teologia para leigos

10 de janeiro de 2025

Jesus Cristo ressuscitou ao terceiro dia?

 

Edições TAIZÉ

Jesus Cristo ressuscitou ao terceiro dia?

Ariel Álvarez Valdés, teólogo
Argentina, 04 Abril 2020



Todos os domingos, nas suas celebrações, muitos cristãos recitam o Credo, a sua confissão fundamental de fé. Nela afirmam que Jesus Cristo “foi crucificado, morreu e foi sepultado, desceu ao inferno e, ao terceiro dia, ressuscitou dos mortos”. Mas Jesus realmente ressuscitou no terceiro dia? Quando lemos os Evangelhos, dizem apenas que no Domingo de Páscoa um grupo de mulheres descobriu que o túmulo estava vazio, mas não dizem a que horas ocorreu a ressurreição.

Para complicar ainda mais as coisas, os Evangelhos usam expressões diferentes para se referir a essa data. Às vezes, dizem que aconteceu “no terceiro dia” após a sua morte. É o que afirma, por exemplo, São Lucas, quando narra a aparição de Jesus aos seus discípulos no Domingo de Páscoa: «Assim está escrito que o Messias havia de sofrer e ressuscitar de entre os mortos, ao terceiro dia» (Lucas 24, 46). Se considerarmos que Jesus morreu numa sexta-feira às três horas da tarde, e contarmos esse dia como o primeiro, então o segundo seria sábado e o terceiro seria domingo. Portanto, Jesus teria ressuscitado no Domingo de Páscoa. É assim que a Igreja sempre a entendeu, e é por isso que é celebrada na sua liturgia.



Dilemas de quem conta um conto…

Mas outras vezes os Evangelhos, em vez de dizerem que a ressurreição foi “ao terceiro dia”, dizem que foi “em três dias”. Por exemplo, quando Jesus expulsou os mercadores do Templo de Jerusalém, os judeus pediram-lhe uma explicação sobre o que ele tinha feito, e ele respondeu: «Destruí este templo, e em três dias Eu o levantarei!» (João 2,19). O Evangelista comenta que estas palavras se referiam à sua ressurreição dos mortos (João 2,21-22). De acordo com esta outra fórmula (“em três dias”), estamos perante um período de 72 horas. Se Jesus tivesse morrido na sexta-feira à tarde, então a sua ressurreição teria ocorrido na segunda-feira.

Finalmente, alguns textos evangélicos dão uma terceira versão e falam da ressurreição que ocorre “passados três dias”. Por exemplo, quando Jesus informa os seus discípulos da sua morte iminente em Jerusalém, diz-lhes: «O Filho do homem deve sofrer muito, será rejeitado pelos anciãos, pelos principais sacerdotes e escribas, e eles matá-lo-ão; mas, passados três dias, ressuscitará» (Marcos 8, 31). De acordo com isso, se Jesus ressuscitasse “depois” de três dias, ou seja, no quarto dia, o evento teria ocorrido na terça-feira. Que dia, então, os Evangelhos apontam como o dia da ressurreição: o domingo, a segunda-feira ou a terça-feira seguinte à sua morte?

À noite no cemitério

Mas qualquer que seja a fórmula que adotemos (“no terceiro dia”, “em três dias” ou “passados três dias”), nenhuma delas coincide com as narrativas evangélicas. De fato, Mateus narra que duas discípulas de Jesus, Maria Madalena e outra Maria, foram visitar o túmulo do Mestre "depois do sábado, no início do primeiro dia da semana", ou seja, domingo (Mateus 28:1). Ora, para os judeus, o domingo começava com o pôr do sol no sábado, por volta das 6h ou 7h da tarde. Portanto, segundo Mateus, foi no sábado à noite quando foram ao cemitério, descobriram o túmulo vazio e acharam que ele havia ressuscitado.

Por sua vez, no Evangelho de Lucas, lemos que Jesus crucificado diz ao ladrão arrependido que morre crucificado ao seu lado: «Hoje estarás comigo no paraíso» (Lucas 23, 43). E "hoje" refere-se ao dia da sua morte, ou seja, sexta-feira. Então, a ressurreição ocorreu na sexta-feira, sábado, domingo, segunda ou terça-feira? Essa discrepância nos mostra que ninguém sabia exatamente quando isso aconteceu.

 

Por causa de uma crença antiga

Hoje a teologia ensina que a ressurreição de Jesus deve ser entendida como um acontecimento que aconteceu no exato momento da sua morte. Que não houve lapso entre a sua morte e a sua entrada na vida eterna. Mas os primeiros cristãos não entendiam dessa forma. Para eles, foram dois eventos misteriosos e cronologicamente distintos. Portanto, depois de sua morte, eles tentaram determinar quando a ressurreição de Jesus teria ocorrido. E a resposta que deram foi: "ao terceiro dia".

Já São Paulo, na sua 1ª Carta aos Coríntios, resumindo os ensinamentos que transmitiu aos seus ouvintes, comenta: "Irmãos, recordo-vos a Boa Nova que vos preguei e que recebestes. Porque lhes transmiti o que eu próprio recebi. Primeiro, que Cristo morreu pelos nossos pecados de acordo com as Escrituras; que foi sepultado e ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras" (1 Coríntios 15,1-4). Paulo, então, já sabia no seu tempo (por volta do ano 53, muito antes de os Evangelhos serem escritos) o facto de que Jesus havia ressuscitado "no terceiro dia". Ele, por sua vez, afirma que a recebeu de pregadores anteriores, o que mostra quão antiga era essa crença. Mas como surgiu a ideia do "terceiro dia" entre os cristãos? A chave está nas palavras finais do texto de Paulo, quando ele acrescenta que isso aconteceu “de acordo com as Escrituras”. Aqui está a solução para o problema. De facto, de acordo com as Escrituras, quando Deus quer ajudar ou socorrer alguém do perigo, geralmente fá-lo «ao terceiro dia».

 

Um tempo para a dor

A primeira vez que encontramos essa ideia é numa famosa profecia dita por Oseias, um dos profetas mais antigos de Israel. Ao falar aos israelitas, Oseias disse-lhes: «Vinde, voltemos para o Senhor; Ele feriu-nos, Ele nos curará; Ele fez a ferida, Ele fará o penso. Dar-nos-á de novo a vida em dois dias, ao terceiro dia nos levantará, e viveremos na sua presença» (Oseias 6, 1-2).

Esta profecia expressava a confiança que os israelitas tinham na bondade de Deus, que às vezes parece punir-nos por um ou dois dias, mas ao terceiro dia, isto é, pouco depois, a raiva passa e Ele deita-nos a mão. Deus não está eternamente zangado com o homem.

 “Ao terceiro dia” significava apenas “em breve”, expressão de que Deus se serve para mostrar o Seu amor para com os Seus filhos. Os judeus, com base nesta profecia, chegaram à conclusão de que Deus não permite que as pessoas boas sofram mais de dois dias, porque ao terceiro dia Ele sempre vem para as livrar da sua aflição. Deste modo, o «terceiro dia» começou a ser interpretado como a data certa para a intervenção divina na História, o momento preciso para ajudar os justos. Assim, nos relatos do Antigo Testamento, esse prazo começou a ser nele incorporado a fim de mostrar que o que Oseias havia anunciado era verdade.

 

Com roupas limpas

Por exemplo, quando Abraão levou seu filho Isaac ao Monte Moriá para matá-lo e oferecê-lo como sacrifício, Deus apareceu a ele no terceiro dia e parou a mão que iria imolá-lo, salvando a vida do menino e da futura prole de Abraão (Génesis 22,1-4). Da mesma forma, quando os filhos de Jacó viajaram para o Egito para comprar comida, o livro do Génesis diz que eles foram presos e acusados de serem espiões, ficando as suas vidas em perigo. Mas ao terceiro dia, graças à intervenção divina, eles foram libertados e autorizados a retornar ao seu país sãos e salvos (Génesis 42,18: «No terceiro dia, José disse-lhes: “Fazei o seguinte e vivereis, porque temo o SENHOR”.»).

Da mesma forma, quando os israelitas deixaram o Egito e começaram a sua jornada pelo deserto, a marcha tornou-se difícil para eles porque eles não conseguiam encontrar água. Quando todo o povo estava prestes a morrer de sede, Deus interveio no terceiro dia e fez aparecer água potável, salvando-o da morte (Êxodo 15,22-25). Mesmo o maior evento de proteção divina, que foi a aliança entre Deus e o povo de Israel, ocorreu no terceiro dia. O texto bíblico diz que, quando os hebreus chegaram ao Monte Sinai, Deus falou a Moisés e disse: “O SENHOR disse a Moisés: «Vai ter com o povo, e fá-los santificar hoje e amanhã; que eles lavem as suas roupas. Que estejam prontos para o terceiro dia, porque ao terceiro dia o SENHOR descerá aos olhos de todo o povo sobre a montanha do Sinai.» (Êxodo 19, 10-11).

 

No ventre da terra

Muitos outros episódios bíblicos mostram Deus a agir no terceiro dia para preservar e acompanhar a vida de seu povo. É o caso, por exemplo, dos espiões enviados por Josué para explorar a Terra Prometida. Quando eles chegaram, o rei de Jericó ouviu falar sobre isso e perseguiu-os para os matar, mas eles foram salvos no terceiro dia (Josué 2,16). Davi também foi libertado por Deus no terceiro dia das mãos de seus inimigos, que haviam invadido o acampamento hebreu e sequestrado as suas mulheres e crianças (1 Samuel 30,1-20).

Ezequias, um dos reis de Jerusalém, teve uma experiência ainda mais extraordinária. Estando gravemente doente, e tendo já preparado todos os detalhes do seu próprio funeral, Deus falou-lhe através do profeta Isaías e anunciou-lhe que ao terceiro dia sairia da cama completamente curado (2 Reis 20,1-11). O livro de Ester conta-nos a história desta rainha, e como ela tinha sido proibida de comparecer perante o rei sem autorização. Se o fizesse, seria punida com a morte. Ester, porém, devido a uma emergência que tinha, apresentou-se ao monarca; mas fê-lo ao terceiro dia; e Deus salvou não só ela, mas todo o povo judeu que estava prestes a ser exterminado (Ester 4,16; 5,1).

Talvez o episódio mais significativo de uma salvação divina no terceiro dia seja encontrado na vida do profeta Jonas. De acordo com a Bíblia, ele havia recebido uma ordem divina para ir pregar na cidade de Nínive. Mas Jonas desobedeceu à ordem e fugiu num navio para Espanha. Durante a viagem, um enorme peixe o devorou, “e Jonas ficou no ventre do peixe por três dias e três noites” (Jonas 2,1). Ali, nas entranhas do cetáceo, Jonas orou arrependido pedindo perdão. Então Deus fez com que o peixe vomitasse na praia e o devolvesse são e salvo.

Vemos, assim, que no Antigo Testamento é comum encontrar Deus a realizar as suas grandes obras ao terceiro dia. Era uma forma de ensinar que, embora às vezes os justos sofram, o seu sofrimento terá sempre uma duração limitada, porque Deus virá no devido tempo para os salvar.

