teologia para leigos

14 de abril de 2017

VIA-SACRA DA RESSURREIÇÃO [L. BOFF]

 
Ana Bateira @2002


O PARADIGMA PASCAL


«A história de Jesus serve de paradigma para a história universal na sua caminhada para o reino eterno. Essa história não caminha rectilineamente para um fim bom. Ela avança por crises e enfrentamentos. O Reino do não-homem organiza-se segundo a recusa e a oposição ao Reino de Deus. A justiça de Deus abre caminho por entre os muros da repressão. A libertação faz-se superando, com enormes custos, as opressões. Em tudo isso, ocorrem conflitos, dilacerações, sacrifícios sem conta e martírios. O sofrimento assumido na luta contra o sofrimento, que procura a sua superação, é digno e dignificante.

«A História, na linha do mistério pascal, urde-se através da luta de Cristo contra o Anti-Cristo. O final feliz e o nascimento do novo céu e da nova terra passam pelas dores do parto cósmico, pelo qual a criação inteira, finalmente, será acrisolada. Esta consideração liberta-nos de qualquer tipo de evolucionismo ingénuo. Tudo leva a crer que, na seara da História, joio e trigo crescerão sempre juntos até ao embate final (Mt 13, 30), altura em que se dará a síntese definitiva. Então, a ressurreição triunfará para sempre sobre a morte e haverá o reino da paz e da liberdade dos filhos de Deus.

«Cada existência humana é estruturada pelo dinamismo pascal: tudo tem um preço a pagar. A vida nunca surge acabada, pronta, dada. A vida é uma tarefa a ser realizada dia a dia. Os obstáculos têm de ser superados, os desejos são frustrados, cada um tem de aprender a renunciar e a aceitar, abrindo caminho para ascensões humanizadoras. Muitas vezes verificamos que há dimensões do mundo e do nosso próprio coração que somente se revelam, e nos enriquecem, quando o sofrimento nos penetra como uma faca e quando as crises nos libertam de muita ganga acumulada.

«As crises pertencem à estrutura da vida em crescimento contínuo. As crises significam oportunidade de penetração em horizontes novos: um arranjo existencial que havíamos penosamente construído começa a desvanecer-se e deixa de conferir sentido às experiências novas que nos sobrevêm; as estrelas norteadoras da nossa caminhada obnubilam-se; começamos a entrar em crise; sentimo-nos ameaçados e desorientados; um sofrimento secreto – amargura, desesperança – começa a macerar o nosso coração.

«Porém, a crise oferece-nos uma oportunidade única de acrisolamento da vida: ficamos apenas com o que realmente conta, o cerne, as intuições fundamentais. A decisão abre um espaço novo e cria uma síntese vital capaz de animar a existência. A crise foi uma experiência de paixão, morte e ressurreição.

«Toda a trajectória humana vem marcada por esta estrutura pascal.

«Em todo o processo de libertação fazemos a mesma experiência pascal.

«Como diziam os antigos cristãos: "mais vale a glória de uma morte violenta que o gozo de uma liberdade maldita".» (Cont.)


Leonardo Boff, ofm
«Via-sacra da ressurreição – a paixão, a morte e a ressurreição na vida de cada pessoa», VOZES 1983.