O HOMEM, ANIMAL NARCÍSICO
Prof. António
Coimbra de Matos
Disfarces de Amor: um Estudo sobre
Relacionamentos Amorosos e Vulnerabilidades Narcísicas, de Isabel
Mesquita, é uma obra densa, reflectida, indagante e expansível sobre o amor e a
sua falta – o amor falho, o amor que não se teve na justa e necessária medida,
no tempo certo e na qualidade adequada.
O amor que se
recebe e o amor que se dá. O amor passivo e captativo; e o amor activo e
oblativo. O amor que nos constrói e dá forma; bondade, beleza e verdade;
completude, coesão, continuidade e determinância; fé, esperança e entusiasmo;
força, valor e significado; criatividade e futuro – Amor que é o amor
incondicional do outro; e que só esse amor estrutura um amor-próprio sólido,
seguro e fiável capaz de nos auto-sustentar no voo do amor mútuo, complementar,
insaturado e criador do par de amantes.
Subordinar a
qualidade do amor conjugal à substância
madura do cavername narcísico – uma auto-estima consciente e uma
regulação narcísica autárcica – é o que a autora propõe como hipótese e que
demonstra como tese. Não se fazem omeletas sem ovos; não há relações amorosas
sãs e salutogéneas sem indivíduos com narcisismo são e saudável.
Donde, a
vulnerabilidade narcísea conduz sempre a relacionamentos amorosos perturbados e
perturbantes, porque desviados e desviantes no sentido e no propósito de
compensar e reparar o atraso desenvolvimental e a ferida narcísica. São
relações pseudo-amorosas − "disfarces de amor", como diz Isabel −,
cuja finalidade não é a realização de amor e a criação, mas, isso sim,
"visam o reparo da vulnerabilidade narcísica", confirma Isabel
Mesquita.
(...)
Assim, a
perturbação narcísica fundamental, aquela em que assentam todas as outras, é a insuficiência
narcísica, a insuficiente valorização do próprio. Pouco valorizado
(não narcisado) e/ou desvalorizado (desnarcisado) pelos outros – a começar
pelos objectos fundadores do Self (os
pais ou seus substitutos) −, o sujeito não aprende a
valorizar-se/auto-valorizar-se (narcisar-se), desiste de o fazer ou mesmo
desvaloriza-se sistematicamente.
Deste défice de
auto-estima ou falha narcísica – primária ou básica e secundária ou fálica (da auto-imagem como pessoa ou da auto-imagem
sexuada, como homem ou mulher), configurando uma fragilidade e incompletude
identitárias, o defeito narcísico-identitário – resulta a vulnerabilidade
narcísica, tema central da tese de Isabel Mesquita, e sua repercussão nos
relacionamentos amorosos do adulto.
A relação amorosa,
tolhida pela deficiente compleição narcísea, é vivida na exigência de uma
reparação da ferida narcísica, como a autora o sublinha. O paciente, o ferido
na sua auto-estima, procura – explícita ou, a mor das vezes, implicitamente −,
não uma verdadeira relação de amor (recíproca, complementar e
criativa),
mas, sim, uma relação de "completação", como Isabel, e muito bem,
designa. Uma relação em que o outro é: (1) um objecto de adorno, de decoração
do self baço, sem graça ou deformado
(«se és feio, arranja uma mulher bonita; se és estúpido, junta-te a
intelectuais»); (2) um admirador que puxa o lustro ao sujeito porque
este não tem brilho; (3) um instrumento – uma "prótese", como diz Isabel
Mesquita – para suprir as deficiências do próprio; ou (4) um parceiro onde projectar
os defeitos próprios ("um escarrador para cuspir a sua
estupidez").
São muitas as
variedades dos disfarces do amor, na
designação da autora. Múltiplas as farsas que a personagem, consciente ou
inconscientemente, congemina. Mas a intenção profunda é sempre a mesma: reparar
a lesão narcísica, restaurar o Self (Self
Restoration, de Heinz Kohut, de 1977, é a obra seminal da mudança para um
paradigma relacional da investigação e da praxis da psicanálise), enfim,
compensar – pois de compensação se trata e não de uma cura ou resolução − as
lacunas e as deformações narcísicas.
(...)
[pp.13]
«DISFARCES DE AMOR. Relacionamentos Amorosos e Vulnerabilidade
Narcísica»
Por Isabel Mesquita
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ISBN 978-972-796-335-5