O
PARAÍSO HOJE
Como vimos, a história de
Adão e Eva é uma história real e verdadeira, na medida em que ela descreve um
acontecimento que sempre se verificou em todas as partes do mundo e no coração
de cada homem. O modo de apresentar essa história é condicionado pela cultura
daquele tempo. Se
o autor tivesse vivido hoje, a sua descrição do Paraíso, provavelmente, teria
sido outra. Teria examinado com cuidado a nossa situação e teria
procurado saber onde está para nós hoje a origem e a raiz do mal que deveria
ser atacada para podermos eliminar os males e abrir um caminho para a paz.
Para termos uma ideia de
como a sua descrição do Paraíso atingia os seus leitores, imaginemos uma
descrição do paraíso em termos que hoje tenham, para nós, o mesmo efeito que a
sua descrição tivera para os leitores daquele tempo.
O Paraíso, ou seja a "imagem-em-negativo" da
nossa realidade, seria um país desenvolvido em todos os seus sectores. Não haveria
mais necessidade de salário, pois tudo seria de todos, todos a participar
activamente e responsavelmente em tudo. Todos saberiam ler e escrever. Não
haveria doenças, nem endemias, nem morte prematura de crianças. As semanas de
trabalho seriam inferiores a 40 horas e todos os operários estariam protegidos
e assegurados contra acidentes ao ponto de eles já nem sequer serem mais
possíveis. O objectivo da produção já não seria o lucro, mas sim o bem-estar
individual e colectivo de todos. Não haveria exploração, nem domínio
estrangeiro, nem guerra, nem violência. Não haveria assaltos, nem terrorismo,
nem repressão, nem tortura. A segurança individual e colectiva estaria
assegurada, de maneira a não haver mais necessidade de polícia, nem de
exército. Não haveria favela, nem miséria, nem fome, nem conflito de gerações.
Todos teriam casa própria, as cidades teriam ruas largas sem cruzamentos, sem
desastres, sem barulho, sem ar poluído. As famílias viveriam em paz sem que
houvesse infidelidade ou traição e sem que o marido dominasse a mulher e os
filhos. O homem seria senhor e dono da sua própria evolução. Deus seria o
eixo da vida humana, e a sua presença manifestar-se-ia a todos em todas as
coisas. Seria, enfim, a mais pura harmonia, totalmente diferente da
situação que actualmente vivemos.
Essa descrição, feita em
nome de Deus, seria, então, ao mesmo tempo uma denúncia e uma tomada de
consciência. Os leitores perceberiam, por meio dela, que a situação actual não é como Deus a quer.
Sentiriam que colaborar na manutenção de uma situação assim seria um pecado
contra Deus, pois isso iria contra o projecto que Deus tem para os homens.
Tomariam consciência do seu dever de contribuir para que a realidade actual se
transformasse na situação ideal apresentada na descrição do Paraíso. Constatariam,
enfim, que
tal transformação da realidade actual não seria possível sem a ajuda de Deus,
mas que, apoiados na vontade de Deus, poderiam e deveriam trabalhar na transformação
do mundo para melhor. Ou seja, tal descrição do Paraíso seria um meio eficiente
para mostrar aos homens o alcance da sua fé em Deus no coração da vida concreta
que estão a viver.
Em termos actuais, seria
assim o Paraíso.
Diria, a nós, o que a descrição
do Paraíso bíblico disse aos leitores daquele tempo. Causaria o mesmo impacto.
E para nós surgiria a mesma pergunta que surgiu no passado longínquo: «Se o
mundo em que vivemos não é como Deus o quer, então, quem é o responsável por este caos em que
vivemos? Onde está a causa? Como agir para o transformar de acordo
com a vontade de Deus?» A estas nossas perguntas a Bíblia não dá respostas. O
que ela quer é provocar semelhantes perguntas e deixar-nos a nós o trabalho de procurar
respostas válidas e eficientes, não apenas respostas teóricas, mas sobretudo respostas práticas
que levem, de modo eficaz, à mudança. Embora a Bíblia não nos dê uma receita
concreta para resolvermos o nosso problema, ela dá-nos uma orientação segura na
procura da resposta. Ela faz-nos saber que existe em nós uma tendência misteriosa e inexplicável para
o mal, que está a ser despertada e activada pelo facto de nos deixarmos
atrair pela serpente ao ponto de a seguirmos pondo de lado o Deus vivo.
A nós, compete-nos, hoje, procurar
saber quem é que hoje em dia faz o papel de serpente, de modo a que possamos enfrentar
esse 'quem', esse sujeito, esmagando a sua cabeça com o nosso calcanhar. Mas, talvez,
também devamos começar, hoje, a levar os homens a perceber que Deus faz falta na vida.
Perdemos a consciência de que Deus deve ocupar um lugar na vida. A serpente trabalha,
hoje em dia, com tal eficiência e subtileza que nós nem percebemos que estamos a
ser desviados do centro do nosso ser. Enquanto não percebermos a realidade trágica
desta nossa vida, qualquer outro remédio para consertar o mundo será
um enxerto num galho morto. (…)
Carlos Mesters, carmelita
Editora VOZES, Lda., 1977, Petrópolis -
Brasil