teologia para leigos

8 de abril de 2018

ECLESIOGÉNESE [L. BOFF]

«ECLESIOGÉNESE»
— As comunidades eclesiais de base reinventam a Igreja
Leonardo Boff, ofm

Datado de 1977, este histórico livrinho, de apenas 113 páginas, ainda é uma excelente porta de entrada (e de saída) para as múltiplas questões com que os católicos leigos (ainda) se confrontam no século XXI. Por exemplo:

«Quis, o Jesus histórico, uma única forma institucional de Igreja?»

«Jesus, com a sua morte e ressurreição, veio para salvar os homens. Aquando da sua vida terrestre, Jesus fundou a Igreja para que ela continuasse a Sua obra até à consumação dos tempos. A Igreja está de tal forma unida ao seu Fundador que pode ser chamada Corpo de Cristo.»

«Porém, para os evangelistas, há uma ruptura entre Jesus e a Igreja. Entre ambos está o "fracasso" de Jesus crucificado. Está também a infidelidade dos apóstolos e a dissolução da comunidade dos seguidores de Jesus. Só após a ressurreição é que se voltaram a reunir.»

«O modernista Alfred Loysi (1857-1940) situou bem o problema quando, com certo desconcerto, escreveu: "Cristo pregou o Reino de Deus e em seu lugar apareceu a Igreja" ("L’Evangile et l’Église", Paris 1902, 111).»

«Se não há identidade perfeita entre Reino de Deus e a Igreja, que relação vigora entre ambos? Como se chegou da pregação de Cristo sobre o Reino à constituição da Igreja? É ela uma consequência imediata desta pregação ou constitui um substitutivo precário do Reino de Deus que não veio? A Igreja é fruto de uma "decepção" ou de uma realização?»

«O que pregou Jesus: o Reino de Deus ou a Igreja?»

«Sem sacramento da Ordem, a pessoa é sacramentalmente incapaz [para presidir à Eucaristia]. A Igreja entendeu excluir o leigo da presidência eucarística. Ainda recentemente a Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé, no dia 15 de Fevereiro de 1975, censurou a opinião de Hans Küng nestes termos: "Também a opinião já insinuada pelo Prof. Küng no livro «Die Kirche» e segundo a qual a Eucaristia, pelo menos em caso de necessidade, pode ser consagrada validamente por pessoas baptizadas carentes da ordem sacerdotal, não pode estar de acordo com a doutrina dos Concílios Lateranense IV e Vaticano II"».

«O povo pergunta: porque é que nós não podemos celebrar a Eucaristia?» (Carlos Mesters, «O futuro do nosso passado», em "Uma Igreja que nasce do povo – Encontro de Vitória, ES", Vozes, Petrópolis, 1975, p. 137).

Inúmeras outras questões são, de vez em quando, pomos polémicos com ecos vibratórios muito violentos na comunicação social. Uma delas tem a ver com afirmações políticas consideradas fora ou para lá da missão da Igreja de Cristo (cf. certas críticas contundentes do bispo das forças armadas D. Januário Torgal Ferreira a certos ministros do Governo de Passos Coelho-Paulo Portas [2012], que tiveram, como resposta, as seguintes palavras do Ministro da Defesa Dr. José Pedro Aguiar-Branco: "O Sr. Bispo vai ter de escolher entre ser bispo e ser comentador político…". Outro exemplo, o do capelão militar, padre Mário de Oliveira, que após a Homilia do Dia Mundial da Paz de 1968, na Guiné Bissau, foi interpelado pelo comandante do Batalhão de Caçadores 1912 dizendo que o evangelho anunciado naquela homilia ia contra a Constituição que jurara defender. Resposta do capelão: «Pois então, meu comandante, mudem a Constituição, porque eu não posso mudar o Evangelho de Jesus. Estas palavras "assinariam" a sua Guia de Marcha para o Continente… - in "Evangelho no Pretório", p.65ss).

