continuar
também no futuro com estruturas, e muitos aspectos, ainda longe daquilo que era
a intenção original de Jesus, devemos ter a coragem de, em nome dele, assumir
reformas. Devemos assumir o risco de redescobrir a dinâmica da comunidade e as
riquezas das decisões
por consenso, e não por decreto.
A partir destes
pressupostos, o organigrama de uma Igreja do século XXI poderia ter a seguinte
estrutura:
Em vez de acentuar
de maneira vertical a pirâmide de poderes, o modelo apresentado acentua a horizontalidade.
A Igreja é, em primeiro lugar, uma comunidade de irmãos e irmãs unidos pela
mesma fé em Jesus Cristo. Nesta comunidade é claro que há diversidade de
tarefas e de actividades. É evidente que é preciso uma estrutura organizativa
de apoio. Essa estrutura, porém, está essencialmente centrada no serviço aos
carismas e aos destinatários das actividades desses carismas. Cada um dos seus
membros é, antes de tudo, reconhecido como sujeito e membro do mesmo Povo de
Deus. Como membro desse Povo é ungido por esse Deus. Como membro do Povo de
Deus é chamado a agir a partir dos seus carismas específicos, mas com um
objectivo comum aos demais: a transformação do mundo rumo à realização
do projecto de Deus. Como centro integrador de toda esta acção
estão os nossos irmãos bispos, que assim deixariam de ser os chefes de um
aparelho administrativo para, de novo, recuperarem a dignidade da sua vocação
original.
Contra o medo de
todos que, a partir de tal organigrama, temem a perda da unidade[4]
e a dispersão da verdade revelada, devemos lembrar com insistência aquilo que José Comblin,
referindo-se ao Concílio Vaticano II, formula de maneira bem clara: «O primeiro
depositário da revelação de Deus é o povo».[5]
Deste Povo, a Constituição Dogmática Lumen
Gentium declara de maneira explícita: «O
conjunto de fiéis, ungidos que são pela unção do Santo (cf. 1Jo
2,20.27), não pode enganar-se no acto de fé»
(LG, n. 12).
Mas o Concílio não
dizia apenas isso. O texto da Lumen
Gentium apresenta, de seguida, uma concepção de Igreja que fundamenta ponto
por ponto o organigrama apresentado atrás:
«Não é apenas mediante os sacramentos e os ministérios que o Espírito Santo santifica e conduz o
Povo de Deus e orna de virtudes, mas, repartindo os seus dons "a cada um
como lhe apraz" (1Cor 12,11), distribui entre os fiéis de qualquer classe
graças especiais. Por elas os torna aptos e prontos a tomar sobre si os vários
trabalhos e ofícios, que contribuem para a renovação e maior incremento da
Igreja, segundo estas palavras: "A cada um é dada a manifestação do Espírito para
utilidade comum" (1Cor 12,7). (LG n. 33).»
Acreditando mais na
profunda verdade aqui expressada, e levando a sério a nossa convicção de que o
Espírito Santo guia a nossa Igreja, não há razão nenhuma para termos medo de
uma reestruturação organizacional profunda. Bem pelo contrário. A partir de tal
esquema, a hierarquia voltaria ao seu lugar de serva dos filhos de Deus e estes
filhos de Deus recuperariam a dignidade e a responsabilidade de ser
instrumentos escolhidos por Deus.
No entanto, acima de todos
estará Deus que cuidará dos nossos caminhos e o seu Espírito será
capaz de corrigir erros cometidos. Tais correcções poderiam ser realizadas de
maneira fraternal, baseadas no respeito e no diálogo, sem punições, sem
exclusões e sem ameaças[6].
É válida a palavra de Jesus: «Entre vós não seja assim»! (Mc 9,35;
10,42-45; Mt 20,25-28; 23,11; Lc 22,24-27)
2.2
Os
Conselhos Pastorais assumem o seu papel verdadeiro de serem lugares de
discussão e de decisão em todas as questões
Deve-se levar a
sério as recomendações da IV Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano, em Santo Domingo (1992). No documento final
dessa Conferência, os bispos recomendam, no nº 98, as seguintes acções:
− «Fomentar a
participação dos leigos nos conselhos pastorais, aos diversos níveis da
estrutura eclesial».
− «Promover os
conselhos de leigos, em plena comunhão com os pastores e em adequada
autonomia…».
− «Estes conselhos
de leigos… podem estabelecer-se em cada diocese, na Igreja de cada país e
abarcar quer os movimentos de apostolado quer os leigos que, estando
comprometidos com a evangelização, não estejam integrados em grupos
apostólicos…».
Encontramos, mais
uma vez, uma realidade na qual tropeçamos amiudadamente: os passos para as
mudanças necessárias já foram estabelecidos nos textos. O que falta é a coragem de
concretizar esses passos na vida das dioceses. O que muitas vezes falta é a
vontade de ir para a frente a partir destes primeiros passos, e
abrir espaço para dimensões novas que os textos não podiam prever.
