O PARADIGMA PASCAL
«A história de Jesus serve de paradigma
para a história universal na sua caminhada para o reino eterno. Essa história
não caminha rectilineamente para um fim bom. Ela avança por crises e
enfrentamentos. O Reino do não-homem organiza-se segundo a recusa e a oposição
ao Reino de Deus. A justiça de Deus abre caminho por entre os muros da
repressão. A libertação faz-se superando, com enormes custos, as opressões. Em
tudo isso, ocorrem conflitos, dilacerações, sacrifícios sem conta e martírios. O sofrimento assumido na luta contra o sofrimento, que procura
a sua superação, é digno e dignificante.
«A História, na linha do mistério pascal,
urde-se através da luta de Cristo contra o Anti-Cristo. O final feliz e o
nascimento do novo céu e da nova terra passam pelas dores do parto cósmico,
pelo qual a criação inteira, finalmente, será acrisolada. Esta
consideração liberta-nos de qualquer tipo de evolucionismo ingénuo.
Tudo leva a crer que, na seara da História, joio e trigo crescerão sempre
juntos até ao embate final (Mt 13, 30), altura em que se dará a síntese
definitiva. Então, a ressurreição triunfará para sempre sobre a morte e haverá
o reino da paz e da liberdade dos filhos de Deus.
«Cada existência humana é estruturada pelo dinamismo pascal: tudo tem um preço a pagar.
A vida nunca surge acabada, pronta, dada. A vida é uma tarefa a ser realizada
dia a dia. Os obstáculos têm de ser superados, os desejos são frustrados, cada
um tem de aprender a renunciar e a aceitar, abrindo caminho para ascensões
humanizadoras. Muitas vezes verificamos que há dimensões do mundo e do nosso
próprio coração que somente se revelam, e nos enriquecem, quando
o sofrimento nos penetra como uma faca e quando as crises nos
libertam de muita ganga acumulada.
«As crises pertencem à estrutura da vida em
crescimento contínuo. As crises significam oportunidade de penetração em horizontes
novos: um arranjo existencial que havíamos penosamente construído começa a
desvanecer-se e deixa de conferir sentido às experiências novas que nos
sobrevêm; as estrelas norteadoras da nossa caminhada obnubilam-se; começamos a
entrar em crise; sentimo-nos ameaçados e desorientados; um sofrimento secreto –
amargura, desesperança – começa a macerar o nosso coração.
«Porém, a crise oferece-nos uma
oportunidade única de acrisolamento da vida: ficamos apenas com o que realmente
conta, o cerne, as intuições fundamentais. A decisão abre um espaço novo e cria
uma síntese vital capaz de animar a existência. A
crise foi uma experiência de paixão, morte e ressurreição.
«Toda a trajectória humana vem marcada por
esta estrutura pascal.
«Em todo o processo de libertação fazemos a
mesma experiência pascal.
«Como diziam os antigos cristãos: "mais vale a glória de uma morte violenta que o gozo de
uma liberdade maldita".» (Cont.)
Leonardo Boff, ofm
«Via-sacra da ressurreição – a paixão, a morte e a ressurreição na vida
de cada pessoa», VOZES 1983.