Outras questões (algumas relacionadas com esta tensão Igreja-mundo) dizem respeito às opções de fundo que a Comunidade cristã toma ou não toma. Há comunidades que optam por uma postura teológica pacifista, neutral, consensualmente pluralista, recusando «habitar» o polémico espaço público como seria de esperar em coerência com o Concílio Vaticano II.

«A Igreja deve entender-se e creditar-se como testemunho público e como transmissora de uma perigosa memória libertadora entre os «sistemas» da nossa sociedade emancipadora. Esta tese alicerça-se na memória como forma fundamental de expressão da fé cristã e na importância central e privilegiada da liberdade dentro dessa mesma fé. Na fé, os cristãos realizam a memoria passionis, mortis et resurrectionis Jesu Christi; no acto de acreditar recordam o testemunho do seu amor, em cujo amor se manifestou o reinado de Deus entre os homens pelo próprio facto de o domínio do homem pelo homem começar aí a desmoronar-se; memória de que Jesus se colocou do lado dos insignificantes, do lado dos marginalizados e oprimidos, proclamando assim o advento do reino de Deus como força libertadora de um amor sem reservas. Esta memoria Jesu Christi não é apenas uma recordação que dispense enganadoramente de correr riscos futuros. Não é uma espécie de reverso burguês da esperança. Pelo contrário, implica uma determinada antecipação do futuro, como futuro dos que não têm esperança, dos fracassados e acossados(J. B. Metz, «La fe, en la historia y la sociedad», Cristiandad, 1979, pp. 101-102)

Portanto, importa perguntar: qual é o «lugar teológico» que funciona como opção preferencial da Comunidade local? A resposta a esta pergunta é a garantia da sanidade (ou da doença) mental de uma comunidade local. Quando uma comunidade local não é capaz de responder como Jesus respondeu, então, começam o enquistamento e as tensões.

Como muito bem diz L. Boff, «na hora de escolher uma teoria explicativa da sociedade, entram em jogo uma série de critérios que não procedem exclusivamente da objectividade e da racionalidade, mas da 'opção de fundo' e do 'lugar social' de quem analisa.» De facto, «toda a reflexão sobre a realidade humana está orientada por um projecto de fundo, ou seja, por uma utopia construída por um grupo na qual esse colectivo humano projecta o seu futuro». Sendo assim, em termos gerais, «podemos identificar dois tipos de projectos ou utopias cada um com o seu tipo de aderente: o projecto das classes dominantes e o projecto das classes dominadas da sociedade. A utopia dos grupos dominantes propugna um progresso linear, sem mudança alguma dos esquemas que estruturam a sociedade; ela manifesta uma fé imensa na ciência e na técnica e pressupõe uma concepção elitista da sociedade, cujos fins e benefícios − acredita − irão progressivamente estender-se às massas. A utopia dos grupos dominados procura uma sociedade utilitária: o fosso entre as elites e as massas constitui o principal obstáculo ao desenvolvimento e, enquanto ele persistir, não haverá verdadeiro progresso e justiça social. Esta última utopia afirma uma fé inquebrantável no potencial transformador dos oprimidos capaz de gerar uma sociedade com o menor número de opressores injustos». ("La fe en la periferia del mundo. El caminar de la Iglesia con los oprimidos", Santander, 1981, 26-27 cit. por Julio Lois, «Identidad cristiana y compromiso socio-político», Ediciones HOAC, 110-111).

Como diz a Comunidade Cristã da Serra do Pilar (VN Gaia, 08-04-2018) pela boca de José Antonio Pagola, «a Igreja do futuro não poderá continuar a apoiar-se nos presbíteros», pois «o maior potencial para a renovação da Igreja está nos crentes leigos e leigas». Só os leigos — para lá dos ambíguos "sim, mas" que enxameiam os textos do Concílio Vaticano II, em matéria de identidade & especificidade laical … — serão capazes de viver sem esquizofrenias o serviço diaconal e ao mesmo tempo o compromisso político público como Jesus de Nazaré nos mandou viver.




(Leonardo Boff, ofm)