teologia para leigos

24 de maio de 2012

ENTÃO SAIREMOS!


Se ficar no euro significar a destruição da Grécia, sairemos. 

Sofia Sakorafa [ex-Pasok], no Partido Syriza



Sofia Sakorafa, uma popular deputada do Syriza que veio do Pasok.

A questão da saída/fim do euro está cada vez mais presente no debate, até porque a realidade imparável de mais de 20% de desemprego e de colapso económico causados pela austeridade tem muita força, acelerando a erosão de duas décadas de propaganda ideológica e de complacência intelectual por todas as periferias. Antes de revisitar alguns dos seus termos, gostaria de dizer que do ponto de vista político me parece haver convergências fundamentais e mobilizadoras a montante em partidos e movimentos transformadores e plurais – a necessidade de uma profunda reestruturação da dívida, usando-a também como instrumento negocial de periferias que recusam a austeridade imposta de fora e aceite pelas elites de dentro; a necessidade de não anatematizar nenhuma posição a jusante, descrevendo-a como “nacionalista” ou como “euro-idiota”, por exemplo.

A jusante há então muito que só o debate e a aceleração da história clarificarão, quer sobre a possibilidade de usar esta arma negocial e ficar dentro do euro, quer sobre as vantagens de ficar no euro mesmo que algumas das reformas propostas sejam aceites – penso na emissão de um arremedo de euro-obrigações, a tal metáfora de um Plano Marshall que até num PSD desmemoriado faz o seu tardio caminho, assim se reconhecendo implicitamente o fracasso da austeridade.

O problema é que neste contexto político e nestas estruturas europeias, no quadro de um tipo de federalismo que já é o nosso desde que aderimos ao euro e transferimos soberania para instituições supranacionais anti-democráticas, estamos mais perto do projecto de um Trichet para reforçar os mecanismos de governo directo, dito de excepção, das periferias pelo centro europeu do que qualquer outra coisa. De resto, como se conseguirá tocar num BCE pirómano ou resolver o problema dos desequilíbrios estruturais nas relações económicas, o que exigiria, por exemplo, quebrar as sacrossantas e liberais regras do mercado interno, por forma a permitir políticas de discriminação fiscal e outras políticas industriais?

Encarar o fim de um euro que se revela irreformável de cima a baixo é encarar um processo complexo, tantas são as variáveis em jogo e as modalidades de saída e de reconstrução de um princípio de coordenação monetária entre nações soberanas: taxas de câmbio fixas, mas ajustáveis, em função dos desequilíbrios, o que exige controlo de capitais e coordenação entre bancos centrais e entre estes e um qualquer fundo monetário europeu, por exemplo.

Entretanto, podemos considerar alguns exercícios comparativos que têm sido apresentados, usando sobretudo a Grécia, a Argentina e a Islândia. Já sabemos que estes dois últimos países, muito diferentes entre si, até em dimensão, recuperaram de uma crise brutal porque enfrentaram os credores internacionais, usaram a desvalorização cambial e reinstituíram controlos de capitais. Um tripé com várias declinações institucionais potenciais.

São exemplos que nos dizem algo que já tínhamos obrigação de saber pela experiência portuguesa na democracia até à década de noventa: a desvalorização cambial pode ser um instrumento muito útil de ajustamento, no quadro do controlo de capitais, para corrigir desequilíbrios externos, aumentando exportações e diminuindo importações e gerando crescimento e emprego, lembrando que o pico do desemprego foi inferior a 8% nesse país distante.

Assim se protegem muito mais os trabalhadores e a recuperação do seu poder de compra do que com a alternativa da desvalorização pela austeridade, do desemprego de um milhão de pessoas no nosso país, da desregulamentação laboral ou do sacrifício dos funcionários públicos portugueses, que no euro já perderam 30% do seu poder de compra, com os privados a copiar sem que o desemprego dê sinais de abrandar, claro.

A comparação da Grécia com a Argentina, em termos de capacidade exportadora, ou com a Islândia, em termos de recuperação económica e de quebra do poder de compra dos salários, é esclarecedora. Três gráficos ilustrativos:





Note-se que a recuperação da capacidade exportadora argentina foi só uma parte, e não a mais importante, de uma recuperação que dependeu essencialmente do mercado interno.






Aconselha-se então a leitura das análises comparativas dos economistas Bill MitchellMike Weisbrot, versões heterodoxas com convergências com as análises mais convencionais de Krugman ou de Roubini (em português). É claro que a Argentina e a Islândia tinham e têm moeda própria. A Argentina tinha e tem um sistema financeiro relativamente pouco integrado, mas a Islândia não.
Os custos de transição para a nova moeda são certamente elevados no curto prazo, muito dependendo da capacidade política interna e externa revelada numa situação em que não há saídas fáceis.

O fim do euro nas periferias poderá facilitar uma ruptura com o processo de financeirização, com o comando de bancos ditos privados, com a “liberdade” irrestrita de capitais e com todo o cortejo de desequilíbrios económicos assim gerados, colocando a banca pública e o Banco Central de novo no centro de uma acção monetária e financeira mais funcionais.

Sem combater a maldição do financiamento por poupança externa, associada a uma moeda demasiado forte num quadro de liberalização financeira, continuar-se-á numa trajectória de dependência que acabará com qualquer vestígio de soberania democrática e de possibilidade de desenvolvimento.

Encarar a possibilidade desta experiência monetária ter um fim nacional criará outra margem de manobra política para forçar a renegociação de tudo o que conta com coragem, dignidade e esperança.

20 Maio 2012