Diante da catástrofe que é o Precariado
apenas "debater ideias" ou Empenhar as
nossas vidas?
Os 3 Tês
«Solidariedade é uma
palavra que nem sempre cai bem. Eu diria que, algumas vezes, a transformamos em
um palavrão… [não se pode dizer]; mas
é uma palavra, muito mais do que alguns atos de
generosidade esporádicos. É pensar e agir em termos de comunidade, de prioridade
de vida de todos sobre a apropriação dos bens por parte de
alguns. Também é lutar contra as causas estruturais da pobreza,
a desigualdade, a falta de trabalho, de terra e de moradia, a negação dos direitos sociais e "trabalhistas"
[direitos baseados
em «Leis do Trabalho Contratualizadas»
sob a égide do Direito do Trabalho]. É enfrentar os
destrutivos efeitos do Império do dinheiro: os deslocamentos
forçados, as migrações dolorosas, o tráfico de pessoas, a droga, a guerra, a
violência e todas essas realidades que muitos de vocês sofrem e que todos somos
chamados a transformar. A solidariedade, entendida em seu sentido mais
profundo, é
um modo de fazer história, e é isso que os movimentos populares
fazem.»
Papa Francisco, no "fórum social de Francisco": "Terra, Domus, Labor" [27-29.10.2014], ''Quando eu falo de terra, teto e trabalho, dizem que o Papa é comunista''.
Fonte:
&
«uma insegurança crónica associada ao permanente
caminhar sobre a corda bamba»
|
O PRECARIADO
A nova classe perigosa
Na década de 1970, um grupo de economistas
inspirados ideologicamente conquistou a atenção dos políticos e insinuou-se nas
suas mentes. O elemento central do seu modelo «neoliberal» consistia em afirmar
que o
crescimento e o desenvolvimento dependiam da competitividade do mercado;
tudo devia ser feito no sentido de maximizar a concorrência e a competitividade e
deixar os princípios do mercado penetrar em todos os aspectos da vida.
Um dos tópicos defendidos era que os países
deviam aumentar
a flexibilidade do seu mercado de trabalho, o que se veio a traduzir
numa agenda para transferir os riscos e insegurança para o lado dos trabalhadores e das
suas famílias. O resultado foi a criação de um «precariado»
global, constituído por muitos milhões de pessoas em todo o mundo
que são desprovidas de uma qualquer âncora de estabilidade. Estão a tornar-se a nova classe
perigosa. São propensas a dar ouvidos a vozes agressivas e a usar os
seus votos e o seu dinheiro para dar a essas vozes uma plataforma política cuja
influência está a crescer. O sucesso da agenda «neoliberal», abraçada em
maior ou menor grau por governos de todas as áreas políticas, criou um monstro
político que ainda é incipiente. É preciso agir antes que esse
monstro ganhe vida.
O despertar do
precariado
No 1º de Maio de 2001, reuniram-se
5 000 pessoas no centro de Milão, maioritariamente estudantes e jovens
ativistas sociais, para aquilo que pretendia ser uma marcha de protesto alternativa
às tradicionais manifestações do Dia do Trabalhador. No 1º de Maio de 2005, as
suas fileiras cresceram para mais de 50 000 – mais de 100 000, de
acordo com algumas estimativas – e o EuroMayDay[1]
tornou-se pan-europeu, com centenas de milhares de pessoas, maioritariamente
jovens, a tomarem as ruas de várias cidades da Europa continental. Estas
manifestações assinalaram o despertar do precariado global.
Os velhos sindicalistas que habitualmente
orquestravam os eventos do 1º de Maio não podiam deixar de ficar perplexos com
esta nova massa de manifestantes, cujas reivindicações de migração livre e de
um rendimento básico universal têm pouco a ver com o sindicalismo tradicional.
Os sindicatos viram como resposta ao trabalho precário um regresso ao modelo «trabalhista»
para cuja consolidação, em meados do século XX, eles tinham sido fundamentais –
empregos mais estáveis com a segurança de uma contratação de longo prazo e as
armadilhas e benefícios que daí vieram. Mas muitos dos jovens manifestantes
tinham visto a geração dos seus pais conformada com o modelo
fordista[2]
de empregos monótonos a tempo inteiro e com a subordinação à gestão industrial
e aos ditames do capital. Apesar da falta de uma agenda alternativa coesa, eles não
mostraram nenhum desejo de ressuscitar o trabalhismo.
