POBREZA OU DESIGUALDADE?
«A pobreza não se
reduz a uma determinada pequena quantidade de bens,
nem a uma
simples relação entre meios e fins;
é acima de
tudo uma relação entre pessoas.
A pobreza é um
estatuto social…
E tem crescido
como uma distinção
discriminatória entre as classes…»
MARSHALL SAHLINS, «STONE AGE ECONOMICS»
[…]
A visão de que os problemas sociais são directamente causados por más condições
materiais, tais como habitações degradadas, dietas pobres, ausência de
oportunidades escolares e assim por diante, pressupõe que as sociedades mais
desenvolvidas e mais ricas funcionam melhor do que as outras. Mas esta visão
está muito longe de ser verdadeira: alguns dos países
mais ricos funcionam pior ainda.
É
notável que estes indicadores dos problemas sociais e de saúde em dois cenários
diferentes, e do bem-estar da criança em dois países ricos, narram todos
praticamente a mesma história. Os problemas nos países ricos não são causados
pelo facto de a sociedade não ser suficientemente rica (nem sequer por ser
demasiado rica), mas sim pelo facto de a escala das diferenças materiais entre
pessoas no seio de cada sociedade ser demasiado grande. O que é relevante é a
posição que cada um ocupa em relação aos outros no seio de cada sociedade.
Obviamente
que, mesmo nos países mais ricos, uma pequena proporção das pessoas menos ricas
não dispõe, por vezes, de dinheiro suficiente para se alimentar. Contudo,
sondagens relativas aos 12,6%
dos Norte-Americanos a viverem abaixo da linha da pobreza federal (um
nível de rendimento absoluto e não um padrão relativo como metade do rendimento
médio) revelam que 80% possuem ar condicionado, quase 75% possuem pelo menos um
carro ou uma carrinha e cerca de 33% têm um computador, uma máquina de lavar
louça ou um segundo carro. Isso significa que quando as pessoas não têm
dinheiro para comprar coisas essenciais, como p. ex. comida, essa falta de
dinheiro é geralmente um reflexo da força do seu desejo de viver à altura dos
padrões prevalecentes na sociedade. As pessoas podem sentir, por exemplo, que é
mais importante manter
as aparências e gastar dinheiro em roupa do que investir na
alimentação. Conhecemos um caso de um jovem que estava desempregado e tinha
gasto o seu rendimento mensal num telemóvel novo porque, segundo ele, as
raparigas não faziam caso daqueles que não tivessem os acessórios certos. Tal
como Adam Smith frisou, é importante sermos capazes de nos apresentar de forma
credível na sociedade sem incorrer na vergonha e no estigma da pobreza aparente.
No
entanto, e tal como o gradiente da saúde afecta todos os escalões da sociedade,
também as pressões da
desigualdade e de tentar
viver à altura dos padrões sociais prevalecentes não se confinam a uma
minoria que é pobre. Pelo contrário, os efeitos encontram-se generalizados na
população, como veremos mais adiante.
Problemas diferentes –
causas comuns
Os
problemas sociais e de saúde que descobrimos estarem relacionados com a
desigualdade tendem a ser tratados pelos responsáveis políticos como se
estivessem bastante separados uns dos outros, necessitando cada um soluções e
serviços separados. Pagamos a médicos e a enfermeiros para tratar os problemas
de saúde, pagamos à polícia e às prisões para lidar com a criminalidade, a
educadores terapeutas e a psicólogos escolares para lidar com problemas
educativos, a assistentes sociais, a centros de reabilitação de
toxicodependentes, a serviços psiquiátricos e a especialistas de saúde para
lidar com toda uma série de outros problemas. Todos estes serviços são dispendiosos
e apenas parcialmente eficazes. Por exemplo, as diferenças na
qualidade dos cuidados médicos têm menos peso na esperança de vida das pessoas
do que as diferenças sociais nos riscos de contraírem alguma doença
potencialmente fatal. E mesmo quando os vários serviços conseguem impedir que
alguém volte a reincidir ou quando conseguem curar um cancro, reabilitar um
toxicodependente ou lidar com um insucesso escolar, sabemos que as nossas
sociedades continuam a recriar infinitamente estes problemas, geração após
geração. Entretanto, todos estes problemas são mais comuns nas áreas mais
carenciadas da nossa sociedade e são muito mais comuns ainda nas sociedades
desiguais.
O que nos diz a
desigualdade de rendimentos?
Antes
de continuarmos a analisar, nos capítulos seguintes, de que modo a escala das
diferenças de rendimento pode estar relacionada com outros problemas,
deveríamos dizer algumas palavras sobre o que pensamos que as diferenças de
rendimento nos revelam acerca de uma sociedade. Os seres humanos viveram já em
todos os tipos de sociedade, desde as sociedades pré-históricas de
caçadores-recolectores mais igualitárias até às ditaduras mais plutocráticas.
Embora as modernas sociedades de mercado não pertençam a nenhum destes
extremos, é razoável supor que existam diferenças no seu grau de hierarquização.
Acreditamos que é precisamente isto o que a desigualdade está precisamente a
medir: nas sociedades em
que as diferenças de rendimento são maiores, também as distâncias
sociais são maiores e a estratificação social é mais importante.
Seria
profícuo dispor de muitos indicadores diferentes relativos à escala de
hierarquização nos diferentes países que permitissem assim comparar as
desigualdades, não só de rendimento mas também na saúde, na educação e no
poder. Também seria interessante verificar como todas estas desigualdades estão
relacionadas com distâncias sociais, com indicadores de estatuto, como a
escolha que as pessoas fazem do vestuário, música e filmes, ou como a
importância da hierarquia e da posição social. Embora no futuro talvez venhamos
a dispor de indicadores adicionais que possam ser comparados entre países, de
momento só podemos contar com a desigualdade de
rendimentos. Mas o mais surpreendente é a quantidade de informação
que este indicador nos revela quando analisado separadamente. […]
Richard Wilkinson & Kate Pickett,
in «O Espírito da Igualdade – por que
razão sociedades mais igualitárias funcionam quase sempre melhor»,
Editorial Presença 1ª Edição Lisboa, Abril 2010, Depósito Legal nº
307 171/10. E-mail: info@presença.pt
Richard
Wilkinson – professor de História Económica e de Epidemiologia [Universidade de
Nottingham/Medical School e na University College London]
Kate
Pickett – antropóloga-bióloga, cientista em Nutrição e em Epidemiologia
[professora na Universidade de York, investigadora no National Institute for
Health Research]
[pp. 16]