teologia para leigos

11 de setembro de 2015

INDICADORES SOCIAIS, BEM-ESTAR E FELICIDADE - 1/3



O FIM DE UMA ERA



«Nestas condições é que eu penso no grande poder da riqueza,
que nos permite receber os hóspedes e salvar-nos na doença.
Mas também serve para a nutrição de cada dia,
porque toda a criatura humana, seja pobre ou seja rica,
se sacia da mesma maneira.»

EURÍPEDES, "ELECTRA"





É um paradoxo notável que, no auge da realização material e técnica, continuemos a ser assolados pela ansiedade, sujeitos à depressão, preocupados com a opinião que os outros têm de nós, inseguros das nossas amizades, impelidos a consumir, e com pouca ou nenhuma vida comunitária. Faltando-nos o contacto social descontraído e a satisfação emocional de que todos precisamos, procuramos a consolação comendo em excesso, fazendo compras e gastando de forma obsessiva ou tornando-nos vítimas do consumo excessivo de álcool, de medicamentos psicoactivos e de drogas ilegais.

Como criámos um tal sofrimento mental e emocional apesar dos níveis de riqueza e conforto sem precedentes em outros períodos da história humana? É muito frequente sentirmos, sobretudo, falta de tempo para o passar na companhia dos amigos, mas até esse simples prazer pode parecer-nos inalcançável. Falamos como se as nossas vidas fossem uma batalha constante pela sobrevivência psicológica, sempre a combater o stresse e o esgotamento emocional, mas a verdade é que o luxo e a extravagância das nossas vidas são tão acentuadas que ameaçam a própria existência do planeta.





Uma investigação do Instituto Harwood para a Inovação Pública (encomendada pela Fundação Família Merck) nos EUA revela que as pessoas sentem que o «materialismo» se interpõe de alguma forma entre elas e a satisfação das suas necessidades sociais. Um relatório intitulado Yearning for Balance [Ansiando pelo Equilíbrio], baseado numa sondagem nacional realizada nos EUA, conclui que os Norte-Americanos eram «profundamente ambivalentes em relação à riqueza e aos ganhos materiais»[1]. Uma grande maioria das pessoas desejava que a sociedade «se afastasse da ganância e do excesso e favorecesse um tipo de vida mais centrado nos valores, na comunidade e na família». Mas essas pessoas também sentiam que estas prioridades não eram partilhadas pela maioria dos seus concidadãos norte-americanos, que, segundo elas, se tinham tornado «cada vez mais fragmentados, egoístas e irresponsáveis». E, em resultado disso, sentiam-se muitas vezes isolados. No entanto, o relatório refere também que, quando as pessoas se juntavam em grupos de discussão para debater estas questões, ficavam «surpreendidas e entusiasmadas ao verificar que os outros partilhavam das suas opiniões». Em vez de nos unirmos uns aos outros numa causa comum, a ansiedade que sentimos em relação à perda dos valores sociais e à forma como somos impelidos a procurar ganhos materiais é muitas vezes vivida como se fosse uma ambivalência puramente privada que nos separa dos outros.

As políticas vigentes já não se debruçam sobre estas questões e desistem de tentar fornecer uma visão comum capaz de nos motivar a criar uma sociedade melhor. Como eleitores, já perdemos de vista qualquer crença colectiva de que a sociedade poderá ser diferente. Em vez de uma sociedade melhor, a única coisa que quase todos nós ansiamos por alcançar é melhorar a nossa própria posição – como indivíduos – no seio da sociedade existente.

O contraste entre o sucesso material e o insucesso social existente, em muitos países ricos, é um indicador muito importante, pois sugere que, se quisermos alcançar mais melhorias na verdadeira qualidade da vida, então precisamos de deixar de focar a nossa atenção nos padrões materiais e no crescimento económico, e concentrarmo-nos, antes, nas formas de melhorar o bem-estar psicológico e social das sociedades como um todo. No entanto, assim que se menciona algum factor psicológico, a discussão tende a concentrar-se quase exclusivamente em formas individuais de remediação e tratamento. Quanto a este aspecto, o pensamento político falha rotundamente.