(…)
O filho da globalização
No final dos anos 70 do século XX, um grupo
entusiasta de pensadores sociais e económicos, posteriormente chamado de
«neoliberais» e «libertários»[3]
(embora os termos não sejam sinónimos), percebeu que as suas opiniões estavam a
ser escutadas depois de terem sido menosprezados durante décadas. A sua maioria
era suficientemente jovem para não ter sido marcada pela Grande Depressão ou
para ter abraçado a agenda social-democrata que tinha entusiasmado as correntes
de pensamento dominantes depois da Segunda Guerra Mundial.
Não gostavam do Estado, que associavam a governo
centralizado, com o seu planeamento e o seu aparelho regulatório. Viam o mundo
como um lugar cada vez mais aberto, onde o investimento, o emprego e o
rendimento fluiriam para onde as condições fossem mais acolhedoras. Defendiam que, a menos que os países
europeus, em particular, retirassem as garantias e as seguranças acumuladas
desde a Segunda Guerra Mundial pela classe operária industrial e pelo setor
público burocrático, e a menos que os sindicatos fossem «domesticados», a
desindustrialização (um conceito novo na época) iria acelerar, o desemprego aumentaria, o
crescimento económico seria mais lento, o investimento iria fugir e a pobreza
iria agravar-se. Tratava-se de uma avaliação
sombria e preocupante. Queriam medidas drásticas e encontraram em
políticos como Margaret Thatcher e Ronald Reagan o tipo de líderes dispostos a
seguir a sua análise.
A tragédia foi que, embora o seu diagnosis tenha feito, parcialmente,
sentido, o seu prognosis estava marcado por
uma grande insensibilidade. Ao longo dos trinta anos seguintes, a tragédia foi agravada pelo
facto de os partidos políticos sociais-democratas, que haviam
construído o sistema que os neoliberais queriam desmantelar, depois de uma
breve contestação ao diagnóstico neoliberal, terem acabado por aceitar,
desajeitadamente, tanto o diagnóstico
como a receita.
Uma reivindicação neoliberal que se
consolidou na década de 1980 foi a de que os países teriam de pôr em prática a
«flexibilidade do mercado de trabalho». A menos que
os mercados de trabalho se tornassem flexíveis, os custos do trabalho subiriam
e as empresas iriam transferir a sua produção e os seus investimentos para
locais onde os custos fossem mais baixos; o capital financeiro seria investido
nesses países, em vez de ser investido «em casa».
A flexibilidade teve
muitas dimensões:
.a flexibilidade dos salários significa acelerar
o ajustamento às mudanças que se verificaram na procura, particularmente no
sentido da sua diminuição;
.a flexibilidade no emprego significava a
capacidade de as empresas, facilmente e sem custos, poderem alterar os níveis
de emprego, significava especialmente a sua capacidade de reduzir o número de
trabalhadores, o que implicava uma redução da segurança e proteção do vínculo
laboral;
.a flexibilidade profissional significava ser
capaz de movimentar os funcionários dentro da empresa e modificar as estruturas
de trabalho, sem grande oposição e com custos mínimos;
.a flexibilidade de competências significava ser
capaz de ajustar facilmente as competências dos trabalhadores.
Na sua essência, a flexibilidade defendida
pelos impetuosos economistas neoclássicos significava aumentar sistematicamente
a insegurança dos empregados, alegando que esse era o preço a pagar para manter
o investimento e o emprego. Cada revés económico era atribuído, em parte, com
razão ou sem ela, à falta de flexibilidade
e à ausência de uma «reforma estrutural» dos
mercados de trabalho.
À medida que a globalização avançava, e enquanto os governos e as empresas corriam atrás uns dos
outros na flexibilização das relações laborais,
o número de pessoas em regimes de trabalho sem segurança foi-se multiplicando. E isto não foi determinado pela evolução tecnológica.