 

O Profeta Actualizado

Mas, no século II a.C., uma nova ideia entrou no povo de Israel: a da ressurreição dos mortos. Até aquele momento pensava-se que, quando alguém morresse, nunca mais voltaria à vida, porque a morte era o estado definitivo do ser humano. Mas, por volta de 200 a.C., surgiu na Palestina a crença de que Deus um dia trará os mortos de volta à vida. Então a profecia de Oseias, proferida 600 anos antes, sofreu uma reinterpretação.

Até aquele momento dizia-se que Deus só “ajudava” no terceiro dia, quando alguém tinha um problema. Mas como o maior problema que um homem pode ter é o da morte, os judeus pensavam que a profecia também poderia referir-se à ressurreição dos mortos: Deus ajudaria as pessoas levantando-as ao terceiro dia. Esta crença refletiu-se na nova tradução do livro de Oseias para o aramaico, séculos mais tarde (uma tradução chamada Targum). Essa tradução, em vez de dizer: «Depois de dois dias, Ele nos dará a vida, e no terceiro dia Ele nos ressuscitará», como dizia o hebraico original, ele diz: «Na consolação futura Ele nos dará a vida, e na ressurreição dos mortos Ele nos ressuscitará». De acordo com esta tradução, Oseias não anuncia que Deus nos levantará de nossas camas e nos restaurará a saúde ao terceiro dia, mas que Ele nos levantará do túmulo e nos trará de volta à vida.

 

Uma maneira de falar

No entanto, houve um problema. De acordo com esta nova interpretação da profecia, Deus ressuscita os mortos “no terceiro dia”. Mas no terceiro dia de quê? Das suas mortes? Isso não era verdade. Grandes personagens do Antigo Testamento, como Abraão, Isaque e Jacó, já haviam morrido há muito tempo e ainda não tinham ressuscitado. E já tinham passado mais de três dias desde a sua morte. Como calcular, então, esses três dias?

Para sair do atoleiro, os rabinos disseram que aqueles três dias não se referiam a períodos de 24 horas, mas a etapas da história. Assim, o primeiro dia correspondia à Era Presente, o segundo dia ao Tempo do Messias e o terceiro dia ao Mundo Futuro no qual os mortos ressuscitarão. O “terceiro dia” era, portanto, uma forma de falar de uma época futura, da terceira etapa da história, quando aqueles que dormem o sono da morte se levantarão de seus túmulos e voltarão à vida.

 

Para que calhe no domingo

Voltemos agora aos primeiros cristãos. Quando se convenceram de que Jesus estava vivo e correram para anunciar a sua ressurreição, ninguém sabia exatamente em que dia isso tinha acontecido. Só acreditavam que ele tinha voltado à vida. Mas, para eles, essa ressurreição inaugurou a nova era da ressurreição dos mortos, a terceira etapa, o novo tempo do Reino de Deus anunciado pelo profeta Oseias. Por isso começaram a dizer que tinha sido “no terceiro dia”. A expressão não pretendia aludir ao dia em que as mulheres descobriram o túmulo vazio, nem ao dia das manifestações de Jesus no Domingo de Páscoa, mas à Nova Era em que a humanidade tinha entrado, Era aquela em que todos os mortos podiam agora ressuscitar (mesmo que ainda não o fizessem). O tempo da salvação, tão desejado pelos judeus, tinha finalmente começado.

É por isso que os Evangelhos são tão vagos quanto ao momento exato da ressurreição de Jesus. O que importava era mencionar o número "três", mesmo que a fórmula variasse (“em três dias”, “depois de três dias”, “ao terceiro dia”). Mais tarde, quando a ressurreição começou a ser contada como um facto historicamente comprovado, o domingo foi escolhido para a celebrar. Assim, os evangelistas procuraram fazer com que a expressão coincidisse mais ou menos com os dados que tinham. Assim, Marcos diz que Jesus anunciou a sua ressurreição para “depois de três dias” (Marcos 8,31; 9,31; 10,34). Por outro lado, Mateus e Lucas, vendo que se Jesus tivesse morrido numa sexta-feira, faltavam menos de três dias para domingo, mudaram a fórmula e colocaram “ao terceiro dia”.

 

Uma vida sem cadáver

O poeta grego Homero, em “A Ilíada”, nunca descreve a beleza de Helena, por cuja beleza foi desencadeada a «Guerra de Troia». Ele não tinha palavras para isso. Em vez disso, recorre a uma dramatização: diz que dois homens a viram um dia passar, no alto dos muros de Troia, e que um deles exclamara espantado e apontando: “Nem que fosse só por aquela mulher, teria valido a pena a guerra que travámos.” Um recurso genial de Homero! Sem descrevê-la, o recurso de Homero deixa o leitor a interrogar-se acerca de que tipo de beleza seria ela!? O mesmo fazem os evangelistas: eles não têm palavras para descrever a ressurreição de Jesus. É algo que ultrapassa toda a expressão. Só falam do túmulo vazio.

Há coisas que não podem ser descritas por palavras, porque excedem as nossas categorias mentais. Como disse Joseph Ratzinger no seu livro “Introdução ao cristianismo”: "Cristo, com a sua ressurreição, não voltou mais à sua vida terrena anterior, tal como aconteceu com o filho da viúva de Naim ou com Lázaro. Cristo ressuscitou para a vida que não se enquadra nas nossas leis químicas e biológicas." É por isso que a sua ressurreição não tem uma data específica.

Mas, embora não a possamos datar com um dia fixo, podemos fazê-lo a partir da mudança que ocorreu nos discípulos. Eles, que eram homens impetuosos, intolerantes, duvidosos, ambiciosos, a partir daquele momento sentiram-se completamente transformados e até capazes de enfrentar os perigos e resistir às dificuldades, ao ponto de darem a vida pela fé que haviam adquirido. Tinham compreendido que, se os tempos tinham mudado, também eles tinham de mudar.

Afirmar que Jesus ressuscitou ao terceiro dia não significa acreditar numa data, mas num novo modo de vida, no qual já não vivemos como cadáveres; em que não pactuamos com qualquer modo de vida corrupto; em que assumimos um compromisso formal com as outras pessoas; em que, para além das adversidades e das quedas, continuamos a erguer-nos todos os dias da nossa prostração. Porque a única maneira de provar que Jesus está vivo [ressuscitou] é mostrar que os seus seguidores estão. [«Almeida Garrett não pactuava, antes apontava o dedo aos “economistas e os políticos,” [e perguntava-lhes] se já tinham calculado o número de indigentes que são necessários manter na penúria para produzir um rico…»]

 

 

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Otro caso más del inverno eclesial de la época Juan Pablo II

ARIEL ALVAREZ VALDÉS RENUNCIA AL SACERDOCIO

Resumen de prensa

Debido a un largo conflicto con el Vaticano, el sacerdote y reputado biblista Ariel Alvarez Valdés  decidió dejar el ministerio sacerdotal, “cansado” de lidiar con la censura del Vaticano y del obispo de Santiago del Estero, Francisco Pólit, del Opus Dei, "para poder dedicarme a la Biblia y enseñar sin presiones la Palabra de Dios", según expresó el religioso.

Desde hace 15 años Álvarez Valdés viene manteniendo un debate con Roma debido a algunas afirmaciones que vertió en sus libros, y que fueron observadas por la Sagrada Congregación para la doctrina de la fe a través del entonces secretario, Tarcisio Bertone.

La Santa Sede, si bien reconoció por escrito que el biblista santiagueño no tenía errores doctrinales, le cuestionó el hecho de haber "hecho públicas" tales enseñanzas, que podían generar confusión entre los fieles. Alvarez Valdés presentó su renuncia al sacerdocio en julio de 2009, y aunque siguió dialogando con el Obispado local tratando de encontrar un acuerdo, finalmente no pudieron llegar a ningún arreglo, "debido a que se me puso como condición, en la última carta que me mandaron en noviembre del año pasado, que yo escribiera un artículo reafirmando la historicidad del relato de Adán y Eva, algo que para mí es inaceptable como biblista", sostuvo el ex sacerdote.

Tristeza

"Resulta triste que tenga que dejar el sacerdocio para poder dedicarme a la Biblia; pero desde hace casi dos años estoy impedido de hablar, escribir, publicar, enseñar o dar cursos, y todo por unas afirmaciones que resultan secundarias para nuestra fe, como es el caso de Adán y Eva o el arca de Noé, que no afectan ningún dogma", añadió.

7 "Renuncio porque a partir de ahora quiero dedicarme a divulgar la Palabra de Dios, tal como me enseñaron en las universidades católicas y pontificas donde estudié, en Jerusalén donde hice la licenciatura, y en Salamanca donde hice el doctorado en Teología Bíblica, y que siendo sacerdote diocesano me resulta imposible hacer por una prohibición", concluyó el reconocido biblista.

Ariel Álvarez Valdés, de 52 años, ejercía el sacerdocio en Santiago del Estero, capital de la provincia argentina homónima (norte).

“Escribí un artículo donde decía que no se podía ser poseído por el demonio, sino que eran enfermedades. Me obligaron a retractarme”, declaró a la radio bonaerense Continental. “Algunos pasajes de la Biblia no ocurrieron de forma literal, sino que son parábolas que buscan explicar alguna significación religiosa”, explicó al concretar los motivos por los que niega la veracidad histórica de Adán y Eva, y del arca de Noé.

Álvarez Valdés también niega la existencia del ángel que habló con la Virgen María, las apariciones físicas de la Virgen y pone en duda que Jesús haya nacido en Belén. “Tengo más de mil quinientas publicaciones en revistas de todo el mundo. Todo lo que yo enseñaba estaba publicado en libros de católicos”, destacó Álvarez Valdés. “El Vaticano hizo revisar todos mis libros por peritos especializados en Teología del mismo Vaticano y no pudieron encontrar ningún error de dogma. Entonces intentaron que me retractara igual”, remarcó.

El religioso recordó que en 2002 había recibido una amonestación del Vaticano y otra del obispo Pólit, el año pasado, en ambos casos con la exigencia de mantener “silencio” y de retractarse de sus dichos.

 

En torno al caso de Ariel Alvarez - RETRACTACIONES Y CONDENA

Por Xabier Pikaza

 

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Ariel Álvarez Valdés vino a Salamanca el 2002, perseguido por "nueve acusaciones" de las que debía responder ante el Cardenal Bertone. Le dieron un tiempo para que lo estudiara. De todas formas, su obispo le defendió y siguió actuando como solía. Ariel terminó su tesis y volvió a Santiago del Estero el año 2004.

Sin embargo, las cosas se complicaron porque el 19 de agosto de 2005 el obispo Juan Carlos Maccarone tuvo que presentar la renuncia, aceptada por el Vaticano. No convenía que siguiera Maccarone y le encontraron un «fallo grave» (con medios 8 ilegales) «en un hecho reñido con la moral católica, como resultado de una estrategia diligentemente montada por intereses políticos, económicos y eclesiásticos».

