«A IGREJA E A SEXUALIDADE»
«PRÓS & CONTRAS» - RTP1 - 2
JUNHO 2014
«As perspectivas socioculturais
relevam que o sexo se converteu, no Ocidente, no tema
central, após 25 séculos de ter estado soterrado. Alguns valorizaram
a perspectiva behaviorista (de mero estímulo-resposta) como o cume de uma
mentalidade «técnica» que reduz muitos dos aspectos humanos ao nível
do how to, por exemplo, com que ferramenta
técnica atingir determinado grau de prazer. Na libertação da sexualidade viu-se
o oposto da repressão controladora.
Actualmente, por vezes tem mais audiência o ponto de vista higienista ou o
semiológico. O primeiro revelar-se-ia na presumível «asséptica» das sex shops;
o segundo, no fetichismo da pornografia. Para os articulistas, falta o aspecto
personalista do encontro e o ponto de vista vitalista e sacralizante do ritmo
cósmico. Nas culturas extra-europeias sublinhou-se mais a importância ancestral
de aspectos como a dança. Não estará, o Ocidente, hoje em dia, a compensar os
inconvenientes duma civilização industrial mediante revalorizações ambíguas da
sexualidade? Paradoxalmente, o fez com os modelos consumistas ou informacionais
desta sociedade.»
(…)
História da tradição teológica
«Quando, ao tratar
da sexualidade no âmbito dos estudos de teologia moral cristã, se têm em conta estas
reflexões antropológicas – aqui apenas esboçadas [a sexualidade com quatro características:
1) prazenteira; 2) pessoal; 3) procriadora; 4) paradoxal] – é
necessário que sejam acompanhadas de uma revisão da história da própria
tradição teológica, em suas luzes e sombras. Não é este o lugar e o momento
para desenvolver aquilo que seria matéria para um curso, mas nunca será demais
recordar, nem que seja sumariamente a título de exemplo, alguns tópicos, tais
como:
S. Agostinho
justapõe, sem as fundir, duas definições de matrimónio:
a. Somente
para procriar;[1]
aquilo que a alimentação representa para a saúde do indivíduo, o sexo o seria
para a espécie. Acrescenta que a concupiscência é uma inclinação originária
para o mal; porém, pensa que, caso ela seja para procriar, seria permitido o
bom uso de algo que lhe parece originariamente mau.
b. Comunhão
de amizade espiritual
entre cônjuges (em determinado momento, chega a dizer que, idealmente, deveria
ser amizade sem sexualidade).[2]
S. Tomás de Aquino
assinala dois aspectos da visão do matrimónio: para o bem da espécie; como
ajuda mútua e bem da sociedade. Não fala de fim primário e de fim
secundário do matrimónio, mas abre a porta a que, mais adiante, se faça tal
distinção, tão repetida em muitos manuais tradicionais durante tanto tempo.
De S. Tomás até
1930, a pouco e pouco, vai-se abrindo caminho a uma maneira, um pouco mais
ampla, de compreender a sexualidade, sem a cingir unicamente ao objectivo da
procriação. Isto acontece a meados do século XV. No século XVII, tal começa a
ser admitido com reticências. Porém, passa muito tempo até que se reconheça que
o desfrute do prazer não se opõe ao ideal cristão do matrimónio. Seja como for,
matiza-se tal afirmação com um acrescento: «desde que não se exclua a
procriação».
No século XIX, esta
posição surge nos livros de texto.[3]
Começa a aceitar-se o amor mútuo como razão da relação sexual, contanto que não
se excluía a procriação. Um novo passo é dado em 1854: o bispo de Amiens envia
uma pergunta a Roma acerca da continência periódica. Respondem-lhe que deixe em
paz os esposos e não intervenha nessas questões sem que haja necessidade. Em
1880, redige-se uma prudente recomendação deste método por parte da Sagrada
Penitenciária Romana, na medida em que parece preferível a continência
periódica ao coito interrompido. No contexto da época, e face ao lastro oriundo
da tradição que se arrastava, tratava-se duma mudança notável, na medida em
que se admitia a intenção de evitar a procriação. Passava-se da «promoção da
procriação» à sua «não exclusão» e, daí, à admissão da possibilidade de a
«evitar».
Em 1930, a encíclica Casti
connubii, de
Pio XI, constituiu um travão a este avanço e, em grande medida, constituiu um
retrocesso.
Ela insistiu na finalidade principal do sentido do matrimónio que deveria ser
procriar e criar. É certo que aludia, de modo vago, à mútua complementaridade e
à comunidade de vida dos esposos. Porém sublinhava a diferença entre o chamado
«fim primário do matrimónio» (procriar) e o «secundário» (amor mútuo),
acrescentando, para piorar as coisas, como um fim suplementar, aquilo que em latim era conhecido como o "remedium
concupiscentiæ": acalmar a concupiscência. Para além disso, ao
falar da relação sexual, continuava a acentuar a terminologia escolástica do
«acto natural» (actus
naturæ) e sublinhava a importância de preservar a «natureza
intrínseca do acto». Este paradigma mental foi ocasião de muitos
mal-entendidos durante muito tempo.
O Vaticano II
desenha um novo paradigma, o da «paternidade responsável»: em vez de sublinhar
a «natureza de cada acto», realça o conjunto de valores a preservar no cômputo
dos actos da pessoa. Apercebemo-nos do valor positivo que o Vaticano II concede
ao valor pessoal da intimidade sexual. A integração é, finalmente, conseguida.
O sexo é, então, entendido como expressão duma relação de amor total, com
sentido procriativo em termos genéricos (sem necessidade
de que se cumpra esta finalidade em cada acto particular).
Deu-se uma transição de paradigma mental: do paradigma que acentuava os «actos
naturais» (actus
naturæ) ao que se focava na natureza do acto (natura actus) e, finalmente,
rumo àquele que dava prioridade aos «actos da pessoa» (actus personæ).
Porém,
posteriormente, com as encíclicas Humanæ Vitæ (Paulo VI, 1968) e Familiaris Consortio
(João Paulo II, 1981) fez-se marcha atrás. Insistiu-se, de novo, no acto
externo, em cada acto, e no biológico desligado do pessoal. Para além disso,
trabalha-se com uma visão estreita do natural e do artificial.
Ora, o artificial não equivale a antinatural; quer
o mal «natural», quer o mal artificial podem ser antinaturais, caso sejam
irracionais e irresponsáveis.
Reflectindo sobre
esta visão retrospectiva da tradição teológica, Lisa S. Cahill vê os seus
aspectos mais positivos na articulação harmónica do prazer, do procriar e do pessoal
(sexual
pleasure, reproduction, intimacy); ao mesmo tempo que toca no calcanhar de
Aquiles daquela tradição: a que insiste na exigência da realização
de tal articulação em cada acto individual, em vez de a ver conseguida na
totalidade da vida e da relação.» (Juan Masiá,
sj, «Cuidar la Vida», Herder/Religión Digital Libros, 2012)
«A IGREJA E A SEXUALIDADE»
«PRÓS & CONTRAS» - RTP1 - 2
JUNHO 2014
VÍDEO:
“O celibato dos padres não é um
dogma”!
- a frase
é do Papa Francisco e abre caminho ao debate. Um desafio humano e social.
Como é que a Igreja enfrenta a
sexualidade no século XXI?
A contracepção.
A homossexualidade.
O casamento dos padres.
A Igreja e a Sexualidade.
Confira a Crónica de Anselmo Borges
«O CELIBATO NÃO É DOGMA»
por Anselmo Borges
"Diário de Notícias", 21
Junho 2014