À medida que a flexibilidade do trabalho se propagava, as desigualdades
aumentaram e a estrutura de classes que sustentava a sociedade industrial deu
lugar a algo mais complexo, mas algo que não deixou, certamente, de ser baseado
em classes. Voltaremos a este ponto mais à frente. Mas as mudanças políticas e
as respostas das empresas aos ditames da economia de mercado globalizado
geraram, em todo o mundo, uma tendência que não foi prevista nem pelos
neoliberais nem pelos líderes políticos que puseram estas políticas em prática.
Milhões de pessoas, nas economias abastadas
e nas economias de mercado emergentes, passaram a fazer parte do precariado, um fenómeno
novo, ainda que com ecos do passado. O precariado não fazia parte da «classe
trabalhadora» ou do «proletariado». Estes termos ["classe trabalhadora", "proletariado"] sugerem uma
sociedade constituída principalmente por trabalhadores com empregos
garantidos a longo prazo, estáveis, com horários fixos e com
carreiras profissionais e com sistemas de promoções estabelecidos,
sujeitos a sindicalização e a acordos coletivos, com cargos e funções cuja
denominação os seus pais e mães entendiam, defrontando-se com empregadores
locais com cujos nomes e caraterísticas estavam familiarizados.
Muitos passaram a
fazer parte do precariado sem saber quem
era o seu empregador ou quantos
colegas de trabalho tinham ou poderiam vir a ter no futuro.
Também não faziam parte da «classe média», pois não tinham um salário estável
ou previsível, nem tinham o estatuto e os benefícios que as pessoas da classe
média supostamente têm.
Com o decorrer da década de 1990, cada vez
mais pessoas, e não apenas nos países em vias de desenvolvimento, se
encontraram com um estatuto a que os economistas do desenvolvimento e os
antropólogos chamaram «informal». Provavelmente, essas pessoas não
considerariam esta maneira de se descreverem a si próprias nem útil nem sequer
uma forma de identificarem noutras uma maneira comum de viver e trabalhar.
Então, se não eram classe operária, se não eram classe média, se não eram
«informais», o que eram? Um lampejo de
reconhecimento terá ocorrido ao serem definidos como tendo uma existência precária. Amigos, familiares e colegas
estariam também num qualquer tipo de situação temporária, sem garantia de que o
que estavam a fazer nesse momento seria o que estariam a fazer dentro de alguns
anos ou até mesmo dentro de alguns meses ou de algumas semanas. Muitas vezes
nem desejavam nem sequer estavam a tentar que isso acontecesse.
Como é que podemos
definir o precariado?
Existem duas formas de definir o que
queremos dizer com a palavra «precariado». Uma delas é dizer que é um grupo
socioeconómico distinto, de modo que, por definição, uma pessoa faz parte ou
não parte dele. Isto é útil em termos de imagens e análises, pelo que nos
permite utilizar aquilo que Max Weber chamou um «tipo ideal». Neste espírito, o
precariado poderia ser descrito como um neologismo que combina um adjetivo -
«precário» - e um substantivo com ele relacionado - «proletariado». Neste
livro, o termo é frequentemente usado neste sentido, embora este tenha algumas
limitações. Podemos afirmar que o precariado é uma classe em formação, se bem que
não seja para já, no sentido marxista do termo, uma classe para si.
Pensando em termos de grupos sociais,
podemos dizer que, excluindo as sociedades agrárias, a
era da globalização resultou numa fragmentação das estruturas de classe
nacionais. À medida que as desigualdades aumentaram e que o mundo se
encaminhou para um mercado de trabalho aberto e flexível, a estrutura de
classes não desapareceu. Em vez disso, emergiu uma estrutura de classes mais fragmentada.
A «classe trabalhadora», a «classe operária»,
os «trabalhadores» e o «proletariado» foram termos incorporados na nossa
cultura ao longo de vários séculos. As pessoas poderiam descrever-se em termos
de classe, e ou outros reconheceriam esses termos, pela forma como se vestiam,
falavam e se comportavam. Hoje são pouco mais do que rótulos evocativos. André Gorz
(1982) escreveu há muito tempo sobre «o fim da classe operária». Outros continuaram
a atormentar-se sobre o significado do termo e sobre os critérios de
classificação. A realidade é que talvez precisemos de um
novo vocabulário, que reflita as relações de classe no
sistema de mercado global do século XXI.