Así nombraron obispo a Francisco Polti, conocido miembro del Opus Dei, con el encargo de "resolver el asunto Ariel Álvarez". Y parece que, por ahora, lo ha resuelto, a su manera. La nueva formulación de las nueve tesis discutidas. Ciertamente, las cosas de palacio van despacio… y así dejaron pasar algún tiempo. Pero el año 2007 quedaron fijas las "retractaciones" enviadas a Roma por Ariel. Él mismo me las mandó, en marzo de 2007: «El Vaticano me pide que me retracte de 10 temas. Yo los redacté de tal manera que quedara claro que lo que yo decía no era tan absurdo para el sentido común, para que la gente común que leyera mi retractación al menos se sintiera identificada con el pensamiento.»

 

 

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RETRACTACIÓN EN EL ÁMBITO NACIONAL

En mi condición de sacerdote de la Iglesia Católica, y por pedido expreso de la Santa Sede, quiero rectificarme por medio de la presente de algunas afirmaciones que han resultado ser contrarias a las enseñanzas de la Iglesia Católica (según el Catecismo de la Iglesia Católica), Iglesia a la que amo, respeto, y deseo seguir permaneciendo unido desde mi ministerio.

1.- Yo había afirmado que a Dios no le agrada el sufrimiento del hombre, que no lo manda, ni lo permite directamente, porque Dios salva mediante el amor y no mediante el dolor. Y que jamás puede entrar en la voluntad de Dios algo que pueda hacer sufrir al hombre.  Sin embargo, esto no coincide con las enseñanzas de la Iglesia Católica, de que el sufrimiento tiene un valor salvífico.

2.- Yo había afirmado que Dios siempre hace milagros, pero no suspendiendo ni superando las leyes de la naturaleza, pues estas leyes están bien hechas por Dios, y no hay necesidad de suspenderlas; que Dios cuando hace milagros los hace a través de las mismas leyes de la naturaleza, muchas de ellas desconocidas por el hombre, por eso a veces tenemos la impresión de que éstas se "suspenden". Y que esta explicación no minimiza en absoluto el poder de Dios, al contrario, lo afianza y engrandece. Sin embargo, esto no coincide con las enseñanzas de la Iglesia Católica, de que los milagros, en cuanto suspensión de las leyes naturales, son posibles.

3.- Yo había afirmado que, con las enseñanzas de Cristo, el valor doctrinal del libro de Job había sido superado, pues este libro fue escrito cuatrocientos años antes de la venida de Cristo, y su autor no conocía las novedosas enseñanzas de Jesús respecto del sufrimiento. También afirmé que, con las enseñanzas de Cristo, el valor de los diez mandamientos había sido superado, pues éstos fueron 9 enseñados por Moisés para el pueblo judío, mientras que Jesús afirma en el Sermón de la montaña (Mt 5) que los cristianos no deben basarse en los diez mandamientos sino mostrar una conducta superior.  Sin embargo, esto no coincide con las enseñanzas de la Iglesia Católica de que, con la aparición del Nuevo Testamento, el valor doctrinal del libro de Job o de los diez mandamientos no fue superado (CIC 123).

4.- Yo había afirmado que los primeros capítulos del Génesis (el relato de Adán y Eva, de Caín y Abel, del arca de Noé) no contienen historia en el sentido moderno de la palabra, sino que pertenecen a un género literario especial, con el que se pretende transmitir más bien unas enseñanzas sobre el origen del hombre y del pecado en el mundo. Sin embargo, esto no coincide con las enseñanzas de la Iglesia Católica, de que, no obstante los géneros literarios, estos capítulos contienen relatos históricos.

5.- Yo había afirmado que el relato de la anunciación del Evangelio de San Lucas, es decir, la narración de un ángel que entra volando en la casa de María y conversa físicamente con ella, realmente no existió de esa manera, sino que Lucas empleó un género literario especial para contarlo, llamado "relato de anunciación", frecuentemente empleado en otras partes de la Biblia. Sin embargo, esto no coincide con las enseñanzas de la Iglesia Católica, de que el relato de la anunciación realmente tuvo lugar en la historia tal como lo cuenta San Lucas.

6.- Yo había afirmado que la idea de la virginidad de María "durante el parto" (es decir, el hecho de que no hubo ruptura de himen) está basada en los evangelios apócrifos, y que el parto de María en este sentido debió de haber sido normal, como el de toda muchacha, ya que esto no añade ni quita nada a la grandeza de María, así como no afecta al hecho de su virginidad perpetua. Sin embargo, esto no coincide con las enseñanzas de la Iglesia, de que María se mantuvo virgen incluso durante el parto (CIC 499). Además de esto, quiero aclarar dos afirmaciones que hice correctamente, pero que pueden ser malinterpretadas.

7.- Al escribir yo que el relato de Adán y Eva comiendo del fruto prohibido en el Paraíso no era una narración histórica, sino que sólo pretendía transmitir una enseñanza religiosa, algunos han pensado que yo negaba con ello la doctrina del pecado original. Por eso quiero aclarar que nunca negué tal doctrina, sino que la sostengo y reafirmo, tal como enseña la Iglesia Católica.

8.- Al decir yo que todos los cristianos, por el hecho de ser bautizados, son sacerdotes de Jesucristo, algunos han pensado que yo sostenía que todos son igualmente sacerdotes de Jesucristo en el sentido ontológico. Por eso quiero aclarar que siempre creí, y que quise decir, que el sacerdocio común de los fieles y el sacerdocio ministerial son diferentes esencialmente, y participan de distinta manera del único sacerdocio de Cristo.

Por lo tanto me retracto de todas estas afirmaciones que no coinciden con lo que actualmente enseñanza la Iglesia Católica.

En mi condición de sacerdote de la Iglesia Católica, y por pedido expreso de la Santa Sede, quiero rectificarme por medio de la presente de las siguientes afirmaciones que han resultado ser contrarias a las enseñanzas de la Iglesia Católica, a la que amo, respeto, y deseo seguir permaneciendo unido desde mi ministerio.

9. Yo había afirmado en este espacio, que una vez muerto el ser humano, el alma no se separa del cuerpo. Que tal separación es una idea de la filosofía griega, que no aparece en el Nuevo Testamento, de donde tomamos el concepto de resurrección. También había afirmado que la resurrección se produce inmediatamente después de la muerte, porque después de la muerte no hay tiempo que esperar. Sin embargo, esto no coincide con las enseñanzas de la Iglesia Católica, de que, al morir, se produce la separación del alma y del cuerpo, y mientras el cuerpo cae en corrupción, el alma va al encuentro de Dios en espera de reunirse con su cuerpo glorificado (CIC 997). Por lo tanto me retracto de estas afirmaciones que no están de acuerdo con lo que actualmente enseñanza la Iglesia Católica.

Pbro. Dr. Ariel Álvarez Valdés, Santiago del Estero (Argentina) POR PEDIDO EXPRESO DE LA SANTA SEDE

 

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Pareció en un momento que el tema se iba a resolver. El obispo Politi estaba contento. Pero hubo una frase que a él le molestaba… y que en Roma no pudieron aceptar: «por pedido expreso de la Santa Sede».

11 Querían que Ariel se retractara por sí mismo, por decisión espontánea… Estoy convencido de que hubo un momento en que estaba casi convencido a firmar «por voluntad propia, sin coacción ninguna», pero, al final, le pareció que eso era contrario a la verdad. Yo no quise opinar, la mayoría de los amigos no quisimos influirle nada. Pero algunos le dijeron que el Vaticano le pedía que mintiera… y que esos habían sido los métodos de la KGB. El caso es que pensó que así no podía firmar…

 

 

LA CONDENA

Decreto del Obispo diocesano de Santiago del Estero, monseñor Francisco Polti Santillán, superior eclesiástico inmediato del presbítero Ariel Álvarez Valdés, profesor de Teología, emitido con fecha cuatro de agosto del corriente año:

 

«Vistos los numerosos intercambios epistolares efectuados con el doctor Ariel Álvarez Valdés acerca del contenido de muchas de sus reflexiones y propuestas teológicas publicadas en diversos medios de la Argentina y de otros países.

Considerando:

1. Que algunas de sus afirmaciones causan perplejidad y llevan a pastores y fieles a preguntarse si dichas afirmaciones son compatibles con la enseñanza del Magisterio auténtico de la Iglesia.

2. Que el presbítero doctor Ariel Álvarez Valdés ha reconocido lo fundado de dichas reacciones provocadas por sus escritos y ha manifestado reiteradamente estar dispuesto a hacer las rectificaciones pertinentes en sus nuevas publicaciones.

3. Que el interesado también ha manifestado su disposición de hacer públicas las retractaciones correspondientes a las cuestiones teológicas que, en sus intervenciones, presentan ambigüedades o errores.

4. Que, sin embargo, el presbítero doctor Ariel Álvarez Valdés ha hecho notar que dichas retractaciones serían publicadas a condición de incluir una mención expresa a que se efectúan por pedido explícito de la autoridad eclesiástica.

5. Que de ser incluida en el texto dicha cláusula limitaría severamente la consistencia y la autenticidad de las retractaciones.

 

Por tanto, en virtud de lo establecido en los cánones 772, 812, 823, 824 y la legislación complementaria de la Conferencia Episcopal Argentina, por las presentes letras Decreto:

1. A partir del 5 de agosto de 2008 y mientras no se disponga otra cosa, el presbítero doctor Ariel Álvarez Valdés carece de licencias para hacer nuevas publicaciones o disponer la reedición de publicaciones anteriores.

2. A partir del 5 de agosto de 2008, el presbítero doctor Ariel Álvarez Valdés carece de misión canónica para la enseñanza de disciplinas teológicas en cualquier nivel de docencia, incluyendo cursos cortos, conferencias y toda otra actividad análoga.

3. A partir del 5 de agosto de 2008, el presbítero doctor Ariel Álvarez Valdés carece de licencias para participar en la organización y uso de medios de comunicación social, incluyendo internet, ya sea a través de escritos, grabaciones, filmaciones y cualquier otro tipo de soporte.

4. Exhorto al presbítero doctor Ariel Álvarez Valdés a que revise su actitud en espíritu de humildad, obediencia y comunión, para el bien de toda la Iglesia, y de un mayor y fructuoso servicio ministerial.

5. Notifíquese a quienes corresponda y, una vez cumplido, archívese.

 

©

 

Y el trabajo duro se lo dejaron a Monseñor F. Politi Si, le dejaron el trabajo duro. No se atrevieron a firmar en Roma… El secretario anterior Angelo Amato, SDB, se fue sin firmar. No sabemos lo que hará el nuevo, cuando tome posesión (L. Ladaria). Estoy convencido de que tanto A. Amato como L. Ladaria piensan lo mismo que Ariel Fernández (y que así piensa también Josph Ratzinger, como teólogo). Pero todos ellos son hombres de tradición… Piensan que al "pueblo" no se le puede inquietar… Desde aquí quiero enviarle a Ariel mi amistad y mi solidaridad teológica. Es posible que yo matizara algunos de sus puntos, pero en el fondo estoy de acuerdo con ellos... y sobre todo, quiero defender su libertad teológica, dentro de la iglesia. Me solidarizo plenamente con su esfuerzo por acercar la Biblia al pueblo. Protesto por el interés que hay de "ocultar" las verdades. Lo que Ariel dice lo dicen de un modo u otro todos los teólogos, pero en Roma algunos tienen miedo de que el pueblo sepa, de que el pueblo piense. Dicho todo eso, a diferencia de algunos que se quieren "borrar" yo creo que sigue siendo coherente vivir y trabajar desde dentro de la iglesia, como quiere hacer Ariel. (X. Pikaza)

 

 

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5 de janeiro de 2025

Jesus é substantivo, Deus é adjectivo



A CRISTOLOGIA DE JON SOBRINO

Julio Lois Fernández



I-Introdução

Vou limitar-me a apresentar algumas das chaves de reflexão cristológica de J. Sobrino que me parecem ser as mais significativas, fazendo especial referência – ainda que não exclusivamente – às questões que são objecto expresso da consideração por parte da «Notificação da Congregação para a Doutrina da Fé», de 26 de Novembro de 2006.

