Império Assírio sob
o reinado de Tiglath-Pilezer III
(in: «La Mésopotamie – de Gilgamesh à Artaban –
3 300-120 av. J.C.»,
Bertrand Lafont et al, BELIN-Monde Anciens/Humensis,
2017,
ISBN 978-2-7011-6490-8)©
“A Bíblia tem sido usada para tudo. Posições políticas
opostas têm buscado legitimidade na Bíblia. Isto também é verdade para a
libertação do Êxodo. Os conquistadores que chegaram à América do Norte vindos
da Inglaterra estavam cientes de que estavam revivendo a epopeia do Êxodo e,
assim, justificaram a sua luta contra as populações indígenas e a apropriação
das suas terras. Mas logo surgiram relatos indígenas que foram entendidos como
a nova libertação do Egito. Os americanos brancos justificaram a
escravização dos negros africanos com a Bíblia na mão: os negros eram os
descendentes de Cam (filho de Noé; Génesis 9,18) e Cam foi aquele que pagou pelo
pecado do pai. Logo depois, os afro-americanos entenderam a sua luta ‒ primeiro contra a escravidão e depois pelos direitos civis ‒ como o êxodo do cativeiro no Egito. Abolicionistas
americanos e escravocratas enfrentaram-se no campo de batalha, mas também
lutaram para serem os justos intérpretes da tradição do Êxodo. Presidentes
americanos falaram do Êxodo nos seus discursos solenes de posse, ao mesmo
tempo que escravos africanos também o faziam. A tradição exódica tem
sido usada para sustentar causas políticas concorrentes. Barack Obama
considerava-se herdeiro da política do Êxodo, mas George W. Bush pensava o
mesmo de si próprio.
Aqui é pertinente fazer uma pequena observação,
considerando que estas linhas não são escritas preferencialmente para leitores
com estudos bíblicos superiores. O facto de a Bíblia ter sido interpretada de
maneiras tão diferentes é uma expressão da sua riqueza. Não é, de modo algum, um argumento para abandonar, com
ceticismo, a sua leitura. A
multiplicidade das suas interpretações deve ser vista como um estímulo ao seu
estudo, a relê-la consciente do contexto de cada texto, do contexto histórico
em que foi escrito e do contexto vital a partir do qual é lido hoje. Os textos
bíblicos normalmente não têm um significado único, fechado e definitivo. É por
isso que a Bíblia ‒ análoga dos clássicos ‒ deve ser lida e relida. Isso não quer dizer que um texto
possa ser feito para dizer algo em concreto, para dizer o que regra geral é
conveniente para o leitor. Alguns sentidos do texto são mais precisos do que
outros. E, acima de tudo, há interpretações absolutamente inadmissíveis dos
textos, que surgem imediatamente à luz de uma leitura contextual moderadamente
séria. O fundamentalismo e o subjetivismo errático nada têm a ver com uma
leitura aberta de textos.
É verdade que a tradição do Êxodo tem sido usada de
diferentes maneiras, mas o seu uso prototípico e mais frequente tem sido o que
as vítimas de situações sociais dele fazem. É óbvio que são elas que se
identificam com os gritos dos escravos do Egito. A Teologia da Libertação
colocou a tradição exódica no centro, precisamente por causa do papel de
liderança que atribui aos pobres, cuja libertação é central no plano de Deus.
Mas em todo o processo de libertação lateja uma potencial dinâmica de opressão,
da qual pode sair um “Deus libertador” com características de um “Deus
conquistador”.
Isto conduz a um outro grande problema, o da violência.
A tradição exódica-libertadora culmina na conquista
da terra, levada a cabo de forma
extremamente violenta. É concebível que o livro de Josué não tenha
sido incorporado na Torá justamente por causa da violência com que descreve a
conquista da terra de Canaã. Mas não se deve esquecer que o êxodo libertador
envolveu a violência das dez pragas, a morte dos primogénitos do Egito, a
violenta destruição do exército do faraó no mar. A narrativa do Êxodo tem como
alvo os oprimidos, mas também tem sido usada para legitimar os oprimidos quando
estes se tornam vitoriosos. Em todos os casos, a
busca pela liberdade tem sido um dos grandes alibis para justificar a violência
política. Isto encontra-se nos relatos do mito das origens de Israel, mas
também teve uma poderosa influência na vida
política posterior. [cf. M. Walzer, Edward Said, John Coffey, Robert
Allen Warrior, etc.]”
Rafael Aguirre, “La utilización
política de la Biblia”, Verbo Divino 2024, 31-32
“As guerras religiosas foram ‒
como afirma Dilthey ‒ um dos gérmenes do processo de secularização das sociedades modernas e da constituição dos modernos Estados-nação.”
Julio Trebolle, Ibid., «Epílogo»
A QUEDA DA SAMARIA E A ASCENÇÃO DE JUDÁ
A partir do século IX a.C., a
influência do Império Neo-Assírio continuou a crescer, e a partir do reinado de
Tiglath-Pileser III (745-727) todos os reinos do Oriente
Próximo estavam de facto sob domínio assírio.
O reino de Israel, com
uma economia e estrutura política mais desenvolvidas do que Judá e,
consequentemente, mais interessante para os assírios, foi rapidamente forçado a se tornar
um Estado vassalo, embora em numerosas ocasiões tenha tentado opor-se a tal
controle. Em 738 a.C., os reis Menaém da Samaria (2 Reis 15,14-22) e Rezon de Damasco, filho de Eliadá
(1 Reis 11,23-25), aparecem numa lista assíria como tributários
do rei assírio[1].
1. O FIM DO REINO DE ISRAEL
Uma tentativa de coligação
anti-assíria organizada pelo reino aramaico de Damasco, a que se juntou o reino
de Israel, deixou numerosos vestígios na Bíblia. Após um golpe de Estado na
Samaria, apoiado por Damasco, um certo Pecá ascende ao trono e junta-se a esta
aliança, na qual também participam os edomitas (e provavelmente também os
filisteus). A fim de forçar o rei de Judá a se juntar à coligação, é organizada
uma campanha contra o reino de Judá (735.733), muitas vezes denominada «Guerra Sirio-Efraimita», expressão forjada por Lutero.
