teologia para leigos

18 de setembro de 2015

INDICADORES SOCIAIS, BEM-ESTAR E FELICIDADE - 2/3



POBREZA OU DESIGUALDADE?


«A pobreza não se reduz a uma determinada pequena quantidade de bens,
nem a uma simples relação entre meios e fins;
é acima de tudo uma relação entre pessoas.
A pobreza é um estatuto social…
E tem crescido
como uma distinção discriminatória entre as classes…»

MARSHALL SAHLINS, «STONE AGE ECONOMICS»



[…] A visão de que os problemas sociais são directamente causados por más condições materiais, tais como habitações degradadas, dietas pobres, ausência de oportunidades escolares e assim por diante, pressupõe que as sociedades mais desenvolvidas e mais ricas funcionam melhor do que as outras. Mas esta visão está muito longe de ser verdadeira: alguns dos países mais ricos funcionam pior ainda.

É notável que estes indicadores dos problemas sociais e de saúde em dois cenários diferentes, e do bem-estar da criança em dois países ricos, narram todos praticamente a mesma história. Os problemas nos países ricos não são causados pelo facto de a sociedade não ser suficientemente rica (nem sequer por ser demasiado rica), mas sim pelo facto de a escala das diferenças materiais entre pessoas no seio de cada sociedade ser demasiado grande. O que é relevante é a posição que cada um ocupa em relação aos outros no seio de cada sociedade.

Obviamente que, mesmo nos países mais ricos, uma pequena proporção das pessoas menos ricas não dispõe, por vezes, de dinheiro suficiente para se alimentar. Contudo, sondagens relativas aos 12,6% dos Norte-Americanos a viverem abaixo da linha da pobreza federal (um nível de rendimento absoluto e não um padrão relativo como metade do rendimento médio) revelam que 80% possuem ar condicionado, quase 75% possuem pelo menos um carro ou uma carrinha e cerca de 33% têm um computador, uma máquina de lavar louça ou um segundo carro. Isso significa que quando as pessoas não têm dinheiro para comprar coisas essenciais, como p. ex. comida, essa falta de dinheiro é geralmente um reflexo da força do seu desejo de viver à altura dos padrões prevalecentes na sociedade. As pessoas podem sentir, por exemplo, que é mais importante manter as aparências e gastar dinheiro em roupa do que investir na alimentação. Conhecemos um caso de um jovem que estava desempregado e tinha gasto o seu rendimento mensal num telemóvel novo porque, segundo ele, as raparigas não faziam caso daqueles que não tivessem os acessórios certos. Tal como Adam Smith frisou, é importante sermos capazes de nos apresentar de forma credível na sociedade sem incorrer na vergonha e no estigma da pobreza aparente.

No entanto, e tal como o gradiente da saúde afecta todos os escalões da sociedade, também as pressões da desigualdade e de tentar viver à altura dos padrões sociais prevalecentes não se confinam a uma minoria que é pobre. Pelo contrário, os efeitos encontram-se generalizados na população, como veremos mais adiante.


Problemas diferentes – causas comuns

Os problemas sociais e de saúde que descobrimos estarem relacionados com a desigualdade tendem a ser tratados pelos responsáveis políticos como se estivessem bastante separados uns dos outros, necessitando cada um soluções e serviços separados. Pagamos a médicos e a enfermeiros para tratar os problemas de saúde, pagamos à polícia e às prisões para lidar com a criminalidade, a educadores terapeutas e a psicólogos escolares para lidar com problemas educativos, a assistentes sociais, a centros de reabilitação de toxicodependentes, a serviços psiquiátricos e a especialistas de saúde para lidar com toda uma série de outros problemas. Todos estes serviços são dispendiosos e apenas parcialmente eficazes. Por exemplo, as diferenças na qualidade dos cuidados médicos têm menos peso na esperança de vida das pessoas do que as diferenças sociais nos riscos de contraírem alguma doença potencialmente fatal. E mesmo quando os vários serviços conseguem impedir que alguém volte a reincidir ou quando conseguem curar um cancro, reabilitar um toxicodependente ou lidar com um insucesso escolar, sabemos que as nossas sociedades continuam a recriar infinitamente estes problemas, geração após geração. Entretanto, todos estes problemas são mais comuns nas áreas mais carenciadas da nossa sociedade e são muito mais comuns ainda nas sociedades desiguais.


O que nos diz a desigualdade de rendimentos?

Antes de continuarmos a analisar, nos capítulos seguintes, de que modo a escala das diferenças de rendimento pode estar relacionada com outros problemas, deveríamos dizer algumas palavras sobre o que pensamos que as diferenças de rendimento nos revelam acerca de uma sociedade. Os seres humanos viveram já em todos os tipos de sociedade, desde as sociedades pré-históricas de caçadores-recolectores mais igualitárias até às ditaduras mais plutocráticas. Embora as modernas sociedades de mercado não pertençam a nenhum destes extremos, é razoável supor que existam diferenças no seu grau de hierarquização. Acreditamos que é precisamente isto o que a desigualdade está precisamente a medir: nas sociedades em que as diferenças de rendimento são maiores, também as distâncias sociais são maiores e a estratificação social é mais importante.

Seria profícuo dispor de muitos indicadores diferentes relativos à escala de hierarquização nos diferentes países que permitissem assim comparar as desigualdades, não só de rendimento mas também na saúde, na educação e no poder. Também seria interessante verificar como todas estas desigualdades estão relacionadas com distâncias sociais, com indicadores de estatuto, como a escolha que as pessoas fazem do vestuário, música e filmes, ou como a importância da hierarquia e da posição social. Embora no futuro talvez venhamos a dispor de indicadores adicionais que possam ser comparados entre países, de momento só podemos contar com a desigualdade de rendimentos. Mas o mais surpreendente é a quantidade de informação que este indicador nos revela quando analisado separadamente. […]

Richard Wilkinson & Kate Pickett, in «O Espírito da Igualdade – por que razão sociedades mais igualitárias funcionam quase sempre melhor», Editorial Presença 1ª Edição Lisboa, Abril 2010, Depósito Legal nº 307 171/10. E-mail: info@presença.pt

Richard Wilkinson – professor de História Económica e de Epidemiologia [Universidade de Nottingham/Medical School e na University College London]
Kate Pickett – antropóloga-bióloga, cientista em Nutrição e em Epidemiologia [professora na Universidade de York, investigadora no National Institute for Health Research]


[pp. 16]