A cristologia é, sem dúvida, uma parte fundamental da reflexão teológica de J. Sobrino. Basta lembrar que quatro das suas obras mais importantes[1], e também numerosos artigos seus, versam sobre questões de cristologia.

II-A cristologia de J. Sobrino postula a recuperação da humanidade real de Jesus de Nazaré, um homem galileu do séc. I

Ao defender tal recuperação, J. Sobrino junta-se a boa parte da reflexão cristológica das últimas décadas, a qual chega ao ponto de a considerar uma verdadeira «necessidade epocal».[2]

Com a recuperação da humanidade real de Jesus o galileu, J. Sobrino pretende evitar que se caia em novas formas de docetismo ou gnosticismo, as quais poderiam conduzir-nos – como ele próprio diz – a que «Cristo se torne independente daquilo que Jesus foi», ou seja, a confessar «um Cristo que não se parece com Jesus, inclusivamente que seja o oposto dele» e que, assim, «por mais paradoxal que pareça, a mais alta afirmação cristológica sobre Cristo se possa converter subtilmente num alibi para que se não reconheça – e se siga – Jesus».[3]

Esta possibilidade paradoxal, com as consequências políticas que daí advêm —Jesus o incendiário, Cristo o bombeiro — foi muito bem sintetizada por outro teólogo da cristologia actual: «Enquanto Jesus foi um homem conflituoso para com as autoridades religiosas … "Cristo, Filho de Deus" converteu-se na desculpa com que as autoridades religiosas pretendem domesticar ou desautorizar todo o tipo de conflitualidade que lhes surja por diante. Assim, temos que, enquanto Jesus foi um homem descaradamente parcial a favor dos pobres, "Cristo, Filho de Deus" é uma desculpa para que os cristãos não optem pelos pobres em nome da universalidade do divino, o que não passa de uma forma de desviar as atenções diante da tremenda opressão e das tremendas desigualdades que erguemos entre nós.»[4] «Foi assim que se conseguiu que a divindade de Jesus se convertesse numa escapatória que desvia o foco para o abstracto e para a falsa espiritualidade, o que, ao mesmo tempo que tranquiliza as consciências, actua como poderoso freio conservador e manutenção do status quo do Ocidente».[5]

Em resumo, com a recuperação da real humanidade de Jesus, J. Sobrino procura, sobretudo, evitar que se neutralize ou se domestique a força crítica que a sua vida e a sua mensagem, a sua memória subversiva e libertadora tiveram. Usando as suas próprias palavras: «A partir da América Latina … a maior urgência para a fé não é a desmitificação de Cristo, como acontece com as teologias progressistas, mas a des-pacificação de Cristo: que não nos deixe em paz diante da miséria real e, assim, aconteça a sua des-ideologização: que em seu nome seja impossível oprimir-se a realidade».[6]

III-A recuperação da humanidade real de Jesus aconselha, melhor, urge uma cristologia metodologicamente elaborada «a partir de baixo»

Enquanto as Cristologias informadas por uma metodologia «a partir de cima» têm como ponto de partida a afirmação da fé na divindade de Jesus como algo já previamente adquirido e admitido, uma Cristologia «a partir de baixo», do ponto de vista metodológico, parte da humanidade de Jesus e, a partir daí, eleva-se ao reconhecimento crente da sua condição divina.

Na actual situação, que se caracteriza por uma extensa descrença, é pouco recomendável, do ponto de vista metodológico, que a reflexão cristológica parta da divindade de Jesus, como algo pacificamente adquirido. Como muito bem diz W. Pannenberg, «em vez de pressupor desde já a sua divindade, há que colocar em primeiro lugar o problema de como é que o acontecimento histórico de Jesus levou ao reconhecimento da sua divindade.» Acontece que — acrescenta Pannenberg — «uma Cristologia que parte da divindade do Logos e começa a discorrer unicamente a partir da união do homem com Deus em Jesus dificilmente chegará a conhecer o significado decisivo que determina a particularidade específica do autêntico e histórico homem de nome Jesus de Nazaré».[7]

Com efeito, poderá dizer-se que pensar Jesus a partir da afirmação da sua divindade torna muito difícil recuperar a sua real e completa humanidade. Ou seja, com uma metodologia «a partir de cima» corre-se o risco de elevar tão alto Jesus, que o seu seguimento se converterá em missão muito difícil de realizar e, consequentemente, se desnaturalizará a vivência da fé cristã.[8]

A Cristologia de J. Sobrino opta de forma decidida por uma metodologia «a partir de baixo». Para o nosso teólogo, «a dimensão da realidade total e totalizante de Cristo» que melhor permite o acesso ao Cristo total é a imagem histórica de Jesus de Nazaré, a qual deverá ser erigida como «o ponto de partida objectivo» de toda a reflexão cristológica: «Como princípio, digamos que, para nós, o ponto de partida (da cristologia) é o Jesus histórico, ou seja, a pessoa, a doutrina, os factos e as atitudes de Jesus de Nazaré na medida em que, tanto quanto possível e de maneira geral, sejam acessíveis à investigação histórica e exegética».[9]

J. Sobrino exprime com clareza as razões que o levaram a essa opção metodológica. Ele afirma que «para evitar que a "hybris" e a pecaminosidade cheguem a ser reais na fé e na cristologia, o proceder metodológico mais operativo é ver, num primeiro momento, Cristo a partir de Jesus e não o inverso». Mais. Sobrino pensa que esta metodologia «a partir de baixo» permite que se consiga que «Jesus seja como que a salvaguarda de Cristo». E passa a explicá-lo: «"Cristo" é um adjectivo — o "ungido" — com o qual se exprime a relevância da pessoa ungida, enquanto Jesus é um substantivo que designa a irrepetibilidade concreta de uma pessoa. Ora, acontece que os seres humanos, os crentes também, podem introduzir no adjectivo aquilo que não está no substantivo e, pior ainda, podemos inclusivamente introduzir no adjectivo algo contrário ao substantivo. Por palavras simples: podemos confessar Cristo que não se parece com Jesus, inclusivamente, que é o contrário de Jesus… Não só podemos manipular Jesus em nome de Cristo como o fazemos mesmo». Na verdade, e «ainda que possa parecer um jogo de palavras, tudo se decide quanto à prioridade metodológica a dar a uma de duas posturas: «-Jesus é o Cristo!» ou «-Quem é para ti Cristo? -É Jesus!». Cremos que o Novo Testamento afirma claramente o segundo modo, e nisso está a novidade da nova fé. E o NT disse-o … precisamente para salvaguardar aquilo que verdadeiramente lhe interessava: a verdadeira fé em Cristo.»[10]

IV-Insistindo no conteúdo das duas chaves anteriores: a fim de levar a sério a recuperação da humanidade real de Jesus e proceder com uma metodologia «a partir de baixo», é preciso regressar de forma decidida ao «Jesus histórico», colocando assim a sua vida e a sua mensagem no centro de interesse da reflexão cristológica

Pode afirmar-se, sem medo de errar, que o regresso ao Jesus histórico, ou seja, àquilo que a investigação histórico-crítica nos permite afirmar acerca de Jesus, é uma característica de uma parte da cristologia actual. Como indica González Faus, «diante da total ausência do Jesus histórico, quer em Bultmann que o ignora … quer em Tomás de Aquino, que se limita a justificar com razões Ꞌa prioriꞋ os episódios da sua vida, assistimos hoje a um regresso ao Jesus da história, ou seja, àquilo que a história nos pode dizer acerca da vida real e acerca da pessoa concreta daquele homem que se chamou Jesus de Nazaré».[11]

Acontece que este regresso ao Jesus da história apresenta, na cristologia de J. Sobrino, características específicas próprias da teologia da libertação, o que lhe confere uma identidade singular.

Com efeito, a cristologia que a teologia da libertação nos oferece afirma a importância da investigação histórico-crítica sobre Jesus, na medida em que sabe que é preciso que se supere uma apresentação mitificada de Cristo e se elabore uma cristologia fundamental capaz de mostrar a condição de "obséquio razoável" que a fé em Cristo tem, mas não outorga, porém, a mesma finalidade (à dita investigação) que lhe outorga a cristologia europeia. A cristologia da libertação procura recuperar a história de Jesus com a finalidade prioritária de prolongar essa mesma história dentro da situação actual de opressão de que a América Latina padece. O seu objectivo preferencial não é tanto mostrar a razoabilidade da fé em Cristo, mas a operacionalidade histórica do sinal libertador.

González Faus di-lo com clareza: «Na Europa, o Jesus histórico é objecto de investigação ao passo que na América Latina é critério de seguimento. Na Europa, o estudo do Jesus histórico procura estabelecer as possibilidades e a razoabilidade do ꞋacreditarꞋ ou do Ꞌnão acreditarꞋ. Na América Latina o apelo ao Jesus histórico pretende conduzir ao dilema do Ꞌconverter-seꞋ ou Ꞌnão se converterꞋ.[12]

Assim, a finalidade que J. Sobrino persegue com o regresso ao Jesus histórico é a de permitir que prossiga a Sua história na actualidade. Porém, concretizando ainda mais, o nosso Autor considera que «o mais histórico de Jesus é a sua prática, ou seja, a sua actividade para laborar activamente sobre a realidade circundante e transformá-la numa direcção determinada e perseguida: na direcção do Reino de Deus … O lado histórico do Jesus histórico é, para nós, então e em primeiro lugar, um convite (e uma exigência) a prosseguir a Sua prática; na linguagem do próprio Jesus, convite a segui-lo em missão… Quando se fala do Jesus histórico, aquilo que há que garantir antes de mais nada é o prosseguimento da Sua prática».[13]

Convém deixar claro, por outro lado, que a postulada recuperação da humanidade real de Jesus, com a consequente preeminência concedida – do ponto de vista metodológico – ao regresso ao Jesus histórico, de forma alguma implica negar ou questionar a divindade ou a condição divina de Jesus.

Mais. Pode afirmar-se que de facto a cristologia de J. Sobrino tentou precisamente, como ele mesmo diz, «tratar a divindade de Cristo a partir de uma óptica mais própria da Cristologia da Libertação (CL): a apresentação da pessoa de Jesus.»[14] O nosso teólogo está convencido que tal óptica, caso mantenha a radicalidade da apresentação de Jesus, não vai degenerar num puro jesuanismo que ignore a sua divindade.

