teologia para leigos

13 de fevereiro de 2017

O FOSSO ENTRE O CLERO E O LAICADO



O FOSSO ENTRE O CLERO E O LAICADO


É mais que conhecida a actual crise do sacerdócio na Igreja católica e a total ineficácia dos esforços levados a cabo, ao nível oficial, para a superar. Os problemas relativos à escassez de sacerdotes, a comunidades sem eucaristia, ao celibato, à ordenação das mulheres, etc., ainda que de modo não exclusivo, condicionam em grande medida a grave situação a que nos referimos. (É em termos sobreponíveis que Edward Schillebeeckx nos introduz no seu livro «Plaidoyer pour le peuple de Dieu», Cerf 1987, p. 9; «A situação actual [acerca dos Ministérios na Igreja] é sentida por muitos – simples fiéis ou membros do clero – como deplorável, quanto a muitos pontos de vista» - NdT). Com progressiva frequência vemos 'seculares' assumir o papel de guias ou de líderes paroquiais, os quais, por não estarem «ordenados», não podem celebrar a eucaristia com os seus paroquianos como seria a sua obrigação.

Tal realidade não levantava problema de espécie alguma na Igreja primitiva, onde a celebração eucarística dependia apenas da comunidade. Os encarregados da presidência da eucaristia – de acordo com a comunidade – não eram sacerdotes «ordenados», mas paroquianos absolutamente normais. Hoje em dia chamar-lhe-íamos 'seculares', ou seja, homens e inclusivamente mulheres, na sua maioria casados, ainda que também os houvesse solteiros. O importante era a sua nomeação pela comunidade. Pergunta-se: por que é que aquilo que outrora era possível não pode sê-lo igualmente possível hoje?

Se Jesus, como se afirma, fundou o sacerdócio da Nova Aliança, porque é que disso não restou a mais pequena menção durante os primeiros quatrocentos anos da vida da Igreja?

Diz-se também que Jesus fundou os sete sacramentos que são administrados pela Igreja católica. Acontece que é difícil prová-lo em mais do que um de entre estes sete casos, mas, pelo menos, naquilo que diz respeito ao sacramento da ordem é totalmente impossível prová-lo. Bem pelo contrário, Jesus mostrou, por palavras e por obras, que não queria sacerdotes. Nem ele era sacerdote, nem nenhum dos «Doze» o foi, nem tão-pouco Paulo.

Do mesmo modo é impossível atribuir a Jesus a criação da ordem episcopal. Nada nos permite demonstrar que os Apóstolos, para garantir a permanência da sua função, constituíram os seus sucessores em bispos. O ofício de bispo é, aliás como todos os demais ofícios na Igreja, criação da própria Igreja, sendo bem conhecida a evolução histórica deles. É evidente que a Igreja sempre pôde, e continua a poder, dispor livremente de ambas as funções – episcopal e sacerdotal – podendo, portanto, mantê-las, modificá-las ou suprimi-las.

A crise da Igreja perdurará enquanto esta não se decidir a oferecer a si própria uma nova constituição, que acabe de vez e para sempre com os dois estatutos actuais: sacerdotes e seculares, ordenados e não-ordenados. Tudo deverá restringir-se a um único «ofício», que inclui guiar a comunidade e celebrar a eucaristia com a comunidade, função que poderá ser desempenhada por homens e mulheres, casadas ou solteiros. Acabaríamos assim, de uma penada, com o problema da ordenação das mulheres e com a questão do celibato.

Quanto à pretensão de se acabar com «as duas classes» existentes na Igreja, sempre se contrapôs que as evoluções estruturais ocorridas sempre o foram fundamentadas – ainda que indirectamente − no Novo Testamento. O exemplo mais frequentemente mencionado é o do baptismo das crianças, que não aparece expressamente no Novo Testamento, mas que nem por isso o Novo Testamento o contradiz. Acontece que tais «evoluções estruturais» só podem ser consideradas válidas caso estejam conformes aos enunciados básicos do Evangelho. Caso se oponham a estes enunciados essenciais, devem ser consideradas ilegítimas, insustentáveis e nocivas.

Tal raciocínio aplica-se, sem qualquer dúvida, igualmente à Igreja «sacerdotal» ou clerical. Inquirindo os testemunhos dos tempos bíblicos e do cristianismo primitivo chegamos à conclusão clara e convincente de que o episcopado e o sacerdócio se desenvolveram à margem da Escritura e foram posteriormente justificados como parte ou elemento do dogma. Tudo parece indicar que, para a Igreja, é chegada a hora de regressar ao seu ser próprio e original. (…)

Dedico o presente livro especialmente aos fiéis das dioceses em que eu exerci directamente o meu ministério: Coira, Basileia e Rottenburg-Stuttgart.


Herbert Haag, Lucerna, Ano Novo de 1997.