teologia para leigos

13 de junho de 2014

SÓ OU MAL-ACOMPANHADO?

O HOMEM, ANIMAL NARCÍSICO

Prof. António Coimbra de Matos





Disfarces de Amor: um Estudo sobre Relacionamentos Amorosos e Vulnerabilidades Narcísicas, de Isabel Mesquita, é uma obra densa, reflectida, indagante e expansível sobre o amor e a sua falta – o amor falho, o amor que não se teve na justa e necessária medida, no tempo certo e na qualidade adequada.

O amor que se recebe e o amor que se dá. O amor passivo e captativo; e o amor activo e oblativo. O amor que nos constrói e dá forma; bondade, beleza e verdade; completude, coesão, continuidade e determinância; fé, esperança e entusiasmo; força, valor e significado; criatividade e futuro – Amor que é o amor incondicional do outro; e que só esse amor estrutura um amor-próprio sólido, seguro e fiável capaz de nos auto-sustentar no voo do amor mútuo, complementar, insaturado e criador do par de amantes.

Subordinar a qualidade do amor conjugal à substância madura do cavername narcísico – uma auto-estima consciente e uma regulação narcísica autárcica – é o que a autora propõe como hipótese e que demonstra como tese. Não se fazem omeletas sem ovos; não há relações amorosas sãs e salutogéneas sem indivíduos com narcisismo são e saudável.

Donde, a vulnerabilidade narcísea conduz sempre a relacionamentos amorosos perturbados e perturbantes, porque desviados e desviantes no sentido e no propósito de compensar e reparar o atraso desenvolvimental e a ferida narcísica. São relações pseudo-amorosas − "disfarces de amor", como diz Isabel −, cuja finalidade não é a realização de amor e a criação, mas, isso sim, "visam o reparo da vulnerabilidade narcísica", confirma Isabel Mesquita.

(...)


Assim, a perturbação narcísica fundamental, aquela em que assentam todas as outras, é a insuficiência narcísica, a insuficiente valorização do próprio. Pouco valorizado (não narcisado) e/ou desvalorizado (desnarcisado) pelos outros – a começar pelos objectos fundadores do Self (os pais ou seus substitutos) −, o sujeito não aprende a valorizar-se/auto-valorizar-se (narcisar-se), desiste de o fazer ou mesmo desvaloriza-se sistematicamente.

Deste défice de auto-estima ou falha narcísica – primária  ou básica e secundária ou fálica (da auto-imagem como pessoa ou da auto-imagem sexuada, como homem ou mulher), configurando uma fragilidade e incompletude identitárias, o defeito narcísico-identitário – resulta a vulnerabilidade narcísica, tema central da tese de Isabel Mesquita, e sua repercussão nos relacionamentos amorosos do adulto.

A relação amorosa, tolhida pela deficiente compleição narcísea, é vivida na exigência de uma reparação da ferida narcísica, como a autora o sublinha. O paciente, o ferido na sua auto-estima, procura – explícita ou, a mor das vezes, implicitamente −, não uma verdadeira relação de amor (recíproca, complementar e criativa), mas, sim, uma relação de "completação", como Isabel, e muito bem, designa. Uma relação em que o outro é: (1) um objecto de adorno, de decoração do self baço, sem graça ou deformado («se és feio, arranja uma mulher bonita; se és estúpido, junta-te a intelectuais»); (2) um admirador que puxa o lustro ao sujeito porque este não tem brilho; (3) um instrumento – uma "prótese", como diz Isabel Mesquita – para suprir as deficiências do próprio; ou (4) um parceiro onde projectar os defeitos próprios ("um escarrador para cuspir a sua estupidez").

São muitas as variedades dos disfarces do amor, na designação da autora. Múltiplas as farsas que a personagem, consciente ou inconscientemente, congemina. Mas a intenção profunda é sempre a mesma: reparar a lesão narcísica, restaurar o Self (Self Restoration, de Heinz Kohut, de 1977, é a obra seminal da mudança para um paradigma relacional da investigação e da praxis da psicanálise), enfim, compensar – pois de compensação se trata e não de uma cura ou resolução − as lacunas e as deformações narcísicas.

(...)

[pp.13]





«DISFARCES DE AMOR. Relacionamentos Amorosos e Vulnerabilidade Narcísica»
Por Isabel Mesquita
CLIMEPSI editores – Rua do Vale Formoso, 37 / 1959-006 LISBOA
ISBN 978-972-796-335-5