(…)
O ambiente eletrónico permite e encoraja a multitarefa,
uma caraterística da sociedade servicializada que será tida em consideração mais
adiante neste livro. A investigação científica mostrou que aqueles que, por
hábito, inclinação ou necessidade, se dedicam a uma vida profissional de
caráter multitarefa extenso dissipam mais energias e são menos produtivos
em qualquer tarefa específica do que aqueles que executam muito menos tarefas
em simultâneo. Os que são arrastados para essa vida multitarefa são candidatos
principais ao precariado, uma vez que têm mais dificuldades em se concentrar e mais
dificuldade em anular informação irrelevante ou suscetível de
provocar dispersão (M. Richtel, «Hooked on Gadgets, and Paying a Mental Price»,
New York Times, 7 de junho, p. 1).
Incapazes de controlar o seu uso do tempo, sofrem de stresse, o que corrói a
capacidade de manter uma mente em desenvolvimento, de ter aquela sensação de
aprendizagem reflexiva com uma perspectiva de longo prazo.
Em suma, o precariado, não
tendo um estilo de vida que lhe permita filtrar e distinguir o útil do inútil,
sofre de sobrecarga de informação.
Veremos mais tarde como o Estado neoliberal está a lidar com isso.
Raiva, anomia, ansiedade
e alienação
O precariado sente aquilo a que, em inglês,
chamamos os quatro às — a raiva (anger, em inglês), a anomia,
a ansiedade e a alienação. A raiva decorre da frustração
de aparentemente sentirem bloqueados todos os caminhos para vir a ter uma vida
com significado e decorre também de um sentimento de privação relativa. Alguns
chamar-lhe-iam inveja; mas estar cercado e ser constantemente bombardeado com a exaltação do sucesso material e do culto das celebridades faz crescer o
ressentimento. O precariado sente-se frustrado não só por causa de uma vida de
acenos de empregos temporários, com todas as inseguranças que daí advêm, mas
também porque esses empregos não envolvem a construção de relações de confiança
traduzidas em estruturas ou redes de trabalho com significado. O precariado
também não tem degraus de mobilidade para subir, o que deixa as pessoas a
pairar entre uma profunda
autoexploração e a desmotivação.
Um exemplo, citado no The Observer (Reeves, 2010), é o de uma mulher de 24 anos,
assistente social, que ganha 28 000 libras por ano e trabalha, em teoria, trinta e sete horas e meia por semana.
Fazia «algumas
noitadas» porque algumas famílias não podiam ser visitadas
durante o dia, acabando por passar mais tempo a trabalhar sozinha e a fazer
mais trabalho a partir de casa. Esta mulher
disse ao jornal o seguinte:
"A minha grande frustração é
que, durante um longo período de tempo, eu tenho ouvido que sou suficientemente
boa para ser promovida ao nível seguinte e tenho realizado tarefas além das
minhas funções, mas não há sinais de reconhecimento disso. Tenho que esperar
que outro lugar fique vago. Acho que isto é o que acontece com muitas pessoas.
Da equipa com que comecei, eu sou a única assistente social que resta. E muitos
deles saíram devido a problemas relacionados com o apoio e progressão na
carreira. Fazemos um trabalho duro e com responsabilidade e, se tal fosse reconhecido,
isso poderia manter-nos no emprego por mais tempo."
Trata-se, assim, de uma mulher que está
ligada ao precariado pela falta de progressão na carreira e pela consciência de
não ser valorizada. Ela aceita e pratica a autoexploração, fazendo mais
trabalho do que aquele pelo qual é remunerada (work-for-labour), na esperança de poder subir na carreira. Os seus
colegas fugitivos perceberam que a perspectiva de promoção não passava de uma
miragem.
Pelo menos desde o trabalho de Émile Durkheim,
entende-se que a anomia é um
sentimento de passividade nascido do desespero. Esse desespero é, sem dúvida,
intensificado pela perspectiva de empregos desinteressantes e sem hipóteses de
carreira. A anomia vem de uma apatia associada a uma derrota continuada, agravada
pela constante
condenação feita por políticos e comentadores da classe média
que descrevem os indivíduos que fazem parte do precariado como preguiçosos,
sem rumo, indignos, socialmente irresponsáveis ou pior do que
isso. Para aqueles que se candidatam a prestações e outros apoios sociais,
dizerem-lhes que a «psicoterapia» ou o «apoio psicológico» são o caminho a
seguir é uma atitude paternalista e facilmente vista como tal pelos que são
estimulados a tomar essa opção.
