A presença da
Igreja na história do mundo
Que
fique claro que a condição do sujeito da Igreja significa renunciar a si
própria através duma escolha firme e decidida pela pessoa de Jesus Cristo. Ou seja,
a conversão a Jesus diante de qualquer tipo de triunfalismo, a escuta
comunitária da Palavra frente a todo o tipo de autoritarismo, o serviço
recíproco frente a toda a pretensão de dominação. O
povo de Deus é uma realidade profundamente «relativa», está totalmente
dependente de Jesus.
Por
isso, a identidade específica do seu sujeito histórico, o especificamente
distintivo da Igreja é exercitar, ao mesmo tempo, a memória e a espera de
Jesus[1].
A tensão entre memória e espera confere-lhe uma identidade que
impede o seu anonimato aquando da sua dispersão no mundo. A missão do povo de
Deus no mundo tem, como fundamento intrínseco, a memória e a espera de Jesus.
Se o povo de Deus não anunciar, como Boa Notícia, essa experiência à
humanidade, esta permanecerá nas trevas. Tal missão poderá levar a uma acção
estimulante ou crítica do modo de viver dos homens e das mulheres do
nosso tempo.
No
plano das acções humanas destinadas à humanização do mundo, os membros deste povo de Deus não constituem um grupo
particular que se diferencie de outros grupos humanos. Para nós,
só contam as condições ordinárias e vulgares da vida humana, condições que
todos somos chamados a partilhar solidariamente. Como cristãos, não temos
projectos humanos específicos para contrapor como alternativa aos que já
existem. Porém, o facto de sermos membros do povo de Deus confere-nos uma
responsabilidade específica face ao mundo: aquilo que a alma é no corpo, isso são os cristãos no
mundo (cf. LG 38, que cita a Carta
a Diogneto,[2] n. 6
[século II]).
É
neste contexto que ocorre o confronto da própria Fé com as realidades maiores
do nosso mundo, realidades essas que são encaradas como uma Revelação implícita
de Deus, e que devem ser referidas ao acontecimento único de Cristo, onde ocorre
a plenitude da Revelação.
Os
esforços para que a Igreja esteja presente, hoje em dia, na História do mundo
são porém embrionários. Por duas ordens de razões. Por um lado, se a praxis é o
lugar da verificação da fé, ainda não foi possível estabelecer uma
praxis pós-conciliar suficientemente ampla e coerente (nas suas diversas
formas) de modo a permitir uma reflexão que atinja um certo grau de
universalidade. Por outro lado, um dado específico da nova situação [pós-Conciliar] é a afirmação de que a teologia tem de deixar de ter por sujeito a pessoa do
teólogo para se converter numa tarefa da comunidade eclesial
inserida na acção histórica, comunidade que confronta a sua leitura da
realidade com a análise que outros grupos, outras religiões e outras ciências
fazem da mesma realidade. Ora, acontece que não houve ainda tempo suficiente,
nem as comunidades amadureçam suficientemente em matéria de intercomunicação e
confronto com outras leituras da realidade. Esta é uma tarefa que está aí
diante de nós, a desafiar-nos.
Joaquín Perea
"Otra Iglesia es posible", Ediciones
HOAC Madrid, 3ª Ed. 2011, pp. 269-272.72. ISBN 978-84-92787-06-7.
[1] Manter
sempre a lamparina acesa, evitar que se esgote o azeite e ela se apague… [NdE]
[2] «Numa
palavra, o que a alma é no corpo, isso são os cristãos no mundo. A alma está em
todos os membros do corpo e os cristãos em todas as cidades do mundo. A alma
habita no corpo, não é, contudo, do corpo; também os
cristãos, se habitam no mundo, não são do mundo (Jo 15,19;
17,11.14.16). A alma invisível vela no corpo visível: também os cristãos
sabe-se que estão neste mundo, mas a sua religião
permanece invisível. A carne odeia a alma e, apesar de não a ter
ofendido em nada, faz-lhe guerra (…): da mesma forma o mundo odeia os cristãos
que não lhe fazem mal nenhum (…). A alma ama a
carne, que a odeia, e os seus membros. Também os cristãos amam
os que os odeiam.»