(cont.)
«Na
continuação da Parábola do Semeador vem a célebre parábola do grão de mostarda:
«Dizia também: "Com que havemos de
comparar o Reino de Deus? Ou com qual parábola o representaremos?
É como um grão de mostarda que, ao ser deitado à terra, é a mais pequena de
todas as sementes que existem; mas, uma vez semeado, cresce,
transforma-se na maior de todas as plantas do horto e estende tanto os ramos, que
as aves do céu se podem abrigar à sua sombra".» (Mc 4, 30-32)
O
texto faz questão de sublinhar que se trata da «mais pequena das sementes» que
se transforma na «maior das hortaliças». É um tema com longa tradição na
história do povo hebreu: fora simbolizado pela luta do pastor David e a sua
fisga contra o gigante Golias e a sua pesada armadura. Ezequiel tinha-o
exprimido muito graficamente: «Eu próprio tomarei do cimo do cedro, do alto dos
seus ramos colherei
um broto, e plantá-la-ei num monte bastante alto. Plantá-la-ei na
montanha elevada de Israel: deitará ramos, produzirá frutos e tornar-se-á um cedro
magnífico». (Ez 17, 22-23)
O
Reino de Deus surge da acção dos mais pequenos, ou seja, dos mais pobres, dos
mais miseráveis, dos deserdados, dos sem poder. A princípio, a sua prática
passará desapercebida, não dará nas vistas, será sem importância: fará o seu
trabalho silenciosamente, debaixo da terra, até que romperá à flor da terra e
então crescerá sem parar até se transformar na acção mais poderosa. Tudo
transformará.
O
Reino vem de baixo, não de cima. A prática da libertação é a prática do
oprimido e não do opressor, do servo e não do senhor, do escravo e não do amo.
Jesus confia na semeadura que ele realiza nos sectores marginalizados, entre os
camponeses, entre os deserdados. É de aí que sairá o impulso imparável da
libertação. Trata-se da construção do poder
popular que é o poder de Deus, porque Deus está no povo.
A
planta tem algumas propriedades especiais, pois é a mostarda, a qual, como diz Plínio o Velho,
"com o seu gosto picante e seu efeito fogoso é extremamente benéfica para
a saúde. Cresce em estado totalmente selvagem, ainda que melhore se for
transplantada. Porém, depois de semeada, só se for destruída, pois, quando cai,
imediatamente a semente começa a germinar" (cit. em Jbr, p. 96).
Primeiro,
a planta tem qualidades terapêuticas pelas quais é apta para simbolizar o
projecto do Reino de Deus. Uma das acções mais frequentes de Jesus é a cura de
doenças, é sarar, é restabelecer a saúde corporal e espiritual. Com a realização
da nova sociedade que o Reino simboliza, os seres humanos estarão livres de
deformidades, de enfermidades, como acontece numa sociedade submetida ao
domínio imperial e sacerdotal.
A
planta cresce sob dois tipos de estado: silvestre e doméstico. Ela cresce, quer
nos terrenos onde pasta o gado, quer nas hortas, nos campos de lavradio. Isto
significa que não adianta impor-lhe grilhetas, limites, pois facilmente ela os
quebrará, saltará por cima da cerca da horta e irá pelos baldios dos potros.
Não existe organização que possa ter um perfeito controlo sobre ela: dará
sempre a volta aos jardineiros. O Reino é assim:
supera todas as fronteiras, os empecilhos, os dogmas que lhe queiram impor.
Mas
a característica mais inquietante é a de ser invasora, pelo que "a única
solução possível é livrarem-se dela". É comparável à graminheira, uma
verdadeira praga para os semeadores, o terror dos agricultores. Estende as
raízes por todo o lado, secando as sementeiras, reproduzindo-se sem cessar.
Mesmo que arrancada, desde que fique uma pequena raiz, propaga-se infinitamente.
O agricultor deve arrancá-la e deixar-lhe a raiz ao sol até que seque: é a
única maneira de se ver livre dela.
Assim
é o Reino. Cresce a partir de baixo, por baixo, em rizoma, imperceptivelmente,
no oculto e propaga-se sem cessar. Grupos e grupos, comunidades e comunidades
continuamente se formam; formam redes que a partir de baixo vão minando o poder
opressor, os grandes monstros, como
os descreverá a literatura apocalíptica. Assim se estendem as comunidades
cristãs na geografia do vasto Império romano. (…)»
Rubén Dri
Professor e Investigador de Ciências
Sociais da Universidade de Buenos Aires.
[pp. 54]