Pelo contrário, em
muitos lugares verificamos de novo o medo às vezes até irracional de realizar as
recomendações dos documentos oficiais. Da coragem de dar passos inovadores rumo
a um futuro diferente, nem vamos falar. No entanto, tais passos são possíveis,
e até já foram dados. É através deles que as coisas mudam e por meio deles que
o Espírito não é Espírito de medo para garantir situações estabelecidas. Ele é,
muito mais, transformador incómodo para todos os guardiões das situações
estabelecidas. O seu horizonte é o novo e o seu caminho é a transformação.
Há lugares onde se
deram os primeiros passos rumo a tais estruturas novas. Há bispos corajosos e
cristãos, ordenados ou não ordenados, visionários, que já começaram a preparar
o novo ser da Igreja do futuro, baseada na comunhão e participação de todos.
Mas, depois dos passos iniciais, muitas vezes falta a coragem de dar os passos
seguintes. As iniciativas esgotam-se e o entusiasmo deixa-se estrangular por
exigências legalistas e por censuras em nome da velha disciplina. Ora, acontece
que, em nome desta disciplina, é possível sufocar o vento do Espírito e apagar
o seu fogo.
De nada adianta termos conselhos de
pastoral,
quando esses conselhos são meros ouvintes daquilo que as autoridades transmitem
e declaram. Em pouco tempo, os elementos críticos deles irão embora e, dentro
da nova autonomia do cristão de hoje, vão à procura de outros campos de
actividades. Campos nos quais poderão agir da mesma maneira, como eles e elas
se acostumaram a agir na vida profissional: com competência e responsabilidade,
tomando decisões e deliberando sobre assuntos discutidos.
É precisamente isso
que em inúmeros grémios da nossa Igreja se teme. Os leigos e as leigas podem ter
Conselhos, mas eles não têm possibilidade nenhuma de participar das decisões.
Esta atitude não deixa transparecer um pingo de comunhão e participação, e, por
causa disso, deve ser mudada. Os leigos e as
leigas de hoje e do futuro já não são as ovelhas de ontem: exigem
participação verdadeira. Caso esta participação não lhes seja dada, vão embora,
e ficamos
com as ovelhas que procuram segurança dentro dos muros de um gueto. À nossa volta,
porém, aqueles que rejeitámos construirão um mundo novo, o mundo do futuro, um
mundo ao qual a Igreja teria tanto a dizer, mas do qual ela própria se exclui,
porque exclui aqueles que se acostumaram a ser aceites e respeitados como
construtores responsáveis deste mundo. Eles queriam integrar a Igreja nele, mas
como a Igreja os excluiu dos seus grémios deliberativos, (…).
Renold
Blank
Teólogo,
professor de "Escatologia, Teologia da Revelação e Antropologia" na
Pontifícia Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção, no Instituto
Teológico de São Paulo (ITESP) e na Pontifícia Universidade Católica de
Campinas (PUCCAMP).
[1] Renold J. Blank, «Ein
Gott der alle Fesseln sprengt», Mainz: Grünewald, 1995.
[2] Cf.
Ernst Benz, «Descrição do cristianismo»,
Petrópolis, Vozes, 1995, p. 127.
[3] Paul
Hoffmann, «A herança de Jesus e o poder na Igreja»,
São Paulo, Paulus, 1998, p. 81. (Cf. também At 20; 1Pe; Tg; Ef 4; 1Cor 12; Rm
12)
[4] Não foi o
Bispo de Évreux, Jacques Gaillot, que foi acusado de «romper a unidade»? E por que tipo de motivos?
«Et l’Eglise
dans tout cela? Prenons comme exemple ce qui s’est passé le 23 août 1996 quand
presque mille CRS et autres policiers ont forcé à coups de haches les
portes de l’Eglise Saint Bernard de la Chapelle à Paris pour en faire
sortir de force trois cents étrangers en
situation irrégulière. J’étais en colère et scandalisé, car l’évêque avait demandé leur expulsion.
Et quand on expulse des êtres humains qui demandent protection dans une église,
on désacralise cette église.»
[5] Diz José
Comblin em «O Povo de Deus» (São Paulo,
Paulus, 2002 e 32011, p. 381-382): «Ora, o Vaticano II reconheceu
que o primeiro depositário da revelação de Deus é o povo. "O conjunto dos fiéis, ungidos que são pela
unção do Santo (cf. 1Jo 2,20.27), não pode enganar-se no acto de fé. É
manifesta esta sua propriedade peculiar mediante o senso sobrenatural da fé de
todo o povo quando, ‘desde os bispos até aos últimos fiéis leigos’,
apresenta um consenso universal sobre
questões de fé e costumes"»; cf. Lumen Gentium
12. A citação sublinhada é de S. Agostinho, De prædestin. Sanct., 14,27, PL 44,980.
[6] Em quantas
Comunidades os padres não são prepotentes ou, então, subtilmente manipulam os leigos
de modo a «controlar para reinar» …