Precariedade,
desemprego e protecção social
– caminhos para a
desigualdade?
Introdução
Pretende-se
neste texto[1] promover
um olhar sobre a evolução das dinâmicas de emprego nos países da União Europeia
num passado recente, com especial atenção para as tendências registadas em
Portugal desde o período anterior ao deflagrar da crise económica e financeira
até ao final de 2013[2].
Através da articulação entre um nível europeu e nacional de análise
debater-se-ão os processos de precarização do emprego, de aumento do desemprego
e do desemprego desprotegido e dos efeitos que algumas destas dinâmicas poderão
estar a exercer na estrutura de distribuição do rendimento.
Na
primeira parte deste texto iremos abordar, por intermédio de dados em média
anual, a evolução das dinâmicas de emprego e desemprego, bem como da incidência
da precariedade laboral, em Portugal e na UE-27. Seguidamente, analisaremos a
evolução do desemprego estimado e registado em Portugal nos últimos anos, do
fenómeno da inactividade desencorajada e da desprotecção dos desempregados. Na
terceira parte, esboçamos uma análise exploratória em torno da correlação existente
entre a desigualdade de rendimento e indicadores de precariedade laboral e
desemprego.
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Emprego, desemprego e
precariedade
A figura
6.1 apresenta informação para a taxa anual de emprego e desemprego nos anos de
2000, 2008 e 2013, em Portugal e na EU-27. Em relação à taxa de emprego, o
valor deste indicador para Portugal, nos anos de 2000 e 2008, é de 68%, significativamente
acima do
apurado para a média dos países da EU-27. Nesse período, o valor
médio para os países da EU aumenta mais três pontos percentuais. Desde 2008,
ano que marca o início da crise financeira e económica nos Estados Unidos, a taxa de
emprego em Portugal diminuiu mais de sete pontos percentuais –
situando-se em 2013 em 60,6%. Ou seja, a população empregada do país, com idade
entre os 15-64 anos, passou de 4785,7 mil em 2008 para 4158,0 mil em 2013, menos 627,7 mil
empregados, uma queda de cerca de 15%. Como é óbvio, boa parte da
explicação desta destruição de emprego está relacionada com o aumento
significativo da taxa de desemprego em Portugal para valores verdadeiramente
excepcionais. Veja-se que em 2000 a taxa de desemprego em Portugal era
relativamente negligenciável e situava-se bastante abaixo da média
da União. Entre 2000 e 2008 o valor deste indicador em Portugal
duplicou, ultrapassando o da EU-27. Contudo, é entre 2008 e 2013 que se dá o salto mais
expressivo da taxa de desemprego: um aumento de nove pontos
percentuais, para os 17%.[3]
O aumento
brutal da taxa de desemprego verificado nos últimos anos em Portugal foi mais
acentuado em certas
categorias sociais e implicou que os tempos de desemprego se
dilatassem. Entre as várias categorias sociais que revelaram maior exposição ao
aumento do desemprego, o grupo etário dos jovens é porventura aquele em que a incidência
dessa realidade foi mais intensa. Entre 2000 e 2008 a
taxa de desemprego jovem em Portugal duplicou, passando de 8,2% para 16,7%. Em 2000, o valor desse indicador em Portugal era muito
inferior ao verificado no conjunto de países da EU-27, mas, em 2008, essa
relação já se tinha invertido. Embora a taxa de desemprego jovem tenha
conhecido um aumento expressivo na EU entre 2008 e 2013, em Portugal essa
tendência foi muito mais acentuada: nesse período, o valor deste indicador cresceu mais de
20 pontos percentuais, atingindo em 2013 os 38,1%.
O aumento
da taxa de desemprego em Portugal foi acompanhado pelo crescimento da proporção
da população desempregada que se encontrava nessa situação há um ano ou mais.
Novamente, o valor deste indicador para Portugal era em 2000 inferior em
relação ao apurado para o conjunto de países da EU-27, em 2008 existia já uma
inversão dessa realidade e daí até 2013 o país regista um aumento muito
acentuado da grandeza do indicador em causa. Em 2013, 56% da
população desempregada encontrava-se nessa situação há um ano ou mais
(nove pontos percentuais acima do valor apurado para a EU-27).
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[…]
Conclusão
Apesar do
cariz exploratório da abordagem realizada na secção anterior, importará não
negligenciar os efeitos que o desemprego e a precariedade laboral podem exercer
sobre a estrutura de distribuição interna dos rendimentos. Carlos Farinha
Rodrigues, Rita Figueiras e Vítor Junqueira (2012[4])
demonstraram que o mercado de trabalho em Portugal tem
funcionado como um catalisador do aumento das desigualdades nas
últimas décadas. O hiato entre os mais bem remunerados e os trabalhadores que
ocupam a base da distribuição acentuou-se até 2009. Tal decorreu, em grande
medida, do aumento acentuado da parte do rendimento dos trabalhadores que se
posicionam na parte superior da hierarquia dos salários. Mas até que ponto a
crise económica e a crise de emprego dos últimos anos poderá estar a assumir-se
como um novo pólo de agravamento das desigualdades económicas? Em Portugal, o
aumento do desemprego, nomeadamente do desemprego desprotegido, mas também de
situações mais ou menos próximas do sub-emprego, parece estar a assumir-se como
um canal gerador de desigualdades de rendimento pela exclusão da participação
(plena) no mercado de trabalho. No caso português, essa exclusão laboral tem
vindo a acumular-se com a exclusão do sistema de protecção social de uma parte
crescente da população desempregada, o que implica uma pauperização aguda das
suas condições materiais e subjectivas de existência.