Para conseguir esta tematização da divindade, Sobrino propôs dois modos: «O primeiro modo é desenvolver especulativamente as virtualidades do Jesus histórico para, a partir da Sua história, reformular a Sua transcendência divina. O segundo modo – o mais surpreendente – consiste em desenvolver praxicamente o impacto de Jesus. Neste modo, trata-se de explicitar a divindade de Cristo a partir do acto da fé que a pessoa de Jesus desencadeia na sua realidade histórica.»[15]

Depois de explicar os dois modos, Sobrino conclui: «A CL (Cristologia da Libertação) não desconhece, nem especulativamente nem praxicamente, a transcendência divina de Cristo, ainda que se tenha concentrado na exposição da figura histórica. Essa transcendência divina está implícita — e na verdade presente — nos conteúdos da sua pessoa e no próprio enfoque dessa pessoa. Para afirmar a sua divindade, tal como o faz o Novo Testamento e os concílios, não é preciso fazer mais do que explicitar as suas virtualidades. Aquilo que a CL acrescenta, porém, é que a confissão da divindade de Cristo se realizará cristãmente no real, e superará um mero saber acerca de Cristo, … através dum humilde e incondicional «seguimento de Jesus», onde se aprende a partir de dentro que Deus se abeirou incondicionalmente em Jesus e que Deus se prometeu a nós incondicionalmente em Jesus, que Jesus é verdadeiro Deus e que em Jesus o verdadeiro Deus se manifestou».[16]

Ora, é precisamente a esta questão central da divindade de Jesus que se refere a "Notificação" da Congregação para a Doutrina da Fé, para indicar que diversas afirmações de Jon Sobrino «tendem a diminuir o alcance das passagens do Novo Testamento que afirmam que Jesus é Deus» e que «com as suas asserções de que a divindade de Jesus só foi afirmada depois de muito tempo de reflexão crente decorrido … evidentemente que não a nega, mas não a afirma com a devida clareza dando azo à suspeita de que o desenvolvimento dogmático, que é recoberto com características ambíguas, chegou a esta formulação sem uma continuidade clara com o Novo Testamento».[17]

Será que Jon Sobrino estabelece essa descontinuidade ou rotura inadmissível entre o desenvolvimento dogmático posterior e o que afirma o Novo Testamento? Não parece que seja assim. O que o nosso Autor sustenta é que, no Novo Testamento, a divindade de Jesus é afirmada de maneira implícita e marginal, e só mais tarde sê-lo-á de forma clara e explícita. Isto – tal como afirma o rigoroso "Comentário" de «Cristianisme i Justicía» à Notificação – «é hoje quase um lugar-comum da teologia». Com efeito, «tudo o que Sobrino diz acerca do Novo Testamento não é original e foi tomado de diversos exegetas e teólogos da actualidade (U. Wilckens, R. Brown, W. Kasper, X. Leon-Dufour, H. Schúrmann, etc.). Muitas das cristologias actuais (entre elas as do bispo e cardeal W. Kasper) sustêm essa germinalidade e procuram mostrar, tal como o faz Sobrino, que existe uma continuidade — quebrada e descontínua — entre a confissão neotestamentária da Transcendência de Jesus e a afirmação conciliar da sua consubstancialidade divina». Em jeito de conclusão, há que dizer que «não se pode acusar Jon Sobrino de diminuir ou não afirmar com suficiente clareza a divindade de Jesus».[18]

A tudo isto importa acrescentar que a recuperação da humanidade real de Jesus, no sentido já referido atrás, não pressupõe que se pretenda negar ou tergiversar a questão da encarnação do Filho de Deus n’Ele.[19]

Claro que também não é este o critério da "Notificação" da Congregação da Fé, para quem a cristologia de J. Sobrino «estabelece uma distinção entre Filho e Jesus, a qual sugere ao leitor a presença de dois sujeitos em Cristo: o Filho assume a realidade de Jesus; o Filho experimenta a humanidade, a vida, o destino e a morte de Jesus. Não está claro que o Filho seja Jesus e que Jesus é o Filho». A distinção assim estabelecida — continua a "Notificação" — «reflecte a chamada teologia do homo assumptus, a qual é incompatível com a fé católica que afirma a unidade da pessoa de Jesus Cristo em duas naturezas – divina e humana – na linha das formulações dos Concílios de Éfeso e sobretudo do de Calcedónia».[20]

Vou limitar-me a citar aquilo que o próprio Jon Sobrino disse (que consta da resposta em privado que ele deu ao primeiro escrito não público da Congregação da Fé), em que nega que a sua cristologia seja reflexo daquela teologia de recorte nestoriano mencionada («homo assumptus»), que fala de dois sujeitos:

«Importa lembrar que em Deus a expressão «assumir» não tem de pressupor a existência de uma realidade prévia formalmente constituída, como se o Logos fizesse seu aquilo que antes era autónomo. Ou seja: não digo ꞋJesusꞋ existia e o Logos assume-o, a seguir. Para que fique claro que "toda a realidade de Jesus" de que falo não é uma realidade que já está constituída diante do Logos: basta recordar a conhecida frase de Agostinho acerca da humanidade de Jesus — Ꞌipsa assumpione creaturꞋ — que quer dizer, a humanidade ao ser assumida é criada. A humanidade não foi em primeiro lugar criada e só depois é que foi assumida. Não existem dois sujeitos; muito menos eles existem na minha cristologia. Não sou nestoriano e isso nunca me passou pela cabeça. Não creio que se possa deduzir, do «teor literal» do meu texto, que ele seria "incompatível com a fé católica". Tanto quanto seja do meu conhecimento, ninguém, até ver, afirmou tal coisa.»[21]

V-É interessante destacar que a tentativa citada de recuperar a humanidade real de Jesus leva à afirmação da condição crente de Jesus

«Um modo concreto e eficaz de atingir a verdadeira historicidade de Jesus consiste em meditar sobre algo que, regra geral, acaba por ficar para trás e que representa o mais profundo da pessoa de Jesus: a sua fé.» E acrescenta Sobrino, citando L. Boff: «Jesus foi um extraordinário crente e teve fé. A fé foi o modo de viver de Jesus».[22]

A importância decisiva desta questão — a fé de Jesus — é melhor apreciada caso tenhamos em conta o seguinte: caso Jesus não a possuísse, «Jesus poderia ser chamado como um igual a nós, ainda que no mais fundo da sua humanidade ele não é como nós. Podemos definir a humanidade de Jesus a vários níveis: pessoal-existencial, inclusivamente social e até político, mas caso não se aceite a sua fé, Jesus ficaria infinitamente distante de nós e — paradoxalmente, para a teologia — estaríamos a dizer que a fé não seria essencial para definir o lado humano. A aceitação da verdadeira humanidade de Jesus fica posta à prova a partir do questionamento da admissibilidade ou da não admissibilidade da fé de Jesus. Caso não seja admitida a sua fé, a linguagem de Jesus não passaria de uma linguagem piedosa, mas não real.»[23]

É curioso que, entre outros motivos, se destaque esta questão concreta da fé de Jesus, tanto mais que esta recuperação do Jesus crente foi desqualificada na já citada "Notificação" da Congregação para a Doutrina da Fé.

Após citar algumas afirmações de livros de J. Sobrino nos quais este autor defende a condição crente de Jesus, a "Notificação" afirma que «a relação filial de Jesus com o Pai – na sua singularidade irrepetível – não surge com clareza nas passagens citadas, antes pelo contrário, essas afirmações levam a concluir pela sua ausência». E acrescenta: «Se Jesus fosse um crente como nós, mesmo que de maneira exemplar, nunca poderia ser o verdadeiro revelador que mostra o rosto do Pai». Na verdade, «Jesus, o Filho de Deus feito carne, goza de um conhecimento íntimo e imediato de seu Pai, de uma "visão", que seguramente vai para lá da fé».[24]

O "Comentário" do centro «Crstianisme i Justicía», redigido para responder à "Notificação", depois de reconhecer que, na história da teologia, teólogos tão ilustres e influentes como Santo Agostinho negaram, a Jesus, a condição de crente[25], lembra que, a partir dos anos 60 do passado século, «o tema da fé de Jesus esteve em cima da mesa de quase todas as cristologias».[26] E anexa-se a razão por que a teologia foi levada a esta situação: «Numa encarnação que leva em conta a kénosis de Deus e a historicidade de Jesus … nunca se poderá dizer que a união hipostática requer necessariamente a visão e o conhecimento do plano da salvação». Portanto, pretender «que por via da união hipostática Jesus teve, desde o início, a experiência da visão imediata de Deus, é apenas uma opção teológica — hoje em dia minoritária —, que corre o risco de eliminar Jesus de todos os territórios ou âmbitos humanos: a dúvida, a tristeza (Mc 3, 5), a confiança (Heb 5), a sensação de abandono (Mc 15, 34), o terror, o pavor ou a angústia (Mc 14, 33-34)».[27]

VI-A reflexão cristológica de Jon Sobrino pretende ser uma reflexão feita a partir do lugar em que está a solidariedade real – traduzida em praxis libertadora – com a causa dos pobres e dos excluídos

Com esta postura, e aplicando-a à Cristologia, Jon Sobrino apropria-se da metodologia própria da Teologia da Libertação, quiçá o contributo mais decisivo que essa TdL deu à reflexão teológica cristã. Como diz o nosso Autor — «a insistência em que só a partir da praxis (da libertação) se pode fazer teologia — este é o contributo mais profundo que a teologia da libertação deu à teologia geral, já que operou um descentramento do problema dos conteúdos da teologia para a própria condição da possibilidade de fazer teologia cristã».[28]

Ao aceitar que a opção-praxis da libertação, traduzida na solidariedade para com as vítimas e a sua causa é o novo horizonte da produção teológica, está-se a postular uma nova metodologia teológica caracterizada fundamentalmente por uma nova racionalidade (racionalidade dialéctica: o compromisso solidário com os pobres-vítimas e seu projecto histórico-libertador é um momento necessário e interno da elaboração teológica) que implica a chamada «rotura epistemológica» (a relação do Ꞌsujeito-teólogoꞋ com o Ꞌobjecto-mensagem reveladoꞋ pressupõe a mediação necessária da Ꞌopção-praxis libertadoraꞋ: o compromisso com os pobres-vítimas, «acto primeiro»; a reflexão teológica estritamente dita, «acto segundo»).

Porque esta opção-praxis, nesta situação histórica existente de injustiça, é a versão fiel e imprescindível do seguimento do Crucificado, na rotura epistemológica mencionada introduz-se a vivência da cruz (teologia a partir da Cruz, pois então).