É possível compor, hoje em dia, um quadro novo, convincente e coerente de como podemos libertar as sociedades da pesada influência de tantos comportamentos disfuncionais. Uma melhor compreensão daquilo que está a acontecer poderia transformar a política e a qualidade de vida de todos nós. Poderia mudar a forma como vivemos a experiência do mundo à nossa volta, a nossa intenção de voto e aquilo que exigimos aos dirigentes políticos.

Neste livro demonstramos que a qualidade das relações sociais numa sociedade baseia-se em alicerces materiais. A escala das diferenças de rendimento tem um efeito poderoso na forma como nos relacionamos uns com os outros. Em vez de culparmos os pais, a religião, os valores, a educação ou o sistema penal, demonstraremos que a escala da desigualdade fornece uma poderosa alavanca política que afecta o bem-estar psicológico de todos nós. Assim como outrora foram necessários estudos sobre o aumento de peso em bebés para mostrar que a interacção com um prestador da cuidados carinhoso é crucial para o desenvolvimento da criança, de igual forma também foram necessários estudos sobre as taxas de mortalidade e da distribuição de rendimentos para mostrar as necessidades sociais dos adultos e indicar como as sociedades poderiam satisfazê-las.

Muito antes do surgimento da crise financeira que começou a impor-se nos meses finais de 2008, políticos ingleses que estavam a debater o declínio da comunidade ou o aumento de várias formas de comportamento antissocial referiam-se, por vezes, àquilo que denominavam «a nossa arruinada sociedade». O colapso financeiro desviou as atenções para a economia arruinada e, embora a sociedade arruinada fosse por vezes culpabilizada pelo comportamento dos pobres, a economia arruinada foi largamente atribuída aos ricos. Estimulados pelas perspectivas de salários e bónus cada vez mais elevados, os administradores de algumas das instituições financeiras mais dignas de confiança lançaram a cautela às urtigas e construíram castelos de cartas que só conseguiam manter-se de pé no âmbito da protecção de uma fina bolha de especulação. Mas a verdade é que tanto a sociedade arruinada como a economia arruinada resultaram do crescimento da desigualdade.


O que nos sugerem as provas

Iremos começar por salientar as provas que demonstram que estamos a chegar ao fim daquilo que o crescimento económico pode fazer por nós. A melhor forma de promover a qualidade de vida humana foi, durante milhares de anos, melhorar os padrões de vida material. Quando o lobo rondava e nunca estava muito longe da porta, "bons tempos" eram simplesmente tempos de fartura, abundância. Mas para a vasta maioria dos habitantes dos países ricos, as dificuldades da vida já não têm a ver com encher o estômago, dispor de água limpa e manter-nos quentes. A maior parte de nós actualmente deseja comer menos, curiosamente, e não mais. E, pela primeira vez na História, os pobres são, em média, mais gordos que os ricos. O crescimento económico, que foi durante muito tempo o grande motor do progresso, alcançou largamente as suas metas nos países ricos. Não só os indicadores de (…).



Richard Wilkinson & Kate Pickett, «O Espírito da Igualdade – porque razão sociedades mais igualitárias funcionam quase sempre melhor», Editorial Presença 1ª Edição Lisboa, Abril 2010, Depósito Legal nº 307 171/10. E-mail: info@presença.pt

Richard Wilkinson – professor de História Económica e de Epidemiologia [Universidade de Nottingham/Medical School e na University College London]
Kate Pickett – antropóloga-bióloga, cientista em Nutrição e em Epidemiologia [professora na Universidade de York, investigadora no National Institute for Health Research]


[pp. 12]







[1] The Harwood Group, «Yearning for Balance: Views of Americans on Consumption, Materialism, and the Environment». Takoma Park, MD: Merck Family Fund, 1995.