De acordo com os testemunhos dos livros dos Reis e de Isaías, este profeta ‒ Isaías ‒ desempenhou um papel importante na questão como conselheiro do rei. Assim, no capítulo 7 do
livro de Isaías, encontramos uma exortação a Acaz, rei de Judá (filho de Jotam e neto de Uzias),
para que confie em Yhwh e não se deixe pressionar por Aram e pela Samaria:
O oráculo primitivo, que
provavelmente vem do contexto do ataque da coligação anti-assíria ao reino de
Judá, exorta o rei de Judá a manter distância dessa coligação. O parágrafo em itálico foi, sem dúvida, acrescentado após
o desaparecimento do reino de Israel[2].
De acordo com o relato em 2 Reis 16,
que reflete a mesma situação, o rei Acaz prestou um tributo voluntário a Tiglath-Pileser
III[3]
e tornou-se seu vassalo (v.6-7), como também mostra uma lista assíria de 729
a.C., que lista o rei de Judá como tributário do rei assírio. Daqui resulta que
Judá jogou inicialmente a carta assíria, o que lhe permitiu manter uma espécie
de pseudoautonomia, evitando assim ser incorporado no sistema das províncias
assírias.
Não aconteceu o mesmo com o reino de
Israel. Em 733 a.C., os assírios tomaram o reino de Damasco, e o rei Resina foi
capturado e empalado juntamente com seus dignitários. Quanto a Israel, o seu
território foi reduzido (2 Reis 15,29) e os territórios anexados passaram
a fazer parte do sistema das províncias assírias. Nesta situação conturbada, o
rei Pecá foi assassinado e substituído por um certo Oseias, que também teve que
pagar um pesado tributo ao Império Assírio. Uma fonte assíria relata este golpe
de Estado da seguinte forma: «Derrotaram Paqaha [=Pecá], seu rei, e
eu instalei A'usi' [=Oseias] como soberano deles. Recebi deles 10
talentos de ouro, 100 talentos de prata [...]»[4].
A morte de Tiglath-Pileser III em 727
a.C. desencadeou lutas internas na corte, e os assírios reduziram
momentaneamente sua pressão sobre a periferia ocidental do império. O rei de
Israel, Oseias, aparentemente deixou de pagar o seu tributo. De acordo com as
informações fornecidas pelo texto de 2 Reis 17, ele procurou o apoio de um certo «Sô',
rei do Egito»[5]. A ideia
de pedir ajuda ao Egito parece plausível. Por outo lado, essa estratégia é
criticada no livro atribuído ao profeta Oseias, que não deve ser confundido com
o rei de mesmo nome. Esta política provocou uma intervenção dos assírios: em
724 a.e.c. começou o cerco à cidade de Samaria, que durou cerca de três anos,
até à sua queda em 722[6].
A cidade certamente caiu sob o rei Salmanasar V. O seu sucessor, Sargão II,
estabeleceu então a nova estrutura administrativa do antigo reino de Israel,
que foi incorporado no sistema das províncias assírias. O governante assírio
deportou uma parte dos habitantes de Samaria e reorganizou a cidade de acordo
com as explicações do relato bíblico e do prisma de Nimrod:
«[...] Lutei contra eles com a força
dos grandes deuses, 27.280 pessoas que viviam lá, além de carros e os deuses em
quem confiavam, tudo isso eu contei como espólio. Reuni 200 carros para a minha
guarda real; o resto deles eu enviei para que se estabelecessem no meio da
Assíria. Eu colonizei a cidade de Samaria novamente e tornei-a maior do que
antes. Trouxe para cá pessoas dos países conquistados pelas minhas próprias
mãos. Coloquei meu representante no meio deles como governador [...].[7]»
A deslocação forçada das populações
fazia parte da estratégia militar e política dos assírios. As deportações eram
apresentadas como uma punição contra aqueles que haviam rasgado os tratados
previamente assinados, mas também tinham uma função política. A deportação de
uma parte da intelligentsia, sacerdotes, altos funcionários, generais e
artesãos de elite, possibilitava o desmantelamento da estrutura social. O
exército derrotado foi parcialmente integrado no exército assírio, que, como
resultado, adquiria um caráter cosmopolita, como mostram alguns relevos
assírios retratando soldados de diferentes etnias. As populações exiladas foram
estabelecidas nos centros urbanos, como Nínive ou Nimrod, e também na nova cidade de Dur-Sharrukin, que Sargão II desejava erigir como
capital.
A instalação de outros grupos étnicos
no lugar das populações deportadas permitiu aos assírios controlar melhor os
territórios anexados. A população que permaneceu no país considerava as
comunidades estabelecidas pelos assírios como parte do poder assírio. Portanto,
não teve escolha a não ser colaborar com os assírios[8].
Os anais de Sargão informam-nos que, por volta de 715 a.C., algumas tribos árabes foram deportadas para a Samaria:
«Os Tamudi, os Ibadidi, os
Marsimani, os Hayapâ, os Arba [=árabes] que habitavam no deserto, que não
conheciam nenhum chefe ou governador e não entregavam os seus impostos a nenhum
rei, eu matei confiando-me à Asur, o meu Senhor. Deportei os que ficaram e fiz
com que passassem a viver na cidade de Samaria.[9]»
Esta mistura de populações está na
origem da expressão pejorativa “samaritanos”, que os judeus considerarão como
praticando um culto sincrético. No entanto, o culto a Yhwh deve ter continuado
no território do antigo reino de Israel, embora não tenhamos quase nenhuma
informação sobre a situação religiosa no antigo reino de Israel até aos tempos
persas. O polémico texto do segundo livro de Reis (2Rs 17,24-33) indica, no entanto, que o culto Yahvista
continuou em Samaria:
Na sua forma atual, este texto é
originário da época persa pelo que seguramente reflecte polémicas antisamaritanas[16].
O tipo de hebraico nele utilizado confirma o carácter tardio desta passagem.
Por exemplo, o emprego do verbo «ser» combinado com um particípio para narrar,
é típico do hebraico pós-bíblico e reflecte a influência do aramaico. No
entanto, este texto pode preservar algumas memórias da situação na Samaria após
a sua incorporação ao Império Assírio. Sabemos que o rei assírio povoou a Samaria
com pessoas da Babilónia e talvez também da Síria[17],
enquanto uma fonte assíria também menciona o assentamento de tribos árabes. O
nome Jamat pode designar a cidade localizada nas margens do Oronte − neste caso, a distância para com a cidade da Samaria não é
grande – ou então pode referir-se a Amati, no sul da Mesopotâmia[18].
