NATAL NO PAÍS DAS
MONTANHAS
Havia estrelas em
todos os lugares do céu. Tinham uma luz muito brilhante parecida com uma luz de vidro. Quem caminhasse
naquela noite via com toda a nitidez as árvores, as pedras, as casas e os
muros; e as sombras ligeiras das árvores, das pedras, das casas e dos muros.
Era uma noite de um azul metal. Ninguém podia dizer se o azul de metal
era da luz intensa das estrelas ou era do frio agudo de Dezembro. Quando os
cães perfuravam o tambor da noite com os seus latidos distantes parecia
rasgar-se o tecido da noite. Às vezes era um pássaro que desafiava a inteireza
da noite, mas depressa ela se recompunha na sua unidade.
José e Maria caminhavam
durante horas e horas, mas nem sentiam o cansaço porque apetecia andar dentro
daquela noite.
E Maria, sentada num burrito molengão e que brincava com as sombras do caminho
atirando a cauda para cima e para baixo, sentia dentro de si uma ligeira agitação
que às vezes se tornava numa dor intensa. Mas pensavam que era o frio da noite
a querer aconchegar-se sob o seu manto. José seguia ao lado do burrito e às
vezes acariciava-lhe o pescoço e as orelhas e perguntava a Maria:
− Que horas serão?
Decerto já passámos a cidade…
Era uma cidade
muito grande e iluminada. Mas, naquela noite, o brilho das estrelas tinha tanta
claridade que possivelmente nem repararam nas luzes que guardam a cidade. O caminho
por
onde seguiam passava ao largo da cidade e havia uma colina que a escondia aos
caminhantes desatentos.
− Não importa! Acho
que depois desta cidade aparece outra cidade – disse Maria.
Caminharam ainda
durante muito tempo. E foi quando a noite já perdia a nitidez da sua luz e uma
névoa imprecisa se levantava no horizonte, que lhes pareceu avistar três vultos
distantes.
− Deve ser a sombra
de três cedros – disse Maria.
− Parecem homens a
caminhar ao nosso encontro – disse José.
− Se forem homens –
respondeu Maria, agora moída por uma dor que já quase lhe não cabia no ventre –
vamos perguntar-lhes se acaso estamos longe da cidade.
Os três vultos umas vezes pareciam aproximar-se e outras
vezes pareciam afastar-se. Por algum tempo ficaram sem saber se eram sombras
desenhadas no chão ou se eram homens. Mas não tiveram medo porque pensaram: “Ninguém nos deve fazer mal”.
Entretanto, do lado
direito e do lado esquerdo do caminho elevavam-se montanhas enormes, muito
altas e recortadas. E, por detrás delas, viam-se outras mais altas ainda.
Atravessavam uma garganta apertada e uma ligeira depressão retirou-lhes do
olhar os vultos que caminhavam ou as sombras que os confundiam.
− Decerto eram
arbustos ou pedras – disse José.
− Talvez fossem
homens e tenham tomado outro caminho – acrescentou Maria.
O dia clareava cada vez mais e a névoa da manhã
recolhia-se pelas enormes bolsas da montanha.
De repente ouviram
um ruído de passos e de vozes que articulavam sons imperceptíveis.
− Ai, José, sempre
é gente que vem. Vamos perguntar pela cidade.
− Vamos! - disse
José.
Os três homens
estavam cada vez mais próximos. Agora distinguiam-nos claramente.
Caminhavam em passo decidido e traziam às costas uma pequena mochila.
Quando pararam,
trocaram entre si palavras desconhecidas.
− Devemos estar num
país estrangeiro – disse José.
− Deve ser o País
das Montanhas – disse Maria.
Os três homens
fizeram uma saudação muito profunda e abriram um sorriso transparente. José apontou com
a mão o ventre de Maria e os homens entenderam que ela ia dar à luz. Com um
gesto delicado fizeram-lhes sinal para os seguir e os cinco mais o burrito
caminharam em silêncio.
Entraram por outro
caminho e ainda caminharam mais algum tempo. Depois pararam e José e Maria
perceberam que eles queriam dizer:
− “É aqui…”
Era a entrada de
uma gruta. O chão estava todo polido. Devia entrar ali gente todos os dias.
José ajudou Maria a
descer do burrito e os três homens estenderam os seus mantos. E desapareceram.
Quando voltaram, o
Menino já tinha nascido.
Um trazia pedrinhas de jade, que são mais
preciosas que o oiro, a prata e o marfim e são chamadas «as pedras do céu».
Outro homem trazia flores, de um azul muito vivo, que crescem nas montanhas.
Outro, abriu a sua mochila e tirou tâmaras.
Ofereceram
estas coisas ao Menino e dançaram em frente à gruta
umas danças muito antigas. E batiam palmas. E trocavam risos muito sonoros. E cantavam.
Nuno
Higino
In
“A mais alta estrela – sete
histórias de Natal”
CENATECA, Associação Teatro e
Cultura, Igreja de Santa Maria, Marco de Canaveses,
2ª Edição Dez. 2000. ISBN 972-98026-5-3. Ilustrações de JOSÉ MAIA. [Esta Edição está
esgotada]
NOTA: Acaba de ser editado um novo livro
de Contos de Natal, de Nuno Higino [de que se reproduz a capa], intitulado «HISTÓRIAS DE
NATAL», com inéditos, mas que reedita alguns dos mais belos Contos
esgotados em edições anteriores (Ex.: «O Boi chegará a tempo ao Presépio?»).
Edição «Letras & Coisas», Ilustração de Paula Gaspar. Distribuidora: «Companhia das Artes»,
ISBN 978-972-8908-60-7.
[CLICAR]
- REMOVER OBSTÁCULOS À
VERDADEIRA FRATERNIDADE
[LEONARDO BOFF]
“No Cosmos? Na hóstia? Hei! Estou aqui! Sou teu vizinho.”
«...perché per loro non c’era posto all’albergo»
(“por não haver lugar
para eles na hospedaria”; Lc 2:7)
Homilia da Noite de Natal – Arcobaleno – «Comunitá
dell’ARCA» (Padre Massimo Ruggiamo)
CLICAR EM PLAY
(para ouvir o áudio)
ou clicar aqui