teologia para leigos

26 de setembro de 2016

DEVOLVER JESUS AO POVO 2/5




(cont.)

«Na continuação da Parábola do Semeador vem a célebre parábola do grão de mostarda:

«Dizia também: "Com que havemos de comparar o Reino de Deus? Ou com qual parábola o representaremos? É como um grão de mostarda que, ao ser deitado à terra, é a mais pequena de todas as sementes que existem; mas, uma vez semeado, cresce, transforma-se na maior de todas as plantas do horto e estende tanto os ramos, que as aves do céu se podem abrigar à sua sombra".» (Mc 4, 30-32)

O texto faz questão de sublinhar que se trata da «mais pequena das sementes» que se transforma na «maior das hortaliças». É um tema com longa tradição na história do povo hebreu: fora simbolizado pela luta do pastor David e a sua fisga contra o gigante Golias e a sua pesada armadura. Ezequiel tinha-o exprimido muito graficamente: «Eu próprio tomarei do cimo do cedro, do alto dos seus ramos colherei um broto, e plantá-la-ei num monte bastante alto. Plantá-la-ei na montanha elevada de Israel: deitará ramos, produzirá frutos e tornar-se-á um cedro magnífico». (Ez 17, 22-23)

O Reino de Deus surge da acção dos mais pequenos, ou seja, dos mais pobres, dos mais miseráveis, dos deserdados, dos sem poder. A princípio, a sua prática passará desapercebida, não dará nas vistas, será sem importância: fará o seu trabalho silenciosamente, debaixo da terra, até que romperá à flor da terra e então crescerá sem parar até se transformar na acção mais poderosa. Tudo transformará.

O Reino vem de baixo, não de cima. A prática da libertação é a prática do oprimido e não do opressor, do servo e não do senhor, do escravo e não do amo. Jesus confia na semeadura que ele realiza nos sectores marginalizados, entre os camponeses, entre os deserdados. É de aí que sairá o impulso imparável da libertação. Trata-se da construção do poder popular que é o poder de Deus, porque Deus está no povo.

A planta tem algumas propriedades especiais, pois é a mostarda, a qual, como diz Plínio o Velho, "com o seu gosto picante e seu efeito fogoso é extremamente benéfica para a saúde. Cresce em estado totalmente selvagem, ainda que melhore se for transplantada. Porém, depois de semeada, só se for destruída, pois, quando cai, imediatamente a semente começa a germinar" (cit. em Jbr, p. 96).

Primeiro, a planta tem qualidades terapêuticas pelas quais é apta para simbolizar o projecto do Reino de Deus. Uma das acções mais frequentes de Jesus é a cura de doenças, é sarar, é restabelecer a saúde corporal e espiritual. Com a realização da nova sociedade que o Reino simboliza, os seres humanos estarão livres de deformidades, de enfermidades, como acontece numa sociedade submetida ao domínio imperial e sacerdotal.

A planta cresce sob dois tipos de estado: silvestre e doméstico. Ela cresce, quer nos terrenos onde pasta o gado, quer nas hortas, nos campos de lavradio. Isto significa que não adianta impor-lhe grilhetas, limites, pois facilmente ela os quebrará, saltará por cima da cerca da horta e irá pelos baldios dos potros. Não existe organização que possa ter um perfeito controlo sobre ela: dará sempre a volta aos jardineiros. O Reino é assim: supera todas as fronteiras, os empecilhos, os dogmas que lhe queiram impor.

Mas a característica mais inquietante é a de ser invasora, pelo que "a única solução possível é livrarem-se dela". É comparável à graminheira, uma verdadeira praga para os semeadores, o terror dos agricultores. Estende as raízes por todo o lado, secando as sementeiras, reproduzindo-se sem cessar. Mesmo que arrancada, desde que fique uma pequena raiz, propaga-se infinitamente. O agricultor deve arrancá-la e deixar-lhe a raiz ao sol até que seque: é a única maneira de se ver livre dela.

Assim é o Reino. Cresce a partir de baixo, por baixo, em rizoma, imperceptivelmente, no oculto e propaga-se sem cessar. Grupos e grupos, comunidades e comunidades continuamente se formam; formam redes que a partir de baixo vão minando o poder opressor, os grandes monstros, como os descreverá a literatura apocalíptica. Assim se estendem as comunidades cristãs na geografia do vasto Império romano. (…)»

Rubén Dri
Professor e Investigador de Ciências Sociais da Universidade de Buenos Aires.

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