Sepharvain designa Sippar ou Sipira’ni, não muito longe de Nippur. Esta cidade
é mencionada nos documentos Murashu[19],
dos tempos persas, que também incluem nomes de Judá na Babilónia. O texto
parece sugerir que alguns dos deportados estabelecidos na Samaria vieram do sul
da Mesopotâmia.
O texto de 2 Reis 17, que combina enumerações com episódios
históricos, contém uma passagem mostrando que, após um ataque de leões enviados
por Yhwh, o culto Yahwista continuou no país. Por causa desta praga, o rei da
Assíria enviou um sacerdote israelita exilado, que se tornou responsável pelo
culto a Yhwh em Betel.
Apesar da visão negativa do santuário
de Betel por trás do texto, é bastante provável que este santuário tenha
continuado a desempenhar algum papel depois de 122 a.e.c. Sua história é
contada em 2 Reis 17 com um toque de ironia: os altos funcionários do rei da
Assíria dirigem-se a ele a propósito das “nações que tu deportaste”, como se
ele não quisesse admitir a responsabilidade pela deportação. Acima de tudo, o autor deste episódio quer destacar o
poder de Yhwh, que garante a continuidade do seu culto. A invasão de
leões tem sido por vezes vista como um acontecimento histórico, argumentando
que o abandono ou despovoamento de alguns locais poderia estar na origem de uma
proliferação de leões. No entanto, este motivo também pode ser explicado, e
mais facilmente, como uma criação literária[20].
Também poderia ser uma reprodução de um tratado assinado entre o rei assírio
Esarhaddon e um certo Baal, rei de Tiro (ca. 676 a.e.c.), no qual uma invasão
de leões é anunciada como punição pelo não cumprimento do contrato: «Que Betel
e Anath-Betel te entreguem às mandíbulas de um leão para que ele te devore»[21].
Neste texto, Betel surge como uma
divindade, uma espécie de materialização de um bétilo [AQUI]. Este tratado é talvez o testemunho
mais antigo desta divindade[22]
venerada na Fenícia, entre os arameus e também por comunidades de arameus e
povos de Judá, no Egito[23].
É possível que a divindade Betel também tenha sido adorada em Israel, como
sugere o oráculo em Jeremias 48:13: «Moab se envergonhará de Camós,
como Israel se envergonhará de Betel, em quem confiava». No texto de 2 Reis 17
Betel designa claramente o santuário do antigo reino do Norte. O autor desta passagem admite que o culto a Yhwh sobrevive
na Samaria, apesar da importação de outras divindades, algumas das
quais são difíceis de identificar. Infelizmente, temos muito pouca informação,
e as fontes que temos são muitas vezes controversas, mas a existência de um santuário Yahwista no Monte Garizim,
arqueologicamente atestada desde os tempos persas, confirma essa continuidade.
2. A SITUAÇÃO EM JUDÁ APÓS O ANO DE 722
A.E.C. E O REINADO DE EZEQUÍAS
A derrota do “irmão mais visível” no
Norte provocou, sem dúvida, reações entre os sacerdotes e os altos funcionários
da corte de Jerusalém. Foi um sinal de que os deuses dos
assírios eram mais fortes do que Yhwh juntamente com o pequeno panteão de
Israel? Ou será que Yhwh teria rejeitado e lançado Israel nas mãos dos assírios
para mostrar que seu “verdadeiro” povo estava em Judá e em Jerusalém? Esta
ideia encontra-se, por exemplo, no Salmo 78, 67-68: «67 Assim rejeitou as
tendas de José e não escolheu a tribo de Efraim; 68 escolheu antes a
tribo de Judá e o monte de Sião, seu preferido.» Desta forma, em Judá, na corte de Jerusalém, instalou-se o sentimento de Judá
ser o verdadeiro povo de Yhwh, o verdadeiro Israel. É possível que,
a partir desta época, Judá tenha reivindicado o nome de Israel para reivindicar
a herança do antigo reino do Norte. Este sentimento de ser o verdadeiro povo de
Yhwh deve ter sido reforçado pelo cerco abortado de Jerusalém em 701 a.e.c., ao
qual voltaremos.
Os acontecimentos de 722 a.e.c.
tiveram um impacto importante sobre a demografia de Jerusalém: «Em poucas
décadas – certamente no espaço de uma única
geração – Jerusalém deixou de ser uma modesta cidade montanhosa com uma
área de cerca de 6 hectares para se tornar numa área urbanizada de cerca de 75
hectares, abrigando uma densa aglomeração de casas, oficinas e edifícios
públicos. Em termos demográficos, a população da cidade deve ter-se
multiplicado por quinze, de mil a quinze mil habitantes»[24].
Esta mudança demográfica implicou uma reorganização das estruturas políticas do
reino de Judá. O sistema tradicional de uma economia puramente agrícola baseada
em clãs estava sendo cada vez mais desafiado por um poder estatal centralizado.
A administração de Judá sofreu um desenvolvimento significativo no século VII
a.C. e tornou-se progressivamente profissionalizada, reflectindo o crescimento
contínuo da cidade[25].
É difícil saber exatamente quando a
cidade se estendeu até à colina oeste (até aos bairros judeu, arménio e até ao
actual Monte Sião). As razões para
este crescimento espectacular estão certamente ligadas aos acontecimentos de
733 e 722 a.e.c. Sem dúvida que havia um número significativo de refugiados de
Israel que queriam escapar dos assírios[26].
Outros autores citam razões
económicas. A administração de Jerusalém teria reagrupado as populações nas
cidades para melhor resistir aos assírios[27].
Também é possível que a falta de terras aráveis nos campos, bem como o boom
económico em Jerusalém, tenham trazido uma população ameaçada de empobrecimento[28].
Há, no entanto, pequenos aglomerados populacionais ao redor de Jerusalém no
final do século VIII e durante o século VI a.e.c., o que dificulta a tese de
que aconteceu um verdadeiro abandono das pequenas aldeias[29].
