teologia para leigos

14 de janeiro de 2025

O Ressuscitado é o "Crucificado"







O Ressuscitado é o Crucificado

Leitura da Ressurreição de Jesus a partir dos crucificados da Terra

Jon Sobrino sj



Esta edição monográfica é dedicada à ressurreição de Jesus enquanto acontecimento e verdade fundamental para a fé cristã. Neste breve artigo, queremos recordar outra verdade não menos fundamental para a fé: que o Ressuscitado não é outro senão Jesus de Nazaré assassinado (o crucificado). Não nos move nenhum "a priori" masoquista ‒ como se fosse reprovável sentir, na fé, algum momento de alegria e esperança ‒, nem nenhum ‘a priori’ dialético que conceptualmente fosse indispensável para a reflexão teológica. Pelo contrário, estamos movidos por uma dupla seriedade: seriedade para com as histórias do Novo Testamento por um lado, e, por outro, para com a realidade de milhões de homens e de mulheres.

Antes de mais, queremos dizer que é necessário lembrar que o Ressuscitado é o crucificado, pela simples razão de que isso é a mais lídima verdade e que é assim – e não de outra forma – que a ressurreição de Jesus é apresentada no Novo Testamento. Esta verdade («o ressuscitado é o crucificado») não é apenas uma verdade factual da qual deveríamos ser informados como sendo apenas mais um dado do mistério pascal, mas uma verdade fundamental, no sentido em que fundamenta a realidade da ressurreição e, portanto, fundamenta qualquer interpretação teológica da ressurreição.

Em segundo lugar, queremos dizer que na humanidade de hoje há muitos homens e mulheres, povos inteiros, que são crucificados. Esta situação maioritária da humanidade torna a memória do crucificado algo de ‘actualmente ainda vivo’ e exige esta recordação para que a ressurreição de Jesus seja uma boa nova cristã concreta, e não abstrata, idealista. Por outro lado, são estes homens crucificados da história que nos oferecem a perspectiva privilegiada para captar a ressurreição de Jesus de uma forma cristã e de, dela, fazer-se uma “apresentação cristã”. É isso que pretendemos fazer de seguida: concretizar cristãmente alguns aspetos da ressurreição de Jesus a partir da sua realidade crucificada, que, por sua vez, é melhor descoberta a partir dos crucificados da história.



1-O triunfo da justiça de Deus

Rapidamente, através de um processo de crença, o ocorrido na ressurreição de Jesus foi universalizado. A cruz e a ressurreição começaram a funcionar como símbolos universais: da morte enquanto destino de cada ser humano e, enquanto anseio de imortalidade, como esperança de cada ser humano. O poder ressuscitador de Deus foi apresentado como garantia dessa esperança para além e contra a morte.

Tudo isto está correto, mas convém que não nos precipitemos neste processo de universalização, mas antes mergulhemos na historicidade concreta do destino de Jesus.

Na primeira pregação cristã, embora de forma estereotipada, a ressurreição de Jesus foi apresentada da seguinte forma: «Jesus de Nazaré […] Vós o matastes, cravando-o na cruz pela mão de gente pagã. Mas Deus ressuscitou-o, libertando-o dos grilhões da morte» (Act 2, 22-24; cf. o mesmo esquema em Act 3, 13-15; 4, 10; 5, 30; 10, 39; 13, 28ss.). Neste anúncio, é dada uma importância fundamental ao facto de alguém ter ressuscitado alguém, mas não menos importância é dada à identificação de quem fora ressuscitado por Deus.

Este homem não é outro senão Jesus de Nazaré, o homem que, segundo os Evangelhos, pregou a vinda do Reino de Deus aos pobres, denunciou e desmascarou os poderosos, foi perseguido por eles, condenado à morte, executado e, mesmo assim, manteve em tudo isso uma fidelidade radical à vontade de Deus e uma confiança radical no Deus a quem obedeceu. Nos primeiros discursos, ele é identificado como «o santo», «o justo», «o autor da vida» («o Príncipe da Vida»: Act 3, 15ss). E muito em breve o seu destino de morte é também interpretado como ‘o destino dos profetas’ (1 Ts 2,15).