A incorporação desta metodologia na reflexão cristológica é uma consideração recorrente na obra de Jon Sobrino: «As vítimas oferecem-nos uma luz específica que nos permite "ver" aquilo a que chamamos os "objectos" da teologia: Deus, Cristo, graça, pecado, justiça, esperança, encarnação, utopia, etc.». Mais em concreto: «A perspectiva das vítimas ajuda a ler os textos cristológicos e a conhecer melhor Jesus Cristo. Por outro lado, esse Jesus Cristo assim conhecido ajuda a conhecer melhor as vítimas e, sobretudo, a trabalhar em sua defesa.» É por isso que a «cristologia joga toda a sua relevância» na incorporação (ou não) desta perspectiva.[29]

Este lugar social em que se situa a opção pelas vítimas é aquilo que se poderia denominar — diz Jon Sobrino — «aspecto subjectivo do ponto de partida da cristologia», o seu ponto de partida real.[30] A assunção deste «aspecto subjectivo do ponto de partida» está essencialmente vinculado à convicção de que os pobres são o lugar teológico central da reflexão cristológica: «Procurámos sublinhar a importância do lugar a partir de onde a cristologia se faz… Para a cristologia latino-americana, esse lugar é a realidade do pobre, o qual é, em última análise, uma opção cuja justificação só acontece dentro do círculo hermenêutico: a partir dos pobres cuida-se que se conhece melhor a Cristo, e esse Cristo assim melhor conhecido é aquele que se julga que melhor remete para o lugar do pobre». Precisamente «por serem os privilegiados de Deus … dentro da Comunidade, os pobres questionam a fé cristológica e oferecem-lhe a sua direcção fundamental.»[31], [32]

Sobrino fala também do «lugar eclesial» da cristologia, o qual, em consonância com tudo o que foi dito já, é "a Igreja dos pobres". «Quando a Igreja e os pobres são postos numa Ꞌrelação essencialꞋ, então, surge a Igreja dos pobres e esta converte-se no lugar eclesial da cristologia latino-americana».[33]

Ora bem, estas considerações em torno de os pobres como lugar teológico e de a Igreja dos pobres como lugar eclesial da cristologia também são desvalorizadas pela "Notificação", quando afirma que, com elas, Sobrino coloca a Igreja dos pobres «no lugar que equivale ao lugar teológico fundamental e que é tão só a fé da Igreja». Para a Congregação da Doutrina da Fé, caso se escolham outros pontos de partida para o labor teológico que não sejam a fé apostólica transmitida pela Igreja a todas as gerações, correr-se-á o risco «de arbitrariedade e acabar-se-á por se desvirtuarem os conteúdos da própria fé».[34]

O "Comentário", já várias vezes citado, de «Cristianisme i Justícia», depois de recordar que já no século XVI Melchor Cano mostrou que os «lugares teológicos são de diferentes tipos: existem os "próprios", que podem ser fundamentais (é o caso da Escritura, da Tradição e de toda a Igreja), e os "interpretativos" (é o caso dos Concílios, dos Padres da Igreja e do Magistério); outros são "derivados" (alieni; ex.: a razão natural, a filosofia e a história)» e acrescenta que «se a história é um "lugar teológico" já clássico, não há dúvida de que a enorme ferida da pobreza e da miséria configuram, hoje, o rosto da história, para nós». Como consequência, «é possível e é cristão, para algumas cristologias, falar d’os pobres como lugar teológico».[35]

Conviria, por outro lado, lembrar também que falar, como o faz J. Sobrino, dos pobres e da Igreja dos pobres como lugar teológico da sua cristologia, não pressupõe de forma alguma negar o primeiro e indispensável momento da fé — dom gratuito de Deus livremente acolhido pelo homem —, nem muito menos ignorar a forçosa e consequente vinculação de todo o labor teológico às fontes da Revelação ou da Fé. Sobre isto não nos restam dúvidas, caso tenhamos em conta a distinção que Jon Sobrino faz entre «lugar» e «fonte», o, que conjuntamente com ele, a generalidade dos teólogos da libertação também faz.

Por «lugar» entende-se o "a partir de onde" é que se faz a vivência da fé e a reflexão teológica, ao passo que «fonte» é aquilo que, de uma ou de outra forma, vai alimentando e oferecendo os conteúdos da fé. A missão teológica em geral — e em concreto, obviamente, a tarefa cristológica— será sempre referida às «fontes» no que concerne à determinação do seu conteúdo e significado. Contudo, existe uma estreita e fecunda relação dialéctica entre «lugar» e «fonte; por isso, não convém referi-las separadamente, esquecendo a sua mútua implicação. É assim que J. Sobrino o expressa: «Evidentemente que existe entre os teólogos um primeiro momento de aceitação da fé cristã, mas a concretização dessa fé vai-se dando, ao mesmo tempo, paralela e dialeticamente de braço-dado com a existência real… As fontes da Revelação não são vistas, então, tanto como fontes de conhecimento prévio à análise da realidade e à praxis transformadora, mas como fontes que iluminam a realidade, sendo elas iluminadas, por sua vez, pela praxis agindo sobre a realidade… "Esclarecimento da Revelação" e "praxis" andam juntas, donde o importante não é esclarecer a questão teórica acerca da primazia da lógica ou da Revelação recebida ou da existência cristã entendida como Revelação a realizar (círculo hermenêutico), mas a consciência de se encontrar um processo que inclua dialeticamente, quer as fontes da Revelação, quer a existência cristã concreta, real».[36]

VII-A cristologia de J. Sobrino exige a superação de qualquer concepção afunilada e absorvente da Cruz

Um dos sucessos mais significativos da reflexão cristológica das últimas décadas foi o de colocar a cruz de Jesus numa dupla relação: relação com toda a história da vida de Jesus antecedente à sua morte e com a sua posterior ressurreição. Só assim, creio eu, é que se pode descobrir o seu verdadeiro significado salvífico da cruz, evitar deformar a imagem de Deus revelada em Jesus, bem como esclarecer as consequências cristãs da salvação e da espiritualidade.

A cruz, subtraída da história e de toda a vida de Jesus, corre o risco de se ver vinculada à vontade do Pai, que reclamou o sangue de Jesus para que a ordem alterada pelo pecado possa ser convenientemente restaurada.

Por outro lado, o sequestro da vida de Jesus de toda a consideração teológica da cruz pode conduzir a uma valorização positiva da dor humana, considerada em si mesma. Com efeito, quando a cruz é isolada da história, converte-se num momento pontual da vida de Jesus, em fonte de redenção salvífica. O risco real da «fixação dolorista» parece evidente. A recuperação histórica, que boa parte da reflexão cristológica actual postula — a começar por Jon Sobrino — leva a considerar a morte como o destino final da existência de Jesus, entregue incondicionalmente ao serviço da causa do Reino. A cruz adquire, então, valor soteriológico por ser expressão culminante e verificação incontestável de toda uma vida informada pelo amor solidário feito entrega generosa. Só o amor salva e, por conseguinte, o sofrimento só adquire valor salvífico na medida em que ele seja expressão consequente desse amor que salva.

Quando a cruz se situa em continuidade com toda a vida de Jesus, ou seja, quando é vista como consequência da sua maneira concreta de viver, ela recobra a sua força crítica e libertadora, torna-se julgamento contra o pecado dos poderosos que crucificaram o Justo e é convite premente a lutar contra a opressão, seja lá de que tipo de poder for que não desista de provocar a morte injusta de vítimas inocentes ao longo da História.

Jon Sobrino junta-se decididamente a essa superação de todo o tipo de "concepção pontualista" da cruz, bem como à missão de reconsiderar, de forma coerente, o seu significado salvífico. «Há que salientar que o Novo Testamento não insiste na ideia de que o lado doloroso da cruz é que produz a salvação… Ou seja, não só não afirma nem muito menos se concentra no facto de que, porque houve sofrimento, há salvação, e, por isso, nem o dolorismo nem o masoquismo encontram qualquer tipo de justificação nele, nem muito menos a ideia de que Deus tinha de fazer pagar a alguém um pesado resgate… Aquilo que o Novo Testamento destaca — e aí, sim, há um ponto de contacto com a lógica do modelo teórico do sacrifício — é que Jesus foi agraciado por Deus e por isso Deus o aceitou… Ora, no Novo Testamento, aquilo que foi agraciado por Deus foi a totalidade da vida de Jesus — usando as palavras da Carta aos Hebreus: uma vida em fidelidade e em misericórdia; Heb 3, 2 e Heb 4, 15 — e aquilo que a cruz de Jesus revela, sem lugar para dúvidas, é que foi assim que decorreu a vida de Jesus… Assim sendo — a cruz de Jesus como cume de toda a sua vida — ela poderá ser entendida salvificamente. Esta eficácia salvífica está mais próxima da "causa exemplar" do que da "causa eficiente", o que não nega que foi eficaz: eis aí Jesus, o fidelíssimo e misericordioso até ao fim, convidando e incentivando os seres humanos a reproduzir, neles mesmos, o homo verus, o verdadeiro humano.»[37]

Importa dar destaque à afirmação do nosso Autor: «a cruz de Jesus como culminar de toda uma vida pode ser entendida salvificamente». Nesta afirmação de Jon Sobrino está claro que ele não nega o valor salvífico da cruz. Ele quer dizer que não considera conveniente que se recorra aos modelos posteriores que se encontram no Novo Testamento e na História da Teologia - uns mais conhecidos (sacrifício, aliança), outros mais suspeitos (expiação vicária do Servo), outros inéditos (libertação da Lei) -  os quais, "estritamente falando, nada explicam", não nos dizem nada e que, para além disso, caso não sejam rapidamente «reconvertidos» (reelaborados, retrabalhados), podem veicular ideias confusas e equívocas ao ponto de poder falsear, e inclusivamente perverter, o verdadeiro alcance da salvação cristã.[38] Longe de negar o valor salvífico da morte de Jesus, o que Sobrino prefere é vincular esse valor às categorias de «serviço» ou «entrega», provavelmente influenciado pela opinião de muitos estudiosos da Bíblia que consideram historicamente mais provável que Jesus fosse recorrendo a essas categorias para interpretar o sentido da sua morte, à medida que ia tomando consciência da aproximação desse terrível momento.