O precariado vive com ansiedade — numa insegurança crónica associada não só com o
permanente
caminhar sobre a corda bamba, com a consciência de que um erro
ou um pouco de azar poderá fazer pender a balança ou para o lado da dignidade
modesta ou para o lado da mendicidade, mas também com o medo de perder o que
possui, mesmo quando se sente ludibriado por não ter mais. As pessoas sentem-se
inseguras e stressadas, estão ao mesmo tempo «subempregadas» e
«sobre-empregadas». Estão alienadas do seu trabalho e das suas ocupações (labour e works), e os seus comportamentos são anómicos, incertos
e desesperados. Quem está
sempre com medo de perder o que tem está sempre frustrado. Sente raiva,
mas normalmente de uma forma passiva. A mente precarizada é alimentada e
motivada pelo medo.
A alienação vem de saber que o que se está
a fazer não vai no sentido de concorrer para o seu próprio propósito ou para o
que poderia tornar digno de respeito; o que se está a fazer é simplesmente
feito para os outros, a seu mando. Esta foi considerada como uma característica
definidora do proletariado. Mas os que pertencem ao precariado sofrem várias
injeções especiais, incluindo um sentimento de ser enganado – dizem-lhes que
eles devem
estar gratos e «felizes» e devem ter uma atitude «positiva» porque estão
empregados. Dizem-lhes para ser felizes, mas eles não conseguem ver razão para
isso. Têm a experiência daquilo a que Bryceson (2010) chamou «profissionalização
falhada» (failed
occupationality), o que só pode ter um efeito psicológico adverso. As
pessoas que se encontram em tais circunstâncias estão sujeitas a sentir desaprovação social e uma profunda falta
de propósito. E a falta de ocupação e de profissão definida cria um vácuo ético.
O precariado não se deixa enganar. Os seus
membros enfrentam um bombardeamento de exortações. Mas será que a mente inteligente sucumbe tão facilmente? Em
Smile or Die,
Barbara Ehrenreich (Barbara Ehrenreich, «Smile or Die: How Positive
Thinking Fooled America and the World», Londres, Granta,
2009)
atacou o
culto moderno do "pensamento
positivo"[4].
Lembrou que nos Estados Unidos, na década de 1860, dois charlatães (Phineas
Quimby e Mary Eddy) criaram o New Thought Movemnet, com base no calvinismo e
na visão de que a crença em Deus e o pensamento positivo levariam a resultados
positivos na vida. Ehrenreich seguiu o trajeto da introdução desta ideia no
mundo das finanças, das empresas e dos negócios modernos. Descreveu como, em conferências motivacionais, alguns
intervenientes afirmavam que trabalhadores com contratos a termo que tinham
sido despedidos eram descritos como bons colegas de equipa, definindo-os como
«uma pessoa positiva» que «sorri com frequência, não se queixa e se submete com
gratidão a todas as solicitações do patrão». É possível ir mais longe e
questionar se alguns não adotam o velho ditado chinês: «Inclina-te o mais possível para que
o imperador não te veja sorrir». Mas é mais provável que a
resposta ao disparate alienante que o precariado tem que aturar seja um ranger
de dentes.
Há outras reações além da raiva reprimida.
Por exemplo, o precariado pode cair numa zona de engano e de ilusão corrosivos,
ilustrado por um sul-coreano entrevistado pelo jornal International Herald Tribune (Fackler, 2009). O repórter observou o
seguinte: (…)
Guy Standing, prof. na School
of Oriental and African Studies (Universidade de Londres, UK).
Estudo de caso
«Nas
discussões sobre a atual insegurança no trabalho, a maior parte da atenção
foca-se na insegurança do emprego, na insegurança do vínculo laboral — na falta
de contratos de longo prazo e na ausência de proteção contra a perda de
emprego. É compreensível que isso aconteça. No entanto, a insegurança
profissional é também, em si, uma caraterística definidora do
precariado. A diferença entre a segurança do emprego e a segurança profissional
é vital. Consideremos um exemplo. Entre 2008 e 2010, suicidaram-se
trinta funcionários da France Telecom, o que resultou na nomeação
de uma pessoa de fora para novo presidente da empresa.»