A importância dessa identificação não consiste, obviamente, apenas em dar a conhecer o nome específico daquele que foi objeto da ação de Deus, mas no facto de que, através dessa identificação, da narração e da interpretação da vida do crucificado, compreendamos o que está envolvido na ressurreição de Jesus. Quem viveu assim e por isso foi crucificado, Deus o ressuscitou. A ressurreição de Jesus não é, portanto, apenas um símbolo da omnipotência de Deus, como se Deus tivesse decidido, arbitrariamente e sem conexão com a vida e destino de Jesus, mostrar a sua omnipotência. A ressurreição de Jesus é, antes, apresentada como a “Resposta de Deus” à ação injusta e criminosa dos seres humanos. Portanto, por ser uma resposta, a ação de Deus é entendida como corroboração das acções de todos os seres humanos que originaram esse tipo de reacção cruel: o assassinato dos justos. Apresentada desta forma, a ressurreição de Jesus mostra que a justiça triunfa sobre a injustiça; não é simplesmente o triunfo da omnipotência de Deus, mas da Justiça de Deus, embora Deus se sirva de um acto de poder para mostrar essa Justiça. A ressurreição de Jesus torna-se assim uma Boa Notícia, cujo conteúdo central é que, uma vez e em plenitude, a Justiça triunfou sobre a injustiça, a vítima triunfou sobre o carrasco.



2-O escândalo da injustiça que mata

A acção vitoriosa de Deus, aquando da ressurreição de Jesus, não poderá nunca ofuscar ou secundarizar a inaceitável gravidade das acções dos carrascos que levaram à inevitabilidade, por parte de Deus, de ressuscitar Jesus. Os primeiros discursos repetem-no continuamente: "mataste-o". É verdade que há uma tendência para suavizar a responsabilidade pelo assassinato de Jesus: «Irmãos, sei que o fizestes por ignorância» (Act 3, 17). Mas esta frase consoladora e motivadora de conversão não reduz de forma alguma a extrema gravidade de assassinar os justos. Na ressurreição, surge exemplarmente a afirmação paulina de que onde abunda o pecado, a graça abunda ainda mais. Porém, esta superabundância de graça enfatiza ainda mais a gravidade do pecado de assassinar o justo.

Se levarmos a sério a dupla e antagónica apresentação da ação de Deus e dos seres humanos no destino de Jesus, podemos pelo menos reconsiderar em que consiste o escândalo primário da história e como devemos lidar com ele. Uma concentração unilateral na ação ressuscitadora de Deus pressupõe que este escândalo é, em última análise, a nossa morte pessoal futura. Assim, o que torna possível e reclama a ressurreição é a coragem da esperança na própria sobrevivência pessoal. Porém, se continuarmos a relembrar a afirmação «vós o mataste!», então o que se destaca em primeiro lugar como escandaloso não é simplesmente a morte final de cada um de nós, mas o assassinato dos justos e a possibilidade humana, mil vezes concretizada, de matar os justos. A questão que a ressurreição coloca é se também participamos no escândalo da morte dos justos, se estamos do lado daqueles que os assassinam ou do lado do Deus que lhes dá a vida.

A ressurreição de Jesus não só coloca o problema de “como podemos lidar com a nossa própria morte futura”, mas também nos lembra que temos de lidar com a morte e a vida dos outros; que a tragédia do ser humano e o escândalo da história não consistem apenas no facto de o ser humano num certo momento da sua vida ter de morrer, mas na possibilidade de matar o outro. Estas reflexões não pretendem minimizar o problema universal da morte pessoal ou ofuscar a indubitável mensagem de esperança que aparece na ressurreição de Jesus. Pretendem apenas sublinhar que já existe o imenso escândalo da injustiça que mata no coração da vida (no coração da história), e que a forma de lidar com esse escândalo é a forma cristã de enfrentar também o escândalo da própria morte pessoal. Por outras palavras, a coragem cristã na ressurreição de cada um de nós vive da coragem de superar o escândalo histórico da injustiça; a esperança necessária, como condição da possibilidade de crer na ressurreição de Jesus como futuro abençoado da própria pessoa, passa pela prática do amor histórico de dar vida àqueles que morrem na história.

Também para a esperança na própria ressurreição é válida a fórmula evangélica universal do “esquecimento de si mesmo” para se recuperar como cristão. Aquele para quem a sua própria morte é o escândalo fundamental e a esperança de sobrevivência o seu maior problema, não terá uma esperança cristã nascida da ressurreição de Jesus; ele terá uma esperança centrada em si mesmo e para si mesmo, o que é compreensível, mas não necessariamente uma “esperança cristã. “Aquilo que descentra a nossa própria esperança” e faz dela esperança verdadeiramente cristã é tomar como absolutamente escandalosa a morte real do crucificado, com a qual não se pode concordar, nem sobre a qual algo deve, em última análise, ser feito em segundo plano em relação à própria pessoa, em virtude da esperança da própria ressurreição. Esse escândalo histórico é a mediação cristã para o escândalo da própria morte. E a luta resoluta, perseverante, verdadeiramente «contra toda a esperança» pela vida dos seres humanos é a mediação cristã para que a esperança se mantenha na própria ressurreição.



3-Esperança para os crucificados

A teologia actual da ressurreição superou, felizmente, a conceção “dolorista” (masoquista) do cristianismo. Foi capaz de enfatizar, por dissemelhança e às vezes em oposição a outros símbolos de esperança – como, p. ex., os símbolos provenientes da filosofia grega ‒ que o "seu" símbolo de esperança é mais credível do que os outros, na medida em que abrange os aspetos corpóreos, sociais e até cósmicos da ressurreição. Ao fazê-lo, recuperou aspetos fundamentais do NT e tentou colocar-se em sintonia com as exigências das antropologias actuais. Procurou, com razão, tornar credível o símbolo cristão da ressurreição. Mas, a nosso ver, foi precipitada essa universalização, bem como os seus destinatários preferenciais e o lugar hermenêutico do seu entendimento. Perante essa universalização apressada queremos, aqui, fazer uma correção.

Se levarmos a sério o que foi dito até agora, verificamos que estamos, não diante de uma leitura fundamentalista dos textos, mas de uma profunda seriedade para com esses mesmos textos: a ressurreição de Jesus é, em primeiro lugar, esperança para os crucificados. Deus ressuscitou um homem crucificado e, desde então, há esperança para os crucificados da história. Eles poderão, realmente, ver no Jesus ressuscitado o primogénito dos mortos, porque na verdade e não apenas intencionalmente eles O reconhecem como o irmão mais velho. Por isso, os crucificados da história poderão alimentar a coragem de esperar pela sua ressurreição, e mais: que essa coragem nasce já dentro da história, o que é um “milagre” análogo ao que aconteceu na ressurreição de Jesus.

A correlação entre a ressurreição e o crucificado, análoga à correlação entre o Reino de Deus e os pobres que Jesus pregou, não significa des-universalizar a esperança de todos os seres humanos, mas encontrar o lugar certo para a sua universalização. Esse lugar ‒ o mundo dos crucificados ‒, não é um lugar excecional ou esotérico. Não devemos esquecer que a cruz de Jesus, antes de ser ‘A Cruz’ ‒ expressão a que nos habituámos e que vulgarizamos ‒ é uma cruz entre muitas outras antes e depois de Jesus. Não se pode ignorar que, no mundo de hoje, há milhões de seres humanos que não ‘morrem simplesmente’, mas que (simplesmente e de várias maneiras) morrem como Jesus morreu «às mãos dos pagãos», às mãos dos idólatras modernos da Segurança Nacional ou da absolutização da riqueza. Muitos seres humanos morrem realmente crucificados, assassinados, torturados, desaparecidos, injustiçados. Muitos milhões mais morrem na lenta crucificação causada pela injustiça estrutural. Hoje em dia há povos inteiros transformados em farrapos e dejetos humanos vítimas dos prazeres de outros povos, povos sem rosto nem figura, povos como os crucificados [pelo Império Romano]. Infelizmente, isto não é uma pura metáfora, mas uma realidade quotidiana. Do ponto de vista quantitativo, o que a ressurreição de Jesus realmente prova hoje é que ela pode dar esperança à grande maioria da humanidade.

Do ponto de vista qualitativo, a ressurreição de Jesus torna-se um símbolo universal de esperança, na medida em que todos os homens e mulheres participam de algum modo na crucificação; por outras palavras, na medida em que a morte de cada homem tem a qualidade de crucificação. Esta é a morte cristã por excelência e desse tipo de morte pode-se ter a esperança cristã da ressurreição. É necessário, portanto, participar da crucificação, mesmo que analogicamente, para que haja uma esperança cristã.

Este não é o momento de analisar sistemática ou fenomenologicamente a analogia da crucificação. Digamos apenas que, quando a própria morte não é apenas o produto de limitações biológicas ou do desgaste produzido pela manutenção da própria vida, mas quando ela é o produto de se doar por amor aos outros e ao que é indefeso, pobre, produto da injustiça, então há uma analogia entre essa vida e a morte de Jesus. Depois, e só depois, do ponto de vista cristão, também se participa na esperança da ressurreição. É a comunhão com a vida e com o destino de Jesus que dá esperança de que, o que foi realizado em Jesus, se realizará também em nós.

Fora dessa “Comunidade com o Crucificado”, ainda que seja analogicamente e segundo formas as mais diversas, a ressurreição apenas aponta para a possibilidade da “sobrevivência”. Mas essa mesma sobrevivência – como afirma a mais clássica doutrina da Igreja – é ambígua: ela tanto pode ser salvação como condenação. Para que haja esperança na própria sobrevivência e para que essa sobrevivência seja salvífica, é preciso participar da crucificação. A partir daí podemos universalizar a esperança da ressurreição e torná-la numa boa notícia para todos. Mas, para que esta universalização seja cristã, é preciso partir, como tantas vezes deve ser, do escandaloso paradoxo cristão: a boa nova é para os pobres, a ressurreição é para os crucificados.



4-A credibilidade do poder de Deus através da cruz

Os crucificados da história esperam a salvação. Para isso, sabem que o Poder é imprescindível. No entanto, desconfiam do que é “puro poder”, pois isso lhes é sempre desfavorável na história. O que eles querem é um poder que seja verdadeiramente credível. Promessas simples não desencadeiam necessariamente, por mais maravilhosas que sejam, a esperança; isso só é conseguido por aqueles que falam com credibilidade. Por isso, é tão importante confessar a omnipotência de Deus, que é capaz de «dar vida aos mortos e chamar à existência o que não existe» (Rm 4, 17), bem como fazer com que o amor de Deus seja credível, isto é, que este poder seja credível. Para isso, devemos voltar novamente ao crucificado e reconhecer nele a presença de Deus, como diz Paulo, e também a expressão do amor de Deus que Ele dá ao seu Filho por amor. Sem estas considerações, por mais ameaçadas que estejam pelo antropomorfismo ou por mais insondável que seja o mistério que elas expressam, o poder de Deus na ressurreição não é simplesmente uma boa notícia.

Na cruz de “Jesus já crucificado” revela-se, antes de mais nada, a impotência de Deus. Esse desamparo, por si só, não produz esperança, mas torna credível o poder de Deus que será revelado na ressurreição. A razão é que a impotência de Deus é expressão da Sua absoluta proximidade aos pobres e sinal de que Ele partilha o destino dos pobres até ao fim. Se Deus esteve na cruz de Jesus, se partilhou assim os horrores da história, então a sua ação na ressurreição é credível, pelo menos para os crucificados. O silêncio de Deus na cruz, que causa tanto escândalo à razão natural e à razão moderna, não o é assim para os crucificados, pois aquilo que eles estão realmente interessados em saber é se Deus também estava na cruz de Jesus. Se assim é, consuma-se a proximidade de Deus aos homens, iniciada na Encarnação, anunciada e presentificada por Jesus durante a sua vida terrena. O que a cruz diz, em linguagem humana, é que nada na história é capaz de colocar limites à proximidade de Deus para com os homens. Sem esta proximidade, o poder de Deus na ressurreição permaneceria como pura alteridade e, portanto, ambígua e historicamente ameaçadora para o crucificado. Mas com essa proximidade eles podem realmente acreditar que o poder de Deus é uma boa notícia, porque é amor. A Cruz de Jesus continua a ser, em linguagem humana, a expressão mais completa do imenso amor de Deus pelos crucificados. A Cruz de Jesus diz credivelmente que Deus ama os homens, que Deus pronuncia uma palavra de amor e salvação e que Ele diz e se entrega enquanto amor e salvação: a Cruz diz – permitam-nos a expressão – que ‘Deus passou na prova do amor’, para que possamos então também nós crer no seu poder.

Quando nos damos conta da surpreendente, inovadora, ímpar e extraordinária presença amorosa de Deus na Cruz de Jesus, então a Sua presença na ressurreição deixa de ser apenas poder (sem amor), alteridade (sem proximidade) ou «deus ex machina» (deus a-histórico); consequentemente, a ação ressuscitadora de Deus e a Esperança na ressurreição mantêm-se, naturalmente, como objetos de fé e de esperança. A presença de Deus no crucificado não torna estas realidades mais evidentes ou mais demonstráveis. Os crucificados são os que devem ter mais dificuldade nessa fé e nessa esperança. Porém, quando ouvem dizer que Deus estava na Cruz de Jesus, dão-se conta de algo extremamente importante: que o poder de Deus não é opressor, mas salvador; que não é pura alteridade em relação a eles, mas proximidade amorosa. Deste modo, a ressurreição de Jesus pode tornar-se o «seu» símbolo de esperança (Marcos 15,39 - «O centurião que estava em frente dele, ao vê-lo expirar daquela maneira, disse: «Verdadeiramente este homem era Filho de Deus!»).

Uma ressurreição tornada credível através da proximidade de Deus na Cruz também confirma, para os crucificados, a sua intuição mais profunda no presente, ainda que esta intuição esteja sempre ameaçada pela resignação, pelo cepticismo ou pelo cinismo. Uma ressurreição tornada credível através da proximidade de Deus na Cruz também confirma que o Bem é mais real do que o mal, mesmo que este nos inunde por toda a parte; a Graça é mais real do que o pecado, mesmo que o pecado continue a dar a morte, e que há mais Verdade na teimosia da Esperança, há mais Verdade em tentar sempre o novo, em procurar sempre as libertações históricas, em não fazer um pacto com a natureza limitada e pecaminosa da história ‒ ainda que ambas estejam omnipresentes ‒ do que na falsa sabedoria da resignação.

Em última análise, a teimosia da esperança é aquilo a ressurreição transmite ao crucificado; e fá-lo não porque é uma manifestação de poder, mas porque é uma manifestação do amor de Deus. O poder puro e duro não gera necessariamente esperança, mas um otimismo calculado. O amor, porém, transforma as expectativas em esperança. O “Deus crucificado” é o que faz com que seja credível o «Deus que dá vida aos mortos», porque se revela como um Deus de amor e, por conseguinte, como esperança para o crucificado.



5-A autoridade senhorial de Jesus no presente: o ‘homem novo’ e a ‘terra nova’

A ressurreição de Jesus aponta para o futuro absoluto, mas também aponta para o presente histórico. Jesus é agora Senhor e os crentes são agora os homens novos e as mulheres novas. A ressurreição de Jesus não os separa da História, mas introdu-los nela de um modo novo, na medida em que os crentes no Ressuscitado já vivem como “ressuscitados dentro das condições da História”. Além disso, há uma correlação entre as duas novidades: o atual senhorio de Jesus revela-se na existência de homens novos. São eles que transformam em realidade "in actu" o facto de Jesus “ser desde já” o Senhor da História.

Contudo e novamente, esta grande e consoladora verdade está referida ao crucificado. Sem a memória activa e eficaz do crucificado, o ideal da “pessoa nova” toma um rumo perigoso e anticristão, reivindicando uma “identificação directa” com o Ressuscitado. Daqui podemos deduzir dois tipos de consequências desastrosas. Ou a “pessoa nova” é equiparada à pessoa que salta fora da história mundana e fica entregue à sua sorte, ao seu devaneio individual ‒ quaisquer que sejam as suas intenções, ‘vidé’ todos os tipos de movimentos entusiastas, pentecostais, etc., ‒ ou, o que é pior, a “pessoa nova” é equiparada a um ser humano que olha a história de cima para baixo e de fora para dentro, tentando assim assenhorear-se do gesto do Ressuscitado, procurando dominar a realidade mundana em nome do poder do Ressuscitado, tal como o demonstram muitas atitudes autoritárias e dogmáticas da Igreja em relação aos homens e às mulheres (vidé: Conferência Episcopal Italiana e ordenação de sacerdotes gays).

Esta perversão na compreensão e prática da “pessoa nova” tem a sua origem naquilo a que podemos chamar a compreensão “docetista” da ressurreição de Jesus. Esta compreensão não nega a carne de Jesus, como fazia o docetismo clássico, mas torna a vida e, sobretudo, a cruz de Jesus algo provisório, que efectivamente desaparece quando ocorre a ressurreição. Deste modo, um ressuscitado é apresentado sem cruz, um fim sem provação, uma transcendência sem história, um senhorio sem serviço.

Não iremos agora entrar em detalhes concretos quanto às consequências históricas perniciosas do perigo que aqui formulamos abstractamente. Queremos apenas recordar o crucificado a fim de evitar o perigo de qualquer tipo de identificação directa com o crucificado e contribuir positivamente para mostrar como os seres humanos novos podem desde já viver como ressuscitados no interior da história.

O caminho para o homem e a mulher novos não é outro senão o caminho de Jesus para a sua ressurreição. Dele se diz que foi feito Senhor pelo seu rebaixamento (Filipenses 2,1-18), no qual duas coisas são realçadas. A primeira é que Jesus passou por um processo de se tornar Senhor; e a segunda é que esse processo foi um processo de fidelidade àquela história concreta que produziu esse aviltamento. Também não há outro caminho para a “pessoa nova”. Seria um grave erro pensar que a encarnação e a fidelidade à história eram necessárias apenas para Jesus, como se pudéssemos ser poupados àquilo que Ele não foi poupado. Em termos gráficos, seria um erro grave pretender apontar para a ressurreição de Jesus na sua última fase, sem passar pelas mesmas etapas históricas pelas quais Jesus passou e que o levaram à sua última fase. A vida da “pessoa nova” é essencialmente um processo.

O conteúdo deste processo, que é descrito como um processo de humilhação, é bem conhecido. Trata-se da encarnação no mundo dos pobres (Leonardo Boff, «El Precio de la liberdad»; entrevistado por J. M. Castillo e J. A. Estrada. Col. “El intelectual y su memoria”, Editorial Universidad de Granada, ISBN 9788433838483), de lhes anunciar a boa nova, de sair em sua defesa, de denunciar e desmascarar os poderosos, de assumir o destino dos pobres e assumir a consequência última dessa solidariedade, a Cruz. É isto que é viver como se estivéssemos ressuscitados.

Em palavras de Paulo, consiste em «tornar-se filhos no Filho», e, numa frase mais histórica, consiste no Seguimento de Jesus. Viver como homens e mulheres ressuscitados é percorrer o caminho de Jesus e não se identificar directamente com o ressuscitado. É percorrer, fiéis à História, o caminho que conduz à cruz.

O actual senhorio dos crentes não é outra coisa senão o serviço à história, na qual devem encarnar-se, demonstrando assim que Cristo já é o Senhor da História. Este senhorio não é exercido simplesmente porque os crentes O reconhecem como Senhor, mas porque eles são servos «in actu». Ao falarmos do Reino de Cristo hoje estaríamos bem longe da verdade se com isso quiséssemos dizer que Cristo passou a ser servido pelo mundo, passou a ter o mundo inteiro como seu vassalo. A verdade é bem diferente. O reino de Cristo torna-se real na medida em que há servos como Ele foi.

Sem dúvida, este é o grande paradoxo cristão, abundantemente repetido, mas difícil de assimilar: ser senhor é servir. A ressurreição de Jesus não eliminou este paradoxo, mas sancionou-o definitivamente. Assim, o senhorio de Cristo manifesta-se no carácter servil da vida dos crentes e na eficácia deste serviço ao mundo.

A primeira significa que o novo ser humano não é outro senão o servo humano, aquele que verdadeiramente crê que aquele que dá é mais feliz do que aquele que recebe, que aquele que mais se rebaixa para servir é maior. O segundo significa que este serviço é para a salvação do mundo.

No NT afirma-se que Jesus já exerce um senhorio «cósmico». Esta linguagem é vertiginosa, mas pode ser facilmente compreendida se for historicizada a partir de outro tipo de linguagem do Novo Testamento, como a da «nova terra e novo céu», ou, sobretudo, da linguagem do próprio Jesus: «o Reino de Deus». O crente é o senhor da história aquando da tarefa do estabelecimento daquele reino aquando da luta pela justiça e na libertação integral, na transformação de estruturas injustas em estruturas mais humanas. Usando a linguagem da ressurreição, poderíamos dizer que o senhorio se exerce repetindo na história o gesto de Deus que ressuscita Jesus dos mortos: dar vida aos crucificados da história; dar vida àqueles que estão ameaçados nas suas vidas. Esta transformação do mundo e da história segundo a vontade de Deus é a forma assumida pelo senhorio de Jesus, que assim se torna verificável! Aqueles que a ela se dedicam vivem como que “ressuscitados na história”.

“Seguir Jesus”, “servir", “trabalhar pelo reino”, são realidades exigidas pelo Jesus histórico. Alguém pode perguntar porque é que lhes chamam «modos de vida como estando já ressuscitados» ou o que é que a ressurreição de Jesus acrescenta a essas exigências.

Quanto ao conteúdo, não acrescentam nada de novo. «Como viver na história?», sabemo-lo a partir do jeito do Jesus histórico. O que a ressurreição diz é que esta vida é a vida verdadeira, e que é a vida «nova», não porque vence a história, mas porque vence o pecado da história. No entanto, a ressurreição de Jesus acrescenta a presença permanente de Jesus entre nós, tornando assim possíveis duas modalidades ‒ e não dois novos conteúdos ‒ de viver historicamente o seu seguimento.

O NT sublinha que o novo ser humano é um ‘ser humano’ livre, e isso é justificado a partir da ressurreição, pois «o Senhor é o Espírito e onde está o Espírito do Senhor, aí está a liberdade» (2 Cor 3, 17). Essa liberdade, obviamente, não tem nada a ver com libertinagem, nem com saltar fora da história. Também não cremos que esta liberdade deva ser invocada em primeiro lugar para benefício próprio dentro da Igreja, como acontece em certas teologias de natureza liberal e esclarecida, embora isso seja legítimo em outros capítulos. Mas a liberdade fundamental que a presença do Ressuscitado produz não existe. Isto consiste antes em não ser escravo da história, do medo; em não ficar paralisado pelos riscos e pela prudência mundana. Positivamente, consiste na máxima liberdade do amor para servir, sem que nada coloque limites ao serviço. Consiste na atitude do próprio Jesus que dá a sua vida livremente, sem que ninguém a tire d'Ele.

Uma vida radicalmente livre para servir traz consigo a sua própria alegria, mesmo no meio dos horrores da história. Nessa alegria sente-se a presença do Ressuscitado. No meio da história ouvimos as suas palavras: “não tenhas medo”, “estarei sempre contigo”. Paulo repete exultantemente que “nada nos separará do amor de Cristo”. Apesar de tudo e contra tudo, o seguimento do crucificado produz a sua própria alegria.

Essa liberdade e alegria são a expressão de que já estamos vivendo como novos seres humanos, ressuscitados na história. Isso é a expressão histórica (entre nós) do triunfo da ressurreição de Jesus. Fazem com que o seguimento de Jesus não seja o cumprimento de uma exigência ética pura que se mantém, mas que este seguimento traga em si a marca da verdade e do sentido. Mas, lembremo-nos mais uma vez: nem a liberdade, nem a alegria, nem qualquer outra expressão que se refira à ressurreição de Jesus, são cristãmente possíveis fora ou contra o seguimento de Jesus crucificado. Não há outro caminho para o novo ser humano, para a pessoa que quer participar do senhorio de Jesus; mas, nesse caminho, vive-se verdadeiramente como ressuscitado e como Senhor da história.



6-Uma palavra final para a Igreja

Muitas vezes é difícil, para a Igreja, anunciar a ressurreição de Jesus. Acreditamos que a raiz da dificuldade está em querer anunciá-la ao vivo, esquecendo o crucificado. Quando isso acontece, o anúncio da ressurreição torna-se rotineiro ou símbolo de esperança universal, o que pode desencadear emoções na celebração litúrgica, mas pouca eficácia para a vida histórica. Pode acontecer também que a Igreja ouça dos seus ouvintes o que os atenienses disseram a Paulo: «Não estamos interessados. Falamos mais tarde…» (Actos 17,16-34). E, no fundo, não deve haver razão para nos surpreendermos. O anúncio da ressurreição de Jesus é a revelação de Deus que constitui o cume de toda uma longa História de Revelação. Quem quiser ficar-se apenas pelo final dessa história não vai entender esse final.

Mas aqueles que percorreram este caminho desde o princípio, que fizeram como seu o Caminho de Jesus, a loucura de Jesus e o escândalo da Cruz, podem ouvir a partir de fora – quando a ressurreição de Jesus lhes é anunciada – a palavra que carregam dentro: que a vida de Jesus foi a verdadeira vida e, portanto, Jesus permanece para sempre; que a vida é mais forte do que a morte; que a justiça é mais forte do que a injustiça. Essa esperança é mais real do que a resignação. A fidelidade à história seguindo Jesus fá-lo-á esperar um fim abençoado para si mesmo e para os outros, sem, contudo, saber exactamente como nem quando, mas com a convicção crescente e inabalável de que esta história de horrores acabou por lhe vir parar ao colo “via Deus” (…que é apenas Amor).

Por isso, cremos que a primeira pergunta que se dirige à Igreja, precisamente quando quer anunciar a ressurreição de Jesus, é se ela está verdadeiramente ao lado da Cruz de Jesus e das inúmeras cruzes da história de hoje. Não há outro lugar para falar cristãmente sobre a ressurreição de Jesus. Quando isso não acontece, há um sentimento de impotência para falar da ressurreição, sente-se um impasse teórico e prático para dizer aos homens de hoje algo tão simples como, por exemplo, que eles já podem viver como ressuscitados e como o poderão fazer. Atrapalhados, lançamos precipitadamente mão de expressões da linguagem tais como "mistério" e "fé". E digo precipitadamente, não porque a ressurreição não tenha de ser expressa dessa maneira, mas porque simplesmente não há história suficiente para dar lucidez a essa linguagem.

No entanto, quando a Igreja está próxima do crucificado e dos crucificados, sabe falar do Ressuscitado, suscitar a esperança e fazer viver os cristãos como ressuscitados na história. Talvez as palavras usadas sejam as mesmas que as usadas em outros lugares, contudo passam a ter um significado diferente: os cristãos compreendem-nas e essas palavras desencadeiam ‘vida humana cristã’. Basta citar, como exemplo, a pregação de Dom Romero sobre Jesus ressuscitado.

A razão para isso não é outra senão o facto de Jesus estar hoje presente nos crucificados da história, tal como nos recorda Mt 25,1-31. Neles Jesus apareceu novamente, exibindo certamente mais as suas feridas do que a sua glória, mas estando realmente neles.

Tudo o que foi dito pode parecer loucura ou o resumo de uma dialética refinada. O autor também está ciente de que a situação em El Salvador e na América Central reproduz muito mais a Sexta-Feira Santa do que o Domingo de Páscoa e, portanto, tende a fazer da “necessidade” dessa Sexta-Feira Santa a “virtude” do Domingo de Páscoa. No entanto, no meio de tudo isto, acabamos como começámos. A ressurreição do crucificado é verdadeira. Vai continuar a ser uma loucura, como foi para os Coríntios. Porém, fora dessa loucura, porque é verdade, ou fora dessa verdade, mesmo que seja loucura, a ressurreição de Jesus não passaria de mais um símbolo entre numerosos símbolos de “esperança na sobrevivência” que ao longo dos milénios os homens conceberam (nas suas religiões e nas suas filosofias) e adoraram. Seja como for, “fora dessa loucura e dessa verdade” ele nunca seria o símbolo cristão da esperança.

Essa verdade continua a repetir-se historicamente. A ênfase no crucificado não está ao serviço de uma construção dialética conceptual, mas vem da confirmação da realidade histórica do crucificado. Quando um agente pastoral de uma comunidade de base em El Salvador, que foi duramente atingida pela repressão, foi questionado sobre o que eles estavam a fazer enquanto igreja, ele respondeu simplesmente: «manter a esperança daqueles que sofrem». «E para isso» ‒ acrescentou ‒ «lemos os profetas e a paixão de Jesus. Assim, aguardamos a ressurreição.»

Ninguém espera mais pela ressurreição do que os crucificados. Porém, mantêm essa esperança recordando a vida e a morte de Jesus, tentando reproduzi-las activamente ou sofrendo passivamente um destino que se assemelha ao destino de Jesus enquanto servo desfigurado de Javé (2º Isaías 52,13). Paradoxalmente, isto gera esperança.

É a partir dos crucificados da história, sem pactuar com as suas cruzes, que deve ser proclamada a ressurreição de Jesus. Jesus está presente neles, hoje; ao serviço deles, o senhorio de Jesus torna-se hoje também presente. Na teimosia em não estabelecer um pacto com as suas cruzes e em procurar sempre a libertação dessas cruzes, a esperança inabalável estará para sempre presente «in actu» e no Caminho Histórico. A partir daí é possível compreender um pouco mais o que queremos dizer quando falamos da ressurreição de Jesus. Mais: a partir daí podemos construir a ponte entre a nossa história e a realidade do Ressuscitado.



"Sal Terrae", marzo 1982



LINK:



HANS KUNG n’A Sala de Cima (30/10/2018), a propósito da «Eutanásia» e a Vida Eterna…

https://asaladecima.blogspot.com/2018/10/eutanasia-4.html



10 de janeiro de 2025

Jesus Cristo ressuscitou ao terceiro dia?

 

Edições TAIZÉ

Jesus Cristo ressuscitou ao terceiro dia?

Ariel Álvarez Valdés, teólogo
Argentina, 04 Abril 2020



Todos os domingos, nas suas celebrações, muitos cristãos recitam o Credo, a sua confissão fundamental de fé. Nela afirmam que Jesus Cristo “foi crucificado, morreu e foi sepultado, desceu ao inferno e, ao terceiro dia, ressuscitou dos mortos”. Mas Jesus realmente ressuscitou no terceiro dia? Quando lemos os Evangelhos, dizem apenas que no Domingo de Páscoa um grupo de mulheres descobriu que o túmulo estava vazio, mas não dizem a que horas ocorreu a ressurreição.

Para complicar ainda mais as coisas, os Evangelhos usam expressões diferentes para se referir a essa data. Às vezes, dizem que aconteceu “no terceiro dia” após a sua morte. É o que afirma, por exemplo, São Lucas, quando narra a aparição de Jesus aos seus discípulos no Domingo de Páscoa: «Assim está escrito que o Messias havia de sofrer e ressuscitar de entre os mortos, ao terceiro dia» (Lucas 24, 46). Se considerarmos que Jesus morreu numa sexta-feira às três horas da tarde, e contarmos esse dia como o primeiro, então o segundo seria sábado e o terceiro seria domingo. Portanto, Jesus teria ressuscitado no Domingo de Páscoa. É assim que a Igreja sempre a entendeu, e é por isso que é celebrada na sua liturgia.



Dilemas de quem conta um conto…

Mas outras vezes os Evangelhos, em vez de dizerem que a ressurreição foi “ao terceiro dia”, dizem que foi “em três dias”. Por exemplo, quando Jesus expulsou os mercadores do Templo de Jerusalém, os judeus pediram-lhe uma explicação sobre o que ele tinha feito, e ele respondeu: «Destruí este templo, e em três dias Eu o levantarei!» (João 2,19). O Evangelista comenta que estas palavras se referiam à sua ressurreição dos mortos (João 2,21-22). De acordo com esta outra fórmula (“em três dias”), estamos perante um período de 72 horas. Se Jesus tivesse morrido na sexta-feira à tarde, então a sua ressurreição teria ocorrido na segunda-feira.

Finalmente, alguns textos evangélicos dão uma terceira versão e falam da ressurreição que ocorre “passados três dias”. Por exemplo, quando Jesus informa os seus discípulos da sua morte iminente em Jerusalém, diz-lhes: «O Filho do homem deve sofrer muito, será rejeitado pelos anciãos, pelos principais sacