teologia para leigos

10 de fevereiro de 2016

«OUTRA IGREJA É POSSÍVEL» [JOAQUÍN PEREA]




A presença da Igreja na história do mundo

Que fique claro que a condição do sujeito da Igreja significa renunciar a si própria através duma escolha firme e decidida pela pessoa de Jesus Cristo. Ou seja, a conversão a Jesus diante de qualquer tipo de triunfalismo, a escuta comunitária da Palavra frente a todo o tipo de autoritarismo, o serviço recíproco frente a toda a pretensão de dominação. O povo de Deus é uma realidade profundamente «relativa», está totalmente dependente de Jesus.

Por isso, a identidade específica do seu sujeito histórico, o especificamente distintivo da Igreja é exercitar, ao mesmo tempo, a memória e a espera de Jesus[1]. A tensão entre memória e espera confere-lhe uma identidade que impede o seu anonimato aquando da sua dispersão no mundo. A missão do povo de Deus no mundo tem, como fundamento intrínseco, a memória e a espera de Jesus. Se o povo de Deus não anunciar, como Boa Notícia, essa experiência à humanidade, esta permanecerá nas trevas. Tal missão poderá levar a uma acção estimulante ou crítica do modo de viver dos homens e das mulheres do nosso tempo.

No plano das acções humanas destinadas à humanização do mundo, os membros deste povo de Deus não constituem um grupo particular que se diferencie de outros grupos humanos. Para nós, só contam as condições ordinárias e vulgares da vida humana, condições que todos somos chamados a partilhar solidariamente. Como cristãos, não temos projectos humanos específicos para contrapor como alternativa aos que já existem. Porém, o facto de sermos membros do povo de Deus confere-nos uma responsabilidade específica face ao mundo: aquilo que a alma é no corpo, isso são os cristãos no mundo (cf. LG 38, que cita a Carta a Diogneto,[2] n. 6 [século II]).

É neste contexto que ocorre o confronto da própria Fé com as realidades maiores do nosso mundo, realidades essas que são encaradas como uma Revelação implícita de Deus, e que devem ser referidas ao acontecimento único de Cristo, onde ocorre a plenitude da Revelação.

Os esforços para que a Igreja esteja presente, hoje em dia, na História do mundo são porém embrionários. Por duas ordens de razões. Por um lado, se a praxis é o lugar da verificação da fé, ainda não foi possível estabelecer uma praxis pós-conciliar suficientemente ampla e coerente (nas suas diversas formas) de modo a permitir uma reflexão que atinja um certo grau de universalidade. Por outro lado, um dado específico da nova situação [pós-Conciliar] é a afirmação de que a teologia tem de deixar de ter por sujeito a pessoa do teólogo para se converter numa tarefa da comunidade eclesial inserida na acção histórica, comunidade que confronta a sua leitura da realidade com a análise que outros grupos, outras religiões e outras ciências fazem da mesma realidade. Ora, acontece que não houve ainda tempo suficiente, nem as comunidades amadureçam suficientemente em matéria de intercomunicação e confronto com outras leituras da realidade. Esta é uma tarefa que está aí diante de nós, a desafiar-nos.

Joaquín Perea
"Otra Iglesia es posible", Ediciones HOAC Madrid, 3ª Ed. 2011, pp. 269-272.72. ISBN 978-84-92787-06-7.









[1] Manter sempre a lamparina acesa, evitar que se esgote o azeite e ela se apague… [NdE]
[2] «Numa palavra, o que a alma é no corpo, isso são os cristãos no mundo. A alma está em todos os membros do corpo e os cristãos em todas as cidades do mundo. A alma habita no corpo, não é, contudo, do corpo; também os cristãos, se habitam no mundo, não são do mundo (Jo 15,19; 17,11.14.16). A alma invisível vela no corpo visível: também os cristãos sabe-se que estão neste mundo, mas a sua religião permanece invisível. A carne odeia a alma e, apesar de não a ter ofendido em nada, faz-lhe guerra (…): da mesma forma o mundo odeia os cristãos que não lhe fazem mal nenhum (…). A alma ama a carne, que a odeia, e os seus membros. Também os cristãos amam os que os odeiam.»