VEJA O VÍDEO:
[1] EuroMayDay
- Celebrado no 1º de Maio, Dia do
Trabalhador, o EuroMayDay envolve um conjunto de ações de manifestação e
reivindicações destinadas a combater a precarização generalizada da juventude e
a discriminação dos imigrantes, na Europa e noutras partes do mundo. O
movimento Mayday é, neste momento, um movimento de dimensões globais, presente
em várias cidades de todo o mundo. O primeiro Mayday ocorreu em 2001 em Milão,
no contexto das fortes contestações alter-globalização, nomeadamente ocorridas
em Seattle
e Génova
contra a Organização Mundial do
Comércio. Estas contestações centravam-se numa forte oposição ao capitalismo
enquanto sistema económico e social hegemónico e na necessidade de o
ultrapassar e de acreditar na existência de alternativas possíveis. Outra
característica fundamental foi a convergência de vários movimentos de
interesses heterogéneos unidos na luta, bem como a atenção dada ao combate
contra a repressão policial. Um outro fator distintivo neste tipo de
celebrações e manifestações tem sido a criatividade das estratégias e das
formas de manifestação utilizada. A rede EuroMayDay é uma rede de ativistas de
organizações de trabalhadores, de coletivos de migrantes, de grupos
anticapitalistas e de variadas organizações que defendem diversas causas e que se reúnem
anualmente numa cidade europeia diferente. Tem procurado dar novas caraterísticas às tradicionais
celebrações do 1º de Maio e centrar a atenção dessas celebrações e
reivindicações no combate à precarização da vida e do trabalho e às
discriminações, nomeadamente as que se dirigem contra os
imigrantes e as discriminizações de natureza racial e sexual. [NdT – Carlos
Braga e Ana Maria Braga]
[2] Fordismo
- Sistema introduzido por Henry Ford, que combina a linha de produção em massa
racionalizada com a procura da massificação do consumo do produto, através da
conceção do produto e do seu fabrico em termos que tornam o produto acessível
ao maior número de pessoas, nomeadamente aos próprios trabalhadores da empresa.
O exemplo e início desse sistema foi a produção do Ford
T. [NdT]
[3]
«Neoliberais» e «libertários» - O termo «libertário»
tem sido usado para designar correntes de filosofia e prática social e política
que privilegiam (em diferentes graus) a liberdade individual em relação ao
papel do Estado e que vão desde correntes anarquistas e socialistas libertárias até aos
seguidores mais radicais do liberalismo económico e aos anarcocapitalistas. Aqui o autor refere-se
à corrente da direita norte-americana que se opõe totalmente à intervenção do
Estado na economia e defende um papel mínimo do Estado na proteção social dos
cidadãos, uma redução radical de impostos sobre o rendimento e a riqueza e que
defende a extensão das liberdades do indivíduo entregue a si próprio. Desde a
emergência do chamado neoliberalismo, nos anos 70 do século XX, a corrente
«libertária de mercado livre» (free market libertarians) teve grande expansão
nos Estados Unidos e no mundo, sendo reforçada e apoiada por inúmeros think tanks e partidos políticos e
influenciando importantes órgãos de comunicação social, bem como políticos
provenientes de outras áreas ideológicas. Esta corrente, nos Estados Unidos da
América, encontra-se organizada e representada, nomeadamente, no Partido
Libertário (Libertarian Party) e no Tea Party, assim como nas múltiplas
organizações a eles associadas. Tem, assim, surgido associada aos que têm sido
designados por neoliberais, apesar da sua
prática, muitas vezes, dificilmente poder ser classificada de liberal no
sentido rigoroso do termo. [NdT]
[4] Cf. «O Miguel
Gonçalves – Spark Agency»: «vais andar sempre com a corda no pescoço, vais andar sempre a estalar
de ansiedade» (sic): «[…] Eu tenho uma visão um pouco menos
extremada daquilo que o Miguel é. Mas uma coisa salta à
vista: profeta do emprego ou arauto da desgraça, o Miguel parece ser
terrivelmente ingénuo. Só assim se explica que dê hoje uma entrevista ao i em que o título
é "Muitos dos desempregados não
querem trabalhar ou são maus a fazê-lo":
«Duas semanas depois de ter provado o sabor agridoce dos media, o Miguel já devia
saber do que a casa gasta (…) O Miguel diz coisas obviamente disparatadas.