Embora não se possa excluir que houve
diferentes causas para o crescimento espectacular de Jerusalém, a ideia de que
houve um movimento de populações do norte para o sul também não pode ser
descartada. A Bíblia Hebraica também menciona o grupo de ‘recabitas’ (cf. 2Reis
10, 15: «Extirpação do culto de Baal - Deixando aquele lugar, Jeú
encontrou Jonadab, filho de Recab…»), que participaram na
revolta de Jeú contra os Omeridas[30]
e que, de acordo com o livro de Jeremias
(capítulo 35,6), se estabeleceram em Jerusalém no
final do século VII a.e.c. O relato em 2 Reis 22,14 fala de uma "îr
hammisneh", "uma nova [literalmente: a segunda] cidade", onde habitam a
profetisa Hulda e seu marido (Chalum). O símbolo desta nova Jerusalém é o rei
Ezequias, que goza dos favores quase sem reservas dos editores bíblicos: "Ele fez o que é certo aos olhos de Yhwh,
tal como o seu antepassado Davi tinha feito (...) De todos os reis de Judá que
o sucederam ou o precederam, nenhum era como ele» (2 Reis 18, 3-5). É difícil saber quando Ezequias
começou a reinar[31]. O
início do seu reinado por volta do ano 728 corresponderia ao tempo necessário
para a conclusão das obras em Jerusalém. É possível que tenha havido uma nova
muralha em torno de Jerusalém ou um muro reforçado. De acordo com indicações
bíblicas, Ezequias [Hezekiah’s Tunnel Reexamined] também mandou construir um túnel de 533 metros para levar água da fonte de Gijón [Giom] até à piscina de
Siloé em Jerusalém[32].
Uma inscrição conta como o túnel começou a ser perfurado em ambas as
extremidades:
«[quando] se escavou (o túnel). E os
dois extremos se uniram desta forma: enquanto [...] (estão) ainda [...] (usando
as suas) picaretas, um homem de cada lado, e quando ainda tinham três côvados
para cavar, [ouviu-se] a voz de um homem chamando seus camaradas, pois havia um
encravamento na rocha à direita [e à esquerda]. E quando o túnel foi cavado os
pedreiros picaram (a rocha), um homem de cada lado, pico contra pico; e a água
jorrou da fonte para o reservatório em 1200 côvados, e a altura da rocha acima das
cabeças dos pedreiros era de 100 côvados[33].
Este túnel foi escavado por várias
razões defensivas ou simplesmente porque uma cidade com uma população de mais
de 15.000 pessoas precisava de uma nova fonte de água[34]?
De acordo com E. A. Knauf, a sua construção levou muito tempo pelo que não ficou
terminado no tempo de Ezequias; teria sido construído sob Manassés, que queria
usá-lo também para irrigar um jardim real, seguindo o modelo assírio. Por outro
lado, é bem possível que a maioria das obras que a Bíblia atribui ao rei
Ezequias tenham sido realmente realizadas sob Manassés[35].
Uma vez que os escritores bíblicos detestavam este rei, é fácil entender que
eles atribuíram tais realizações a Ezequias. Esta tese torna-se ainda mais
plausível se Ezequias só começou a reinar por volta de 715 a.e.c. A inscrição
neste túnel é a mais antiga inscrição em um monumento conhecido em Jerusalém[36].
Da mesma época data o fragmento de uma inscrição sobre um calcário, bastante
grande, e destinado à leitura pública (é ainda possível identificar expressões
como “s-b-r”, “acumular”, “y'-s-r”, “riqueza”)[37].
Acresce a isto uma importante inscrição no umbral de um túmulo na entrada da
cidade de Siloé, que menciona um “mestre do palácio” com um nome Yahwista[38].
Observamos, portanto, no final do século VIII a.C., um boom de «inscrições
monumentais», o que é mais um indício da crescente importância de Jerusalém, nesta
época.
3. A “POLÍTICA EXTERNA” DE EZEQUIAS
Segundo este oráculo, parece que os rebeldes
tinham procurado aliar-se ao Egipto. Após a sua chegada ao trono, Senaquerib
(705-681) teve de combater uma revolta na babilónia e, por isso, esteve
relativamente ausente do Próximo Oriente. As cidades filisteias, especialmente
Ekron e Ascalon, tentaram uma nova revolta confiando no Egipto, que queria
recuperar as cidades filisteias e eventualmente também Judá como uma zona-tampão
contra os assírios. A popularidade do Egipto em Judá no final do século VIII a.e.c.
é ainda atestada por um número significativo de ‘selos’ egípcios.
No ano de 701, Senaquerib iniciou uma campanha
contra a Palestina, o que está bem documentado no campo arqueológico,
especialmente em Láquis. Além disso,
os “alto-relevos” assírios esculpidos de Nínive retratam o cerco e a queda de Láquis[40]. Outros
testemunhos incluem os anais de Senaquerib, os oráculos do livro de Isaías e
dois relatos diferentes do cerco abortado de Jerusalém no segundo livro dos
Reis (caps. 18-20).
De acordo com os textos assírios, uns quantos
de Ecron depuseram o rei Padi, leal à Assíria, e enviaram-no a Ezequias, o que
mostra que o rei de Judá desempenhou um papel importante nesta revolta, na qual
o Egito estava fortemente envolvido. Senaquerib interveio, então, contra Ecron
e reintegrou Padi no trono:
"Os governadores, nobres e povo de
Amqarruna (=Ekron), que acorrentaram seu rei Padi, ligados à Assíria por
consentimento e por inimizade a Hazaqiya'u [=Ezequias] do país
(var.: “da cidade”) de Ya'udu (...) Confiando-me à Assíria, meu
Senhor, lutei contra eles... Enviei Padi seu rei de Ursalimmu [=Jerusalém],
e o fiz sentar-se à sua cabeça. Quanto a Hazaqiya^u do país (ou: “da
cidade”) de Ya'udu [=Judá], que não se submetera ao meu jugo, sitiei
e conquistei 46 cidades fortificadas [...] enviei-as e contei como
espólio 200.150 pessoas [...]. Quanto a ele, eu o fechei em Ursalimmu, sua cidade real, como um pássaro na
sua gaiola. Retirei do seu país as cidades que ele saqueara... e reduzi o seu
país[41].”
Os acontecimentos de 701, durante os quais,
apesar de uma derrota esmagadora, a cidade de Jerusalém permaneceu intacta, sem
dúvida reafirmaram os líderes políticos e religiosos da capital na sua
convicção de que Yhwh tinha defendido a montanha de Sião. De acordo com o
relato bíblico, durante o cerco de Jerusalém, um alto funcionário assírio fez
um discurso de propaganda na porta da cidade, que pode corresponder a uma
prática assíria real. Isso é atestado por um relevo mostrando um personagem dentro
de uma carruagem e segurando um pergaminho que provavelmente contém o discurso
que ele vai ler aos habitantes da cidade. (cf. imagem supra)
“28Então o copeiro-mor aproximou-se e gritou bem alto, em hebraico: «Ouvi o que diz o grande rei, o rei da Assíria! 29Isto diz o rei: Não vos deixeis enganar por Ezequias; ele não vos poderá livrar das minhas mãos. 30Não vos inspire Ezequias confiança no Yhwh, dizendo: 'Yhwh livrar-vos-á e esta cidade não cairá nas mãos do rei da Assíria!' 31Não deis ouvidos ao rei Ezequias! Isto vos diz o rei da Assíria: Fazei a paz comigo. Rendei-vos, e cada um de vós poderá comer os frutos da sua vinha e da sua figueira e beber a água do seu poço, 32até que eu venha e vos traslade para uma terra semelhante à vossa, terra fértil em trigo e vinho, terra de pão e de vinhas, terra de olivais, de azeite e de mel. Deste modo, salvareis a vossa vida e não morrereis. Não ouçais Ezequias, porque vos engana, ao dizer: 'Yhwh nos salvará!' 33Porventura os deuses das outras nações salvaram a sua própria terra das mãos do rei da Assíria? 34Onde estão os deuses de Hamat e de Arpad? Onde estão os deuses de Sefarvaim, de Hena e de Ava? Livraram a Samaria de cair nas minhas mãos? 35Quais são, entre todos os deuses dessas terras, os que salvaram o seu próprio país das minhas mãos, para que Yhwh possa salvar Jerusalém?»” (2 Reis 18,28-35)
Seguindo esta lógica, o levantamento do cerco
a Jerusalém era prova mais do que suficiente de que Yhwh era mais poderoso do
que os assírios e os seus deuses. É difícil saber porque é que o cerco a
Jerusalém não atingiu o seu objetivo. De acordo com 2 Reis 19:35-37, o anjo de Yhwh ataca o exército assírio e
mostra que, ao contrário do que diz a propaganda assíria, ele é mais forte do
que a Assíria e o seu exército. Historicamente, diferentes hipóteses foram
propostas: que o exército assírio, depois de lutar contra os egípcios, teria
ficado muito enfraquecido[44]; ou que
os assírios não teriam planeado destruir Jerusalém, mas preservar um reino de
Judá reduzido como tampão[45]. De
acordo com outra versão do relato bíblico, Senaquerib partiu por causa de uma
conspiração arquitectada contra ele na Assíria (2 Re 19, 7).
É nesta teologia da unidade de Jerusalém e da Colina do Templo que se baseará, mais tarde, a ideia da centralização do culto de Yhwh.
4. AS REFORMAS DE EZEQUÍAS
Segundo os livros dos Reis, Ezequias foi um
predecessor do rei Josias, na medida em que, ao que parece, pôs em prática uma
reforma inspirada numa ideia de exclusivismo yahvista centrado em
Jerusalém. Há um grande
debate sobre a historicidade das afirmações bíblicas, que permanecem, exceto em
alguns detalhes, bastante gerais. No entanto, não é impensável que as reformas
de Ezequias estivessem relacionadas com a teologia
sionista acabada de descrever: «[Ezequias] fez desaparecer os “lugares
altos”, quebrou as “massebas” [matzevah],
quebrou a “Asherá” e destruiu a “serpente de bronze” que Moisés tinha feito,
pois os israelitas tinham até então queimado perfumes antes dela; chamaram-lhe Neustan» (2 Reis 18, 4). No plano político, as “reformas”
de Ezequias, especialmente a destruição dos “lugares altos”, poderiam refletir
então simplesmente a situação geopolítica.
Após 701 a.e.c., quase não restava nada mais de Judá, a não ser Jerusalém e alguns
terrenos envolventes. O relato bíblico também atribui a Ezequias a destruição
de uma “serpente de bronze”... Os dados provavelmente não são inventados. Esta
serpente atribuída a Moisés[48]
lembra especialmente a influência egípcia[49],
embora as serpentes sejam veneradas em muitos sistemas religiosos. É possível
que possa estar relacionada com os serafins, os quais, de acordo com a visão de
Isaías 6, cercam o trono de Yhwh no templo de Jerusalém. No entanto, o fato de
ter um nome (“Neustan” significa nada mais nada menos do que “serpente”)
argumenta a favor de uma veneração particular de uma “serpente curandeira”. A remoção desta estátua por Ezequias
pode refletir uma mudança de governante. Como resultado do seu regresso forçado
à vassalagem assíria, terá
sido obrigado a livrar-se deste símbolo egípcio[50].
5. A VENERAÇÃO DE YHWH SOB O REINADO DE
MANASSÉS
Manassés, filho de Ezequias, teve um
longo reinado (cinquenta e cinco anos), mas surpreendentemente poucos detalhes
desse longo reinado nos foram transmitidos. Para os editores dos livros dos
Reis, ele é o exemplo por excelência de um mau rei, que faz tudo “o que
desagrada a Yhwh”. Historicamente, a sua
política de aceitação da dominação assíria garantiu ao reino de Judá um período
de calma e estabilidade. É até possível, como vimos, que algumas
das realizações mais notáveis que a Bíblia Hebraica atribui a Ezequias sejam,
na verdade, obra de Manassés, que muito provavelmente reconstruiu Láquis. É bem
provável que ele tenha estabelecido uma série de fortalezas que vigoraram na
dependência de Jerusalém, como também é plausível que Assurbanipal tenha restituído
a Manassés alguns dos territórios de Judá, especialmente Sefelah, para o
recompensar pela sua lealdade[51].
Em 2 Re 21, 1-18 compara-se
explicitamente Manassés com o rei do Norte, Acab, onde é descrito a reintroduzir
práticas assírias no templo, bem como o culto da deusa Asherá. A
longa enumeração dos pecados de Manassés em 2 Reis 21,1-9 e 2 Reis 16-18[52],
transgredindo todas as leis importantes do Deuteronómio, propicia que, na
mente dos editores dos livros de Reis, se abra um futuro glorioso para
a reforma de Josias.
2º Livro dos Reis
(A) 2Reis 21,2: Manassés «seguiu as
práticas das abominações dos povos que Yhwh expulsara diante dos filhos de
Israel».
(B) 2Reis 21,3.7: Manassés ergueu uma
estátua a Asherá.
(C) 2Reis 21,3.5: «Ergueu altares em nome
de todos os deuses dos céus».
(D) 2Reis 21,6: «Fez passar pelo fogo o
seu próprio filho; entregou-se à magia, à astrologia, à necromancia e à
adivinhação.»
(E) 2Reis 21,6: «Manassés derramou muito
sangue inocente.»
Deuteronómio
(A) Dt 18,9: «Quando entrares na terra
que Yhwh te há-de dar, não imites as práticas abomináveis daquelas nações.»
(B) Dt 16,21: «Não plantarás nenhuma
árvore sagrada» (como símbolo) de Asherá.
(C) Dt 17,3: «Se alguém for servir a outros deuses e prostrar-se
diante deles ou diante do Sol ou da Lua, ou do que quer que seja do exército dos
céus, Eu o proíbo».
(D) Dt 18,10-11: «Ninguém no teu meio
faça passar pelo fogo o seu filho ou a sua filha; ou se dê a encantamentos, aos
augúrios, à adivinhação, à magia, […] ou à necromancia…».
(E) Dt 19,10: «Não se derramará sangue
inocente» (cf. também 21, 8-9).
Por aqui se vê que os Autores
bíblicos quiseram apresentar Manassés como um rei que, ao contrário de Josias,
não cumpriu nenhum dos Mandamentos do Deuteronómio. Não é fácil saber o que
historicamente aconteceu de facto. Já que Manassés foi um vassalo leal, é
provável que se tivesse rodeado da presença de símbolos cultuais de inspiração
assíria. A expressão «exército dos céus», mencionada em 2Reis 21,3.5, pode incluir a veneração de astros,
do sol, da lua e das estrelas. O deus da lua era muito popular em Harã, a “capital
ocidental” do Império, no século VII a.C., e encontramos seus emblemas em um
número significativo de selos em todo o Oriente Próximo e também na Judeia. É
possível, portanto, que tais cultos astrais tenham sido favorecidos sob o
reinado de Manassés e que em Judá, e até mesmo
em Jerusalém, o deus-lunar tenha sido identificado com Yhwh[53].
Em geral, no século VII, predominavam os símbolos de culto de inspiração
assíria, enquanto no século VIII eram mais de inspiração egípcia.
Sobre o sucessor de Manassés, Amón,
temos poucas informações. O seu nome poderá ser um nome egípcio, o que
significaria que o Egito havia recuperado o controle sobre o Próximo Oriente
durante o seu breve reinado. Termina com um golpe de Estado, em resultado do
qual, graças ao apoio dos «’am hã'ãres» – uma coligação de representantes dos
grandes latifundiários e outras personalidades influentes[54]
– o jovem Josias ascende ao trono. É provável que tenha sido
durante o reinado de Josias que Yhwh se tornou definitivamente o Deus único.
Thomas Römer, «La Invención de Dios»,
Sígueme 2022, cap. 10, 199-218.
[1] J. Briend-M. J. Seux, «Textes du Proche-Orient ancien et
histoire d’Israel», 98.
[2] W. A. M. Beuken, «Jesaya 1-12», Freiburg-Basel-Wien,
Herder 2003, 199. A referência a 5 ou 6 anos representa um problema, uma vez
que o Reino do Norte foi destruído cerca de dez anos após a Guerra Sirio-Efraimita.
Trata-se de um acrescento de um copista que
reescreveu o rolo de Isaías depois das deportações da população
estrangeira para o antigo reino do Norte, sob o comando de Ashrhadon (680-669)
e Assurbanipal (668-627).
[3] J. Briend – M.-J. Seux, «Textes du Proche-Orient
ancient et histoire d’Israël», 104, n. 31.
[4] Ibid., 102, n. 31.
[5]
A identidade deste personagem é muito discutível, pois não há faraó com este
nome. Alguns pensaram em um personagem que aparece em fontes assírias como
"Sib'e" (cf. J. Cray, "I e II Reis. A Commentary»,
Londres 31977, 583, n. a). O nome hebraico também poderia fazer alusão à cidade
egípcia de Sais ou ser uma transcrição do termo egípcio para rei («nj-swt»)
ou uma alusão a Osorkon IV (S. Il Kang, "A philological approach to the
problem of King So" (2 Reis 17:4)": Vetus Testamentum 60 (2010)
241-248.
[7] Prisma de Nimrod; tradução segundo J.-D. Macchi, «Les Samaritains. Histoire d’une legende. Israël et la
province de Samarie», Genève
1994, 90.
[8] Para mais detalhes, cf. M. Cogan, «Imperialism and Religion: Assyria, Judah and Israel in
the Eight and Seventh Centuries B.C.», Missoula 1974.
[9] J. Briend – M.-J. Seux, «Textes du Proche-Orient
ancient et histoire d’Israël», 112, n. 39. (Nota: Estas descrições e estes
relatos remetem-nos para o comentário de Yuval Noah Harari “Os Benefícios da
Idolatria” («Sapiens», Elsinore 2024, Ed. Comemorativa, p. 250-253). Diz o
Autor: «Dois milhares de anos de lavagem cerebral monoteísta levaram os
ocidentais a verem o politeísmo como uma idolatria ignorante e infantil. De
facto, a maior parte das religiões politeístas, e até animistas, reconhece um
poder supremo que se ergue por trás de todos os diferentes deuses, demónios e
pedras sagradas ou “massebas” (=matzevah). (…) O ponto de vista fundamental do politeísmo,
e que o distingue do monoteísmo, é que o poder supremo que governa o mundo é
vazio de interesses e preconceitos e, como tal, não se preocupa com os desejos
mundanos, os cuidados e as preocupações dos seres humanos. É inútil pedir a
esta potência a vitória numa guerra, saúde ou chuva, porque, do seu ponto de
vista global, não faz diferença se um reino em particular ganha ou perde, se
uma cidade específica prospera ou definha ou se uma pessoa recupera ou morre.
Os gregos não desperdiçavam sacrifícios com questões como o Destino e os hindus
não construíram templos a Atman. (…) O ponto de vista do politeísmo conduz a
uma mais vasta tolerância religiosa. Como os politeístas acreditam, por um
lado, num poder supremo completamente desinteressado e, por outro, em muitos
poderes parciais e preconceituosos, os devotos de um deus não têm qualquer
dificuldade em aceitar a existência e a eficácia de outros deuses. O politeísmo
é inerentemente aberto e raramente persegue «hereges» e «infiéis». Mesmo quando
os politeístas conquistavam impérios enormes, não tentavam converter os seus
súbditos. (…) não lhes era pedido que abdicassem dos deuses e rituais locais.
(…) Em muitos casos, a própria elite local adoptava os deuses e os rituais dos
povos subjugados. Os romanos acrescentaram alegremente a deusa asiática Cibele
e a deusa egípcia Ísis ao seu panteão. O único deus que os romanos se recusaram
a adoptar durante muito tempo foi o deus
monoteísta e evangelizador dos cristãos. O Império romano não exigia
que os cristãos abdicassem das suas crenças e rituais, mas esperava que
respeitassem os deuses protectores do império e a divindade do imperador. Isto
era encarado como uma declaração de lealdade política. Quando os cristãos se
recusaram veementemente a fazê-lo, e rejeitaram todas as tentativas de chegar a
um compromisso, os romanos reagiram perseguindo aquilo que entendiam ser uma
facção politicamente subversiva. (…) Os romanos politeístas mataram apenas
alguns milhares de cristãos. Por outro lado, ao longo dos 1500 anos seguintes,
os cristãos chacinaram milhões de cristãos para defenderem interpretações
ligeiramente diferentes da religião do amor e da compaixão. (…) A 23 de Agosto
de 1572, os católicos franceses, que realçavam a importância das boas acções,
atacaram comunidades de protestantes franceses que enalteciam o amor de Deus
pela humanidade. Neste ataque, o dia do massacre de São Bartolomeu, foram chacinados
entre 5000 e 10 000 protestantes em menos de 24 horas. Quando o papa, em
Roma, soube o que tinha acontecido em França, ficou de tal forma feliz, que
organizou orações festivas para celebrar a ocasião e contratou Giorgio Vasari
para decorar uma das salas do Vaticano com um fresco do massacre (a sala está
hoje encerrada aos visitantes). Foram mortos mais cristãos por outros cristãos
nessas 24 horas do que pelo Império Romano politeísta durante toda a sua
existência.»
[10] Não é possível identificar Sucot Benot. Propôs-se ser
uma deusa Banitu (M. Cogan, «Sukkoth-Benot», in Dictionary of Deities and
Demons in the Bible [21999], 821-822); porém, a expressão
«cabana das meninas» pode querer significar que se trata de uma alusão à
prostituição. A descrição começava, então, com práticas comprometendo
adolescentes, que terminariam com o sacrifício dos seus filhos no fogo sagrado.
[11] Divindade dos infernos atestada tal e qual, pelo nome
do alto funcionário babilónio, em Jeremias 39,3.13, [Nergal-Sarécer].
[12] Ashimá era uma divindade igualmente referida nas
tribos árabes em Teima; trata-se de uma hipostasia de «O Nome», que substitui o
nome próprio da divindade (cf. Amós 8,14).
Outros autores consideram que Ashimá é uma paródia para o nome de Asheráh, a
deusa proibida… (cf. Thomas Römer, «La invención de Dios», SÍGUEME, capítulo 9 [“YHWH Y SU ASERÁ”], pp.
185-198).
[13] Parece ser uma divindade elamita.
[14] Fora deste texto, trata-se de uma divindade
totalmente desconhecida. Eventualmente, e porque surge colada a Nibeaz, poderia
também ser uma divindade elamita…
[15] Duas divindades formadas a partir do lexema «melek»,
«rei». Trata-se, tal como sugere o texto, de divindades às quais se oferecem
sacrifícios humanos. Por conseguinte, temos de os relacionar com «molek»
ou, inclusivamente, com «Yhwh-melek» (cf. supra, capítulo 7 de Th.
Römer, «La invención de Dios», p. 157-159).
[16] J. D. Macchi, «Les Samaritains», 56-71.
17 Ver
discussão acerca da identificação dos nomes dos lugares em V. Fritz, «Das
erste Buch der Könige», Zürich 1996, 101.
[18] R. Zadoc, «Geographical and onomastical notes»:
Journal of the Ancient Near Eastern Society 8 (1976) 113-126, mais
concretamente 117.
[19] Ibid, 115.
[20]
O santuário de Betel já está associado a um leão em 1
Reis 13,24ss e o leão também é o animal simbólico que
representa a Tribo de Judá e do seu ódio às outras religiões ou cultos: «
[21] Tradução de J. Briend et al., «Traités et serments
dans le Proche-Orient ancien», 66.
[22] Para mais detalhes, cf. W. Röllig, «Bethel», in
“Dictionary of Deities and Demons in the Bible”, 173-175.
[23] Uma carta encontrada em Hermópolis menciona o templo
de Betel e o templo de Rainha do Céu. Em Elefantina encontra-se a tríada “Yahô,
Ashim-Betel e Abat-Betel”.
[24] Israel Finkelstein – Neil Asher Silberman, «La
Bible dévoilé. Les nouvelles révélations de l’archeologie», Paris 2002,
278. (Em português do Brasil: «A Bíblia
desenterrada», Editora VOZES Petrópolis 2018).
[25]
Testemunha esse crescimento urbano a descoberta
de um número considerável de espinhas de peixe em Jerusalém, facto que
demonstra intercâmbios comerciais consideráveis pelos finais do século IX ou
princípios do século VIII a.e.c. Para mais detalhes, cf. Ronny Reich, «Excavating the City of David. The Place where the
History of Jerusalem Started»,
Jerusalem 2011.
[26] M. Broshi, «The expansion of Jerusalem in the
reigns of Hezekiah and Manasse»: Israel Exploration Journal 24 (1974)
21-26.
[27] Baruch Halpern, «Jerusalem and the lineages in the seventh century
B.C.E.: kinship and the rise of individual moral liability», in B. Halpern – D. W. Hobson (dirs.), «Law and
Ideology in Monarchic Israel», Sheffield 1991, 25-26. (“The doctrine of
individual divine judgment advanced by Jeremiah and Ezekiel, rejects the
proverb, "The fathers ate sour grapes...,"
and of punishment for ancestral sin as in Kings or even the ‘Ten Commandments’.
It reflects the culmination of a process in which the
role of old, landed kinship corporations (here, "lineages") were politically marginalized…»).
[28] L. G. Herr, «Archeological
sources for the history of the Palestine: the Iron Age II period: emerging
nations»: The Biblical Archeologist 60 (1997) 114-151 e 155-157.
[29] W. Zwickel, «Wirtschaftliche Grundlagen in
Zentraljuda gegen Ende des 8. Jh.»: Ugarit Forschungen 26 (1994) 557-592,
aqui 564-586.
[30] Segundo 2 Reis 10,15.23.
[31] Segundo
2 Reis 18,10,
a Samaria foi tomada no 6º ano de Ezequias, pelo que se pode situar o seu
reinado por volta do ano 728 a.e.c. Segundo 18,13 o cerco
de Jerusalém ocorreu no décimo terceiro ano de Ezequias, o que faz acreditar
que ele subiu ao trono por volta do ano 715/714. É difícil resolver esta
questão.
[32] 2 Reis 20,20;
Isaías 22,9; 2 Crónicas 32, 3-4.30.
[33] Para uma tradução, cf. www.biblelieux.com/tunnel...d...ezechias (última consulta: 30.9.2022); ou J. Briend – M. J.
Seux, «Textes du Proche-Orient et histoire d’Israël», 118.
[34] D. Ussishkin, «The date of the Judean shrine at
Arad»: Israel Exploration Journal (1988) 142-157.
[35] E. A. Knauf, “The glorious days of Manasseh”, in
Lester L. Grabbe (dir.), «Good Kings and bad Kings. The Kingdom of Judah in the
Seventh Century B.C.E.», London –
New York 2005, 164-188. (According to the Bible, among the last kings of the
kingdom of Judah was one of the most notorious kings-Manasseh-and one of the
most righteous-Josiah. Are the accounts of their contrasting reigns anything more than the ideological creations of pious
writers and editors? Does this
juxtaposition of a 'good king' and a 'bad king' provide good historical
information or only theological wishful
thinking? In this volume the on-going discussions in the European
Seminar on Methodology in Israel's History have tackled the history of Judah in
the seventh century BCE, with a focus on the
reign of Josiah. Some essays survey the history and archaeology of
Judah from Sennacherib to Nebuchadnezzar. Several examine the reign of Manasseh
and address the question of whether it is ripe for re-evaluation. Others ask
what we know of the reign of Josiah and, especially, what form his famous
cult reform took or even whether it was historical. As always, the
editor gives an introduction to the topic, with summaries of the contributions,
plus a concluding summary of and personal perspective on the discussion. Contributors include such internationally known scholars
as Rainer Albertz, Philip Davies, Axel Knauf, Nadav Na'aman, Marvin Sweeney,
and Christoph Uehlinger. JSOTS 393.)
[36] Segundo P. R. Davis – J. W. Rogerson, «Was the
Siloam tunnel built by Hezekiah?»:
The Biblical Archeologist 59 (1996) 138-149, a inscrição dataria da época
asmoneia, uma teoria que não convenceu a maioria dos investigadores. Contra
esta tese, cf. os argumentos de Stig Norin (Uppsala), «The
age of the Siloam inscription and Hezekiah’s tunnel»: Vetus Testamentum 48 (1998) 37-48.
[37] J. Renz – W. Röllig, «Handbuch der althebräischen Epigraphik 1», 190.
[38] J. Briend – M. J. Seux, «Textes du Proche-Orient
et histoire d’Israël», 117.
[39] «Ele venceu os filisteus até Gaza e devastou todo o
seu território, desde as simples torres de vigia até às cidades fortificadas» (2 Reis 18,8).
[40] David Ussishkin, «The Conquest of Lachish by Sennacherib», Tel-Aviv 1982. (By Academy.Edu)
[41] J. Briend – M. J. Seux, «Textes du Proche-Orient
et histoire d’Israël», 117-121.
[42] «35Nessa
mesma noite, o anjo do SENHOR apareceu no acampamento dos assírios e feriu
cento e oitenta e cinco mil homens. No dia seguinte de manhã, só lá havia
cadáveres. 36Senaquerib, rei da Assíria retirou-se, retomou o
caminho da sua terra e ficou em Nínive.» (2 Reis 19,35-36).
[43] Segundo alguns autores só restou a cidade de
Jerusalém e o seu hinter-land;
por exemplo, G. W. Ahlström, «The History of Ancient Palestine from the
Paleolitich Period to Alexander’s Conquest», Sheffield 1993, 717-730 e mapa
21.
[44] E. A. Knauf, «Who destroyed Beersheba II?», in
U. Hübner – E. A. Knauf (dirs.), “Kein Land für sich allein. Studien zum
Kulturkontakt in Kanaan, Israel/Palästina und Ebirnâri für Manfred Weippert zum
65. Geburtstag”, Fribourg-Göttingen 2002, 188-195 (aqui 188).
[45] L. Massmann, «Sanheribs Politik in Juda.
Beobachtungen und Erwägungen zum Ausgang der Konfrontation Hiskias mit den
Assyrern», in Ibid., 167-180 (aqui 169-172).
[46] Y. Amit, «When did Jerusalem become a subject of
polemic?», in A. G. Vaughn – A. E. Killebrew (dirs.), “Jerusalem in Bible
and Archaeology. The First Temple Period”, Atlanta 2003, 365-374.
[47] J. Hausmann, «Israels Rest: Studien zur Selbstverständnis
der nachexilischen Gemeinde», Stuttgart 1987.
[48] O relato de Números 21,4-9 oferece mais tarde uma
etiologia desta serpente: Moisés havia confeccionado, no deserto, uma serpente
de bronze para salvar os israelitas dos ataques das serpentes que Yhwh havia
lançado contra os israelitas desobedientes.
[49] Para a importância das representações egipcizantes de
serpentes em Judá durante o século VIII, cf. O. Keel, «Die Geschichte
jerusalems und die Entstehung des Monotheismus», 422-429.
[50] K. A. Swanson, «A reassessment of Hezekiah’s
reform in light of jar handels and iconographic evidence»: Catholic
Biblical Quaterly 64 (2002) 460-469.
[51] I. Finkelstein
– N. Na’aman, «The Judahite Shephelah in the late 8th and
early 7th centuries BCE»:
Tel Aviv 31 (2004) 60-79; A. Fantalkin, «The final destruction of Beth Shemesh and the Pax
Assyriaca in the Judahite Shephelah: An Alternative View»: ibid., 245-261.
[52] Os versículos 10-15 são, sem dúvida, uma interpolação
redaccional destinada a fazer de Manassés o principal, quando não
até o único, rei responsável pela queda de Judá.
[53] Para “selos” desta época que quiçá representem Yhwh
configurado como ‘deus lunar’, cf. Benjamin Sass [Tel Aviv University], «The pre-Exilic Hebrew seals: iconism vs. aniconism», 232-234.
[54] Para saber mais sobre o significado de «’am hã'ãres» («povo da
terra»), cf. J. D. Macchi, «’Am há-Arets. I. Hebrew Bible/Old Testament»,
in Encyclopedia of the Bible and its Reception, vol. 1 (2009), col.
912-913.