Talvez se possa considerar que aquilo que está aqui em jogo - Ꞌcomo explicar o significado salvífico da cruzꞋ - «não pertence à ossatura da fé, mas ao campo de exegese bíblica» e, por isso, «Sobrino limita-se a dizer aquilo que a maioria dos exegetas diz hoje em dia».[39]

VIII-A cristologia de J. Sobrino exige igualmente a superação do sequestro apologético da ressurreição e destaca, ao mesmo tempo, o significado salvífico-libertador dessa ressurreição, especialmente tendo em consideração aa vítimas injustamente crucificadas ao longo da História

Hoje em dia, temos poucas dúvidas acerca do lugar central que a ressurreição de Jesus ocupa na confissão da fé cristã. Porém, convém recordar que a recuperação desse decisivo lugar foi realizada apenas nas últimas décadas. Como o afirma J. Sobrino, «antes do Concílio Vaticano II, a teologia católica praticamente não falava da ressurreição de Jesus, nem na cristologia, nem na soteriologia, relegando-a para a apologética – como um portento sem igual – e para a espiritualidade em que ela se convertia em antecipação e memorial do final da nossa existência, à qual se seguiam as duas possibilidades – salvação ou condenação – o que acabava por levar à desvalorização da História».[40]

O nosso Autor juntou-se a esse esforço, no sentido de recuperar esse tal lugar decisivo ou central da ressurreição, o qual permitiu superar vários males: «o dolorismo da teologia e a crueldade da soteriologia (mal) baseados na cruz, bem como o sacrificialismo unilateral da Liturgia, a qual … chegou ao ponto de ser inteiramente pascal». A isto, conviria juntar — diz ele — que «a investigação bíblica superou um modo de a apresentar como acontecimento mítico podendo mostrar a sua relevância diante das exigências do pensamento moderno e da respectiva antropologia».[41]

Tais progressos, que são indubitáveis, ainda não são suficientes na opinião de Sobrino. Para que a ressurreição, acrescenta ele, «possa manter a sua identidade e relevância, parece-nos necessário adoptar uma nova perspectiva, a qual, recolhendo a novidade da teologia pós-conciliar, vá mais longe». E concretiza: «Esta nova perspectiva deve incluir duas dimensões. A primeira, que a ressurreição de Jesus seja, de alguma maneira, uma realidade que afecte eficazmente a história presente. A outra, e isto sobretudo no Terceiro Mundo, consiste em compreender a ressurreição de Jesus na sua relação essencial com as vítimas, de modo que a esperança que ela desencadeia seja, antes de mais, esperança para as vítimas».[42]

A primeira destas duas dimensões - insistir que a ressurreição deve ter um impacto eficaz na história presente - tem sido muito sublinhada pela teologia cristã, especialmente a partir da publicação, em meados dos anos 60 do século passado, da obra de J. Moltmann "Teología de la esperanza".

Relevar a segunda dimensão é uma das preocupações máximas do nosso Autor. Para ele, ao ressuscitar Jesus de entre os mortos - vítima injustamente crucificada - Deus revela-se como um Deus justo e libertador de todas as vítimas da injustiça, ou seja, como um Deus cuja paixão é mudar o mundo fazendo sua a causa dessas vítimas. Em suma, a acção que ressuscita Jesus coincide com um protesto de Deus contra a injustiça que gera vítimas. Por isso, «o específico da ressurreição de Jesus não é o que é que Deus faz com um cadáver, mas o que Ele faz com uma vítima. A ressurreição de Jesus revela directamente o triunfo da justiça de Deus (e não apenas a Sua omnipotência) e converte-se em boa nova para as vítimas: ao menos por uma vez, a justiça triunfou sobre a injustiça. Nas bem conhecidas palavras de Max Horkheimer, cumpriu-se o anseio do totalmente outro: que "o verdugo não triunfe sobre a vítima". Deus é o Deus libertador das vítimas».[43]

Deste modo, a esperança que a ressurreição de Jesus gera remete-nos para essa História da qual brota o clamor das vítimas, não superando apenas o escândalo da morte natural, mas também - e concretamente - o escândalo da morte antes de tempo e injustamente infligida às vítimas às quais se promete atender às reivindicações delas todas através da ressurreição (antecipadamente realizada) daquela vítima que morreu crucificada no ano 30 da nossa era fora dos muros de Jerusalém (João 19, 20).

IX-J. Sobrino oferece-nos uma cristologia libertadora estreitamente relacionada com a soteriologia

A reflexão teológica sobre a pessoa de Jesus conheceu duas orientações fundamentais ao longo da história: uma, que acabou por ser denominada "cristologia", de carácter mais ontológico ou entitivo, baseada num pensamento mais metafísico e preocupado sobretudo com a definição da identidade de Jesus, o Cristo; a outra, de carácter mais funcional e operativo, baseada num pensamento mais histórico e existencial, com o propósito de clarificar a Sua missão salvífica, à qual se colou o nome de "soteriológica".

Ambas discorreram abundantemente nos últimos séculos por caminhos paralelos, sem se fecundarem entre si.

Acontece que, boa parte da reflexão cristológica actual, recuperando a melhor tradição cristã que vem já dos primeiros séculos do cristianismo, demonstrou que ambas as orientações estão estreitamente relacionadas e, por isso, devem fecundar-se mutuamente.

É a esta missão de recuperação, no sentido já indicado, da melhor tradição cristã - destacando fortemente a necessidade de insistir muito especialmente na sua dimensão soteriológica - que Jon Sobrino se vem juntar: «A cristologia precisa e deve desencadear não só a força da inteligência, mas também outras forças do ser humano. A sua acção deverá ser puramente intelectual - para alguns deverá ser inclusivamente doutrinal -, mas a sua essência mais funda situa-se em ser algo ꞋespiritualꞋ, que ajude as pessoas e as comunidades a encontrarem-se com Cristo, a seguir a causa de Jesus, a viver como homens e mulheres novos e a construir este mundo segundo o coração de Deus».[44]

Para o Autor, que aqui apresentamos, fica claro que a melhor cristologia é a que revela Jesus como Salvador que nos convida a segui-lo e que nos infunde o seu Espírito, de modo a que tal convite se torne realidade em nós. Assim, tal como ele o diz, «fé em Cristo significa, antes de mais nada, seguimento de Jesus».[45]

Poderíamos, então, qualificar a cristologia de Jon Sobrino como cristologia soteriológica do seguimento de Jesus. Esta vinculação essencial entre cristologia e seguimento de Jesus, é felizmente assinalada por muitos: «A praxis do seguimento pertence constitutivamente à cristologia… Princípio válido para todo o tipo de cristologia é que Cristo sempre que seja pensado não seja nunca somente pensado. Toda a cristologia nutre-se, por mor da sua verdade própria, de praxis: a praxis do seguimento… O saber cristológico não se constitui nem se transmite primariamente através do conceito, mas através de relatos de seguimento».[46]

O seguimento surge assim como exigência ineludível que advém de nos situarmos como crentes diante da vida e diante da mensagem de Jesus e, ao mesmo tempo, como fonte de conhecimento que permite aprofundar a todo o momento o significado salvífico dessas duas realidades: vida e mensagem. Em suma e concomitantemente, é uma exigência ineludível que brota do encontro com Jesus, e um lugar a partir do qual se aprofunda esse mesmo encontro, na linha de um processo sempre aberto e nunca acabado.

X-A cristologia de J. Sobrino afirma com vigor a centralidade do Reino de Deus

A centralidade e ultimidade do Reino de Deus na vida e na mensagem de Jesus é a afirmação central e recorrente da reflexão cristológica de J. Sobrino.

Jesus - diz-nos Sobrino - «não se constitui no fim último para si mesmo… Ao nível da consciência de Jesus, é evidente que Ele não se pregou a si mesmo… Jesus nunca pregou ꞋDeusꞋ simplesmente. ꞋDeusꞋ assim, sem mais, não constituiu o último polo referencial de Jesus. Jesus pregou o Reino de Deus e não a sua pessoa. O centro e a referência da pregação de Jesus foi aquele Reino de Deus que se aproximava a passos largos… Aquilo que se quer dizer é que o fim último, para Jesus, é Deus na sua relação com a história dos homens expressa como Reino, a sua proximidade, a sua vontade ou amor paternal, ou, portanto, uma história que seja segundo Deus». Em suma, «Deus nunca é um "Deus-em-si-mesmo", mas um Deus em relação com a História». E acrescenta: «Se isso ainda causa alguma surpresa é porque o cristianismo não superou, como devia ser, as suas origens gregas de muita da sua teologia e não foi capaz de integrar - apesar de muitas declarações formais - a sua origem bíblica».[47]

Segundo J. Sobrino, então, «o fim último para Jesus é a vontade realizada de Deus… O fim último para Jesus é aquilo que o sustentou ao longo da sua história e apesar da história: o serviço e o amor aos oprimidos, de modo a que se implante o Direito e a Justiça, a partir dos quais nasça a imortal esperança de que, apesar de tudo, o Reino de Deus se mantenha por perto».[48]

Esta centralidade e ultimidade do Reino, acabaram com o tempo por se ir desvalorizando de três maneiras:

— «Uma, foi a personalização do Reino: Cristo é o Reino de Deus em pessoa: "autobasileia tou Theou", dirá Orígenes… A partir de agora, importante importante passa a ser a pessoa de Jesus».

— «A segunda forma de desvalorização, mais grave, foi a eclesialização espúria do Reino de Deus… Que a Igreja seja sinal do Reino (para o qual o Concílio Vaticano II apontou, aliás) está correcto, mas em regime de cristandade (e, séculos depois, em regime de sociedade perfeita) chegou-se ao ponto de fazer coincidir Reino de Deus e Igreja, ao ponto de se considerar a Igreja como o fim último eficaz, o que conduziu a graves erros e a muitas aberrações».

— «Finalmente, ele é desvalorizado deslocalizando o Reino para o além, tendência que se impôs com firmeza já no século VI, ou deslocalizando-o para o íntimo, o a-histórico, o esotérico, tendência recorrente ao logo da História. A consequência mais grave (a-jesuânica ou anti-jesuânica, consoante os casos) é que, assim, se o des-historifica e desaparece a relação entre Reino de Deus e libertação dos pobres».

Esta visão de Jon Sobrino acerca da relação entre Jesus e o Reino é considerada «peculiar» pela "Notificação" da Congregação para a Doutrina da Fé. O mais preocupante, para a dita "Notificação", é que, na obra do nosso Autor, «Jesus e o Reino se distingam de tal maneira, que o vínculo entre ambos acabe esvaziado do seu conteúdo peculiar e da sua singularidade», já que «não chega falar de conexão íntima ou da relação constitutiva entre Jesus e o Reino ou de "ultimidade do mediador", se este nos remete para algo que é distinto dele mesmo». E acrescenta: «Jesus Cristo e o Reino num certo sentido identificam-se: na pessoa de Jesus, o Reino torna-se desde já presente».[49]

Após citar numerosos textos bíblicos, os subscritores do "Comentário" de "Cristianisme i Justícia" afirmam, a este respeito: «Portanto, a Bíblia distingue entre Jesus e o Reino de Deus. Mesmo assim, importa dizer que Jesus e o Reino se identificam, mesmo que esta afirmação não pressuponha que se trate de uma identificação total». E acrescentam: «Então, não entendemos porque é que a Congregação da Fé possa escrever que "não chega falar de uma conexão íntima ou da relação constitutiva entre Jesus e o Reino ou de "ultimidade do mediador", se este nos remete para algo que é distinto dele mesmo. Jesus Cristo e o Reino num certo sentido identificam-se". As palavras que destacamos dizem o mesmo que Sobrino! Mas a "Notificação", para o poder condenar, esquece logo de seguida esse facto e identifica totalmente Jesus com o Reino». A conclusão do "Comentário" é lógica: «À "Notificação" podemos objectar justamente que, no seu afã em condenar, acabou por esquecer a expressão "num certo sentido" e identifica totalmente Jesus com o Reino».[50]

Na altura em que decidimos fazer a apresentação da cristologia de Jon Sobrino, podíamos ter escolhido muitas outras questões. A partir dos pontos até aqui desenvolvidos, podemos concluir, dizendo:

- Que estamos perante uma cristologia que é uma excelente expressão do legítimo pluralismo que incumbe à interpretação ortodoxa do acontecimento Jesus.