Afirmar que o
desemprego tem uma solução pessoal ignora uns anitos largos de
investigação económica acerca de rigidez nominal e outras fricções,
que fazem com que o processo de
ajustamento macroeconómico transcenda o nível da acção
puramente individual. A sua teoria de que é tudo uma
questão de querer, de desejo e de vontade choca com um problema óbvio: os
portugueses (e o resto do mundo em geral) não estão hoje mais preguiçosos do
que estavam em 2007.» [NdE]:
http://www.publico.pt/politica/noticia/be-quer-saber-se-governo-subscreve-declaracoes-do-embaixador-do-impulso-jovem-1592168
Por oposição ao «delírio Miguel Gonçalves», há que procurar ver e ouvir o testemunho de Maria do Céu da Conceição (entrevista na RTP-INFORMAÇÃO, 27-03-2015, próximo das 23h ) acerca da sua actividade no Bangladesh (a partir de 2005), junto de bairros de lata de 'intocáveis'. Aí, na «RTP-Inf», ficou bem claro que a "iniciativa individual voluntariosa" pode tocar uma imensa quantidade de gente generosa e cooperante, mas que, ao mesmo tempo, tudo rapidamente se desmorona ao mais leve sopro das conjunturas (financeiras, sociais, económicas, políticas, sanitárias, etc.) ou face à volatilidade inacreditavelmente espantosa dos humores humanos. O elevado nível da honestidade / verdade do seu testemunho foi, para mim, um verdadeiro terramoto moral; e uma enorme lição-de-vida para muitos «profissionais do voluntariado e da caridade católica». «"A compaixão constitui uma forma radical de crítica, quer porque anuncia que a dor é uma situação inaceitável, quer porque os sistemas de poder nunca se construiram nem se sustentaram tendo como base a compaixão."» Esta, porém, não pode ficar-se por uns 'trocos', uns tostões, pois, se dizemos que estamos comprometidos com os pobres, há que o tornar expressão e realidade efectiva de amor, de ternura, de carinho, de amizade, de solidariedade real para com essa pessoa concreta e pobre, com quem partilharemos tempo, vida, entrega, procura, alegria e sofrimento. Temos que dar um amor real e existencial.» [Nicolás Castellanos, Resistencia, Profecía y Utopia en la Iglesia Hoy, Herder, p. 89]. Foi o que a Maria da Conceição, de facto, fez. Cf.:
Por oposição ao «delírio Miguel Gonçalves», há que procurar ver e ouvir o testemunho de Maria do Céu da Conceição (entrevista na RTP-INFORMAÇÃO, 27-03-2015, próximo das 23h ) acerca da sua actividade no Bangladesh (a partir de 2005), junto de bairros de lata de 'intocáveis'. Aí, na «RTP-Inf», ficou bem claro que a "iniciativa individual voluntariosa" pode tocar uma imensa quantidade de gente generosa e cooperante, mas que, ao mesmo tempo, tudo rapidamente se desmorona ao mais leve sopro das conjunturas (financeiras, sociais, económicas, políticas, sanitárias, etc.) ou face à volatilidade inacreditavelmente espantosa dos humores humanos. O elevado nível da honestidade / verdade do seu testemunho foi, para mim, um verdadeiro terramoto moral; e uma enorme lição-de-vida para muitos «profissionais do voluntariado e da caridade católica». «"A compaixão constitui uma forma radical de crítica, quer porque anuncia que a dor é uma situação inaceitável, quer porque os sistemas de poder nunca se construiram nem se sustentaram tendo como base a compaixão."» Esta, porém, não pode ficar-se por uns 'trocos', uns tostões, pois, se dizemos que estamos comprometidos com os pobres, há que o tornar expressão e realidade efectiva de amor, de ternura, de carinho, de amizade, de solidariedade real para com essa pessoa concreta e pobre, com quem partilharemos tempo, vida, entrega, procura, alegria e sofrimento. Temos que dar um amor real e existencial.» [Nicolás Castellanos, Resistencia, Profecía y Utopia en la Iglesia Hoy, Herder, p. 89]. Foi o que a Maria da Conceição, de facto, fez. Cf.: