«libera nos, Domine»
«Durante numerosos séculos, a ‘morte repentina’ foi temida por
ser considerada a pior das mortes. Era seguramente por razões de natureza
religiosa, que os crentes desejavam poder preparar-se para comparecer diante do
Deus-Juiz, a quem deveriam prestar pessoalmente contas da vida terrena. Advinha
daí a preparação religiosa e moral para a morte, os últimos sacramentos e as
orações à volta do moribundo.
«Algumas orações católicas, tais como as Litanias dos
Santos, pediam e ainda pedem a Deus, ainda que hoje em dia em franco desuso,
«A subitanea et improvisa morte, libera nos, Domine» («Da morte súbita e
imprevista, livra-nos Senhor»). Era aquilo a que chamávamos a «boa morte», e
para isso existiam as «confrarias da boa morte»: para a preparar e para a venerar.
«Porém, as razões para desejar uma morte que não súbita e
imprevista não eram apenas de natureza religiosa: ansiava-se poder morrer
rodeado dos familiares, após ter deixado − com a devida antecedência − resolvidos todos os assuntos e destinados todos os bens,
pelo que a morte seria uma espécie de despedida desta vida rodeados de muita
troca de afecto e gratidão. O exemplo mais conhecido que testemunha este tipo de
morte é a fábula de La Fontaine “Le Laboureur et ses enfants”, ainda que inúmeras obras de
historiografia nos possam provar o quanto este desejo era realmente intenso e como
este tipo de morte surgia de facto, aos olhos do moribundo e dos seus
familiares, como uma «bela morte» (Philippe Ariès, “L’Homme
devant la mort”).
«Acontece que a possibilidade de prolongar medicamente a
duração dos tempos finais de uma doença mortal ou de uma velhice muito
avançada, faz com que, entre outras consequências (nem sempre todas
desfavoráveis) se possa abordar esta última etapa do morrer em si em perfeita
lucidez…».
Jacques Pohier, “La mort opportune”, Seuil, 1998, pp.
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