- Que é uma cristologia importante e seriamente significativa, no momento histórico presente.

- Que a grande preocupação que Sobrinho manifesta, em toda a sua obra - concretamente, em responder com a sua reflexão cristológica ao clamor das vítimas - é claramente evangélica e que só faríamos bem, nós, em acompanhar Jon Sobrino tomando igualmente como nossa a sua preocupação.


Julio Lois Fernández

«La cristología de Jon Sobrino», Instituto Diocesano de Teología y Pastoral, Editorial Desclée de Brouwer S. A., 2007. (IDTP, Plaza Nueva, 4. 48005 Bilbao; Ed. DDB, Henao, 6. 48009 Bilbao). ISBN 978-84-330-22004. Boletim «Xirimiri de Pastoral», do IDTP (de grande valia): http://idtp.org/es/xirimiri/

 

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[1] Cf. «Cristología desde América Latina. Esbozo», Ed. CRT, México, 1977; «Jesús en América Latina. Su significado para la fe y para la Cristología», UCA (eds.), San Salvador, 1982; «Jesucristo liberador. Lectura histórico-teológica de Jesús de Nazaret», Ed. Trotta, Madrid, 11991 (ou 52010); «La fe en Jesucristo. Ensayo desde las víctimas», Ed. Trotta, Madrid, 1999.

[2] Cf., por exemplo, A. Torres Queiruga, «Repensar la Cristología», Ed. Verbo Divino, Estella (Navarra), 1966, pp. 179-213.

[3] Cf. Jon Sobrino, «Jesucristo liberador. Lectura…», op. cit., pp. 62-63.

[4] Cf. J. I. González Faus, «Aceso a Jesús», Sígueme, Salamanca, 1979, p. 27. (Existe edição em brasileiro)

[5] Cf. Id., «La Humanidad Nueva. Ensayo de Cristología», Sal Terræ, Santander, 1984, p. 218.

[6] Cf. Jon Sobrino, «Jesucristo liberador. Lectura…», op. cit., p. 75.

[7] Cf. W. Pannenberg, «Fundamentos de Cristología», Sígueme, Salamanca, 1974, p. 45.

[8] «O inconveniente de partir da divindade de Jesus reside em que Deus se torna para nós um conceito omni-abarcante. Portanto, uma vez estabelecido que "Jesus é Deus" há que dar inúmeras voltas aos miolos até se conseguir arranjar aí algum espaço para que Ele (também) ainda possa ser homem. Temos de confessar que tal é praticamente impossível. Na melhor das hipóteses, resta-nos pespegar em cima desse Deus algum envoltório ou alguns "post-it’s"® oriundos de algum ser humano.» (cf. J. I. González Faus, «Cristología elemental. A propósito de la "última tentación de Cristo" de Scorsese», Ed. Cristianisme i Justícia, Cuaderno N. 26, Barcelona, 1988, p. 8). NOTA: É possível e grátis descarregar este «Caderno C&J», tal como este outro:

https://www.cristianismeijusticia.net/es/memoria-subversiva-memoria-subyugante

[9] Cf. Jon Sobrino, «Cristología desde América Latina. Esbozo.», op. cit., pp. 2-3.

[10] Cf. Jon Sobrino, «Jesucristo liberador…», op. cit., pp. 61-64.

[11] Cf. González Faus, «Aceso a Jesús», op. cit., p. 20.

[12] Cf. González Faus, «Hacer teología y hacerse teología. Notas sobre el significado cultural del quehacer teológico en el Primer mundo y en América Latina», em AA. VV., «Vida y reflexión. Aportes de la teología de la liberación al pensamiento teológico actual», Ed. CEP, Lima, 1983, p. 79.

https://es.wikipedia.org/wiki/Jos%C3%A9_Ignacio_
Gonz%C3%A1lez_Faus

[13] Cf. «Jesús en América Latina…», op. cit., pp. 81-82. Oferece particular interesse, a fim de precisar o alcance da escolha do lado histórico de Jesus como ponto de partida da sua cristologia, o conteúdo das páginas 80-88 desta mesma obra.

[14] Cf. «Jesús en América Latina…», op. cit., p. 35.

[15] Cf. Ibid., p. 35.

[16] Cf. Ibid., p. 40.

[18] Cf. AA. VV. «Comentario a la "Notificación" de J. Sobrino», Cuadernos «Cristianisme i Justícia», nº 148, Barcelona, Junio 2007, pp. 26-27. Convém destacar que este comentário foi assinado pela totalidade da equipa de colaboradores daquele Centro de Teologia dos jesuítas, entre os quais figuram teólogos, teólogas e biblistas acreditad@s. Link para descarregar em PDF:

https://www.cristianismeijusticia.net/sites/default/files/pdf/es148.pdf

[19] Cf. uma opinião crítica porque desafiante: a dissertação doutoral de Gerardo A. Alfaro (Southwestern Baptist Theological Seminary, Dallas/Forth Worth, Texas) publicada em 2017 (mas elaborada e defendida vários anos antes), à volta da cristologia de Jon Sobrino e intitulada «Jesús para América Latina – un análisis de la Cristología de Jon Sobrino», Ediciones El Faro, 6961 Katie Corral Drive Fort Worth, Texas 76 126, 2017, ISBN-13: 978-1978289307. ISBN-10. Cito-a: «Que lugar ocupa o Jesus histórico de Sobrino na sua teologia? Rigorosamente, ao longo do nosso estudo cremos ter comprovado que para Sobrino o Jesus histórico não é o ponto de partida. Dito mais teologicamente, o Jesus histórico não é a norma normans.» (p. 238) «O que interessa não é o conhecimento dos factos [o Jesus histórico], mas o encontro com os seus resultados, com a autêntica prática encontrada na pessoa de Jesus, que está à vista através dos crucificados do tempo histórico presente». (p. 239) [NdT]

[20] Cf. III. 5, da «Notificação sobre as obras de Jon Sobrino», op. cit..

[21] Cf. AA. VV., «Comentario a la "Notificación" de…», op. cit., pp. 29-30.

[22] Cf., «Cristología desde América Latina. Esbozo…», op. cit., p. 59.

[23] Cf. «Jesucristo liberador…», op. cit., p. 204. Para uma consideração ampla desta questão em Jon Sobrino, cf. por exemplo, «Cristología desde América Latina. Esbozo.», op. cit. pp. 59-108 e «Jesucristo liberador…», op. cit., pp. 203-206.

[24] Cf. V.8. Para apoiar a sua posição, a "Notificação", no próprio capítulo 8, cita, logo a seguir, afirmações retiradas: da Carta Encíclica «Mystici Corporis», de Pio XII; da Carta apostólica «Novo Milennio Inuente», de João Paulo II; e do Catecismo da Igreja Católica. E conclui este ponto dizendo que «a relação de Jesus com Deus não se expressa correctamente quando se diz que era um crente como nós. Pelo contrário, é precisamente a intimidade e o conhecimento directo e imediato que Ele tem com o Pai que lhe permite revelar aos homens o mistério do amor divino. Só assim nos pode introduzir nele.»

[25] Também se acrescenta que S. Tomás de Aquino participou do mesmo critério: cf. J. Sobrino, «Cristología desde América Latina…», op. cit., p. 60.

[26] Por causa disto é que P. Hünermann, comentando a "Notificação" da Congregação da Doutrina da Fé, disse que «conjuntamente com Jon Sobrino, também estão no banco dos réus os exegetas e os teólogos sistemáticos mais respeitados, quer católicos, quer protestantes».

[27] Cf. AA. VV., «Comentario a la "Notificación" de…», op. cit., pp. 34-35.

[28] Cf. «Cristología desde América Latina…», op. cit., p. XVIII.

[29] Cf. «La fe en Jesucristo. Ensayo desde las víctimas», op. cit., p. 20.

[30] Recorde-se o que já dissemos atrás no capítulo II deste mesmo trabalho: para J. Sobrino «o ponto objectivo de partida da reflexão cristológica é a pessoa histórica de Jesus». E agora estamos a falar do aspecto subjectivo desse mesmo ponto de partida.

[31] Cf. «Jesucristo liberador. Lectura histórico-teológica de Jesús de Nazaret», op. cit., 52010, pp. 50.

[32] O Papa Francisco fez, do seu programa de pontificado, este «lugar teológico», o qual passou a ser o centro da sua fé práxica: os pobres! Cf.:

https://drive.google.com/file/d/1Iwr8zDsvtqAiFCxhw4Em79uUMeLWc-k2/view?usp=sharing

 [33] Cf. Ibid., p. 50.

[34] Cf. I.2, da «Notificação».

[35] Cf. «Comentario a la "Notificación"…», op. cit., pp. 20-21.

[36] Cf. «Resurrección de la verdadera Iglesia. Los pobres, lugar teológico de la eclesiología», Ed. Sal Terræ, Santander, 1981, p. 52.

[37] Cf. «Jesucristo liberador…», op. cit., pp. 291-294.

[38] Cf., a este respeito, J. Lois, «Jesús y la salvación», AA. VV., «Jesús de Nazaret. Perspectivas», Ed. PPC-Fundación Santa María, Madrid, 2003, pp. 244-284.

[39] Cf. «Comentario a la "Notificación…"», op. cit., p. 37. Neste Comentário aduz-se uma observação importante. Esta questão – diz o Comentário – está em estreita relação com a questão (já tratada atrás) da "fé de Jesus". Com efeito, «se em Jesus não existiu de facto nenhuma fé mas apenas um conhecimento prévio de todos os planos de Deus, então faz sentido procurar associar à sua morte todas aquelas categorias neotestamentárias posteriores à sua morte». Mas, se é verdade que Jesus viveu toda a sua existência impregnado pela sua fé, então, «a opinião de Sobrino parece ser a mais ajustada» (cf. Ibid., p. 37).

[40] Cf. «La fe en Jesucristo…», op. cit., p. 25.

[41] Cf. Ibid., pp. 25-26.

[42] Cf. Ibid., p. 26.

[43] Cf. Ibid., p. 130.

[44] Cf. «Jesucristo liberador…», op. cit., p. 19.

[45] Cf. Ibid., p. 27.

[46] Cf. J. B. Metz, «La fe, en la historia y en la sociedad», Ed. Cristiandad, Madrid, 1979, pp. 66-67.

[47] Cf., «Jesús en América latina…», op. cit., pp. 98-99.

[48] Cf. Ibid., p. 109. Para uma análise mais detalhada desta questão na obra de Jon Sobrino, cf. também: «Cristología desde América Latina…», op. cit., pp. 31-58; «Jesús en América latina»… op. cit., pp. 97-114; «Jesucristo liberador…», op. cit., pp. 95-141; «La fe en Jesucristo…», op. cit., pp. 337-340.

[49] Cf. IV.7. A favor da sua postura, a Congregação aduz que a identidade entre Jesus e o Reino «foi posta em relevo desde a época patrística» e, recentemente, reafirmada por João Paulo II na Encíclica Redemptoris Missio.

[50] Cf. «Comentario a la "Notificación"… op. cit., pp. 32-33.



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