Os dados
da mais recente vaga do Inquérito às
Condições de Vida e Rendimento apontam para um aumento da desigualdade existente
entre a parte superior e a parte inferior da distribuição do rendimento, entre
2011 e 2012, tendência já verificada em 2010 (INE, 2014c). Tal deve-se, em
grande medida, à perda de rendimentos dos grupos que formam a base da distribuição dos
recursos económicos. A incidência da pobreza aumentou e o limiar da
pobreza pauperizou-se. Cerca de 40% da população desempregada estava, em 2012,
numa situação de risco de pobreza relativa (mais 1,9 p.p. face a
2011). A análise dos efeitos das políticas de austeridade sobre a distribuição
do rendimento disponível não pode alhear-se das consequências que as mesmas
exercem sobre o mercado de trabalho. Ao estimar que Portugal foi um dos países
em que as políticas de austeridade foram mais progressivas, o estudo do FMI, «Fiscal policy and income inequality»
(FMI, 2014), ignora este mesmo facto. E parece ignorar também que o aumento das
despesas sociais foi insuficiente em relação à dimensão das necessidades de
protecção social decorrentes da crise económica e do aumento brutal do
desemprego. Enquanto o
desemprego aumentou duas vezes mais em Portugal do que na média
dos países da OCDE, os recursos adicionais alocados às despesas sociais representaram apenas 1/3
da média registada nos países dessa organização (OCDE, 2014b[5]).
Renato Miguel do Carmo e Frederico Cantante
Respectivamente, Sociólogo e Investigador
Auxiliar do CIES-IUL e do Observatório
das Desigualdades; Sociólogo, licenciado em Direito, Assistente de Investigação
do CIES-IUL e membro da equipa permanente do Observatório das Desigualdades.
[pp.
15]
Um em cada três utentes de instituições de solidariedade ainda diz passar fome
Jornal «Público» (26 Maio 2015)
VÍDEO - Publicado por
Vítor Fernandes – 29 de Maio 2015
O Presidente da República garante a unidade do Estado.
«A
unidade do Estado implica uma atenção ao todo nacional, um combate à
desertificação e ao despovoamento do interior. Não há coesão territorial
sem um poder local forte, capaz de se agregar regionalmente em torno de causas
comuns. A experiência das autonomias dos Açores e da Madeira merecerá sempre um
acompanhamento e uma atenção especial por parte do Presidente da República.
«Não
há unidade do Estado sem integração nacional, o que requer mais coesão
social e o reforço do Estado Social. Não me resignarei perante o
número cada vez maior de pessoas, em particular de crianças e idosos, que vivem
no limiar da pobreza. Não serei insensível perante o sofrimento das pessoas que
estão a ser privadas de direitos e liberdades fundamentais. Não aceitarei,
como se fosse uma fatalidade, que haja cada vez maiores desigualdades no nosso
país.
«A
minha magistratura será de solidariedade nacional, com uma atenção
especial a todos aqueles que foram marginalizados ou excluídos e que
devem ser respeitados na sua dignidade. Não posso deixar de dirigir uma palavra
de solidariedade às pessoas mais idosas, aos reformados e pensionistas, que, nos últimos
anos, viram os seus direitos e planos de vida fortemente postos em causa pelas
políticas de austeridade. […]
«As
portuguesas e os portugueses devem saber que defenderei
o Estado Social,
um elemento essencial para que todos tenham as condições básicas para uma vida
digna, com sobriedade. Ao Estado cabem responsabilidades primárias, que não são passíveis
de transferência ou de delegação.» […]
in
"CARTA DE
PRINCÍPIOS" – Candidatura a Presidente da República de António
Sampaio da Nóvoa, Teatro Rivoli, Porto, 25 de Maio de 2015.
[1] Texto
base apresentado no colóquio «Conversas sobre
as Oficinas de Segurança Social no âmbito do Observatório sobre Crises e
Alternativas / CES», realizadas a 25 de Março de 2014, na
Fundação Calouste Gulbenkian.
[2] Uma
primeira versão deste texto foi publicada online no "Observatório das
Desigualdades", 19-06-2014:
[3] A taxa
de desemprego mede o peso da população desempregada sobre o total da população
activa; a taxa de emprego permite definir a relação entre a população empregada
e a população com 15 e mais anos de idade (neste caso analisou-se apenas a população empregada e
desempregada com idade entre os 15-64 anos).
[4] Carlos
Farinha Rodrigues (Coord.), Rita Figueiras e Vítor Junqueira, «Desigualdade Económica em Portugal»,
Lisboa, Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS), 2012.
[5] OCDE (2014b), «Society at a Glance
2014 - Highlights: Portugal - The Crisis and the aftermath»,
disponível em: