teologia para leigos

21 de dezembro de 2013

DOS CONFINS DA INSIGNIFICÂNCIA, O NATAL [BOFF]

Natal: um mito cristão verdadeiro





Há poucas semanas, com pompa e circunstância, o actual Papa (Bento XVI) mostrou-se novamente teólogo ao lançar um livro: “A Infância de Jesus”. Apresentou a versão clássica e tradicional que vê naqueles relatos idílicos uma narrativa histórica. O livro deixou os teólogos perplexos [http://servicioskoinonia.org/relat/428.htm Link de: Recensión bibliográfica sobre la obra de Benedicto XVI La infancia de Jesús Carlos ESCUDERO FREIRE], pois a exegese bíblica, sobre estes textos, já há pelos menos 50 anos, que mostrou que não se trata propriamente de um relato histórico, mas de alta e refinada teologia, elaborada pelos evangelistas Mateus e Lucas (Marcos e João nada dizem da infância de Jesus), para provar que Jesus era de facto o Messias, o filho de David e o Filho de Deus.

Para esse fim, recorrem a géneros literários a fim de apresentar uma mensagem, transmitida como se fossem histórias, mas que de fato não passam de recursos literários; como, por exemplo, os magos do Oriente (representando os pagãos e os sábios), os pastores (os mais pobres, considerados pecadores por lidarem com animais que os tornavam impuros), a Estrela e o anjos (mostrando o carácter divino de Jesus), Belém, que não seria uma referência geográfica, mas teria um significado teológico: o lugar onde, segundo as profecias, nasceria o Messias (diferente de Nazaré, totalmente desconhecida na Bíblia, onde Jesus provavelmente teria nascido de facto). E, assim, igualmente outros tópicos, como detalhadamente analisei no meu livro «Jesus Cristo Libertador» (capítulo VIII). Mas nada disso é muito importante, porque exige conhecimentos muito especializados.

Importante mesmo é compreender que, face aos relatos tão comovedores do Natal, estamos diante de um grandioso mito, entendido positivamente como os antropólogos o fazem: o mito como a transmissão de uma verdade tão profunda que somente a linguagem mítica, figurada e simbólica é adequada para expressá-la. É exactamente o que o mito pretende. O mito é verdadeiro quando o sentido que quer transmitir é verdadeiro e ilumina toda a comunidade. Assim, o Natal é um mito cristão cheio de verdade, cheio da proximidade de Deus e de familiaridade.

Nós hoje usamos outros mitos para mostrar a relevância de Jesus. Para mim é de grande significação um mito antigo, que a Igreja aproveitou na liturgia do Natal para revelar a comoção cósmica face ao nascimento de Cristo. Aí se lê:

”Quando a noite estava no meio de seu curso e se fazia profundo silêncio: então as folhas que farfalhavam pararam como mortas; então o vento que sussurrava, ficou parado no ar; então o galo que cantava parou no meio de seu canto; então as águas do riacho que corriam, paralisaram-se; então as ovelhas que pastavam, ficaram imóveis; então o pastor que erguia o cajado para golpeá-las, ficou petrificado; então nesse momento tudo parou, tudo silenciou, tudo se suspendeu, porque nasceu Jesus, o salvador da humanidade e do universo”.

O Natal quer comunicar-nos que Deus não é aquela figura severa e de olhos penetrantes para perscrutar nossas vidas. Não. Ele surge como uma criança. Ela não julga; só quer receber carinho e brincar.

Eis que do presépio veio uma voz que me sussurrou: ”Oh, criatura humana, por que tens medo de Deus? Ele não se fez criança? Não vês que sua mãe enfaixou seus bracinhos e seu corpinho frágil? Não percebes que ela não ameaça ninguém? Nem condena ninguém? Não escutas o seu chorinho doce? Mais que ajudar, essa criança precisa ser ajudada e coberta de carinho, porque sozinha não pode fazer nada; não sabes que ela é o Deus-conosco-como nós?”

E, aí, já não pensamos mais, mas damos lugar ao coração que sente, se compadece e ama. Poderíamos fazer outra coisa diante desta Criança, sabendo que é o Deus humanizado?

Talvez poucos escreveram tão bem sobre o Natal, sobre Jesus Criança, como o poeta português Fernando Pessoa: ”Ele é a eterna criança, o Deus que faltava. Ele é o divino que sorri e que brinca. É a criança tão humana que é divina”.

Mais tarde transformaram o Menino Jesus no São Nicolau, no Santa Claus e, por fim, no Papai Noel. Pouco importam os nomes, porque no fundo, o espírito de bondade, de proximidade e de Presente divino está, de alguma forma, lá.

Acertado foi o editorialista Francis Church do jornal The New York Sun de 1897 respondendo a uma menina de 8 anos, Virgínia, que lhe escreveu: “Prezado Editor: diga-me de verdade: o Papai Noel existe?” E ele, sabiamente, respondeu:

“Sim, Virgínia, Papai Noel existe. Isto é tão certo quanto a existência do amor, da generosidade e da devoção. E você sabe que tudo isto existe de verdade, trazendo mais beleza e alegria à nossa vida. Como seria triste o mundo se não houvesse o Papai Noel! Seria tão triste quanto não existir Virgínias como você. Não haveria fé das crianças, nem a poesia e a fantasia que tornam nossa existência leve e bonita. Mas para isso temos que aprender a ver com os olhos do coração e do amor. Então percebemos que não há nenhum sinal de que o Papai Noel não exista. Se existe o Papai Noel? Graças a Deus ele vive e viverá sempre que houver crianças grandes e pequenas que aprenderam a ver com os olhos do coração.”

Nesta festa, procuremos olhar com os olhos do coração, pois todos fomos educados a olhar com os olhos da razão. Por isso somos frios. Hoje vamos resgatar os direitos do coração caloroso: deixar-nos comover com as nossas crianças, permitir que sonhem, e encher-nos de estremecimento diante da Divina Criança, que sentiu prazer e alegria ao decidir ser um de nós pela encarnação.


PS. Desejo aos leitores e leitoras de meu blog um Natal de esperança, pois precisamos dela no meio de um mundo em voo cego rumo a um futuro incerto. Mas uma Estrela como a de Belém nos mostrará um caminho salvador. Chamaram a Jesus o Emanuel, o Deus que caminho connosco.


LEONARDO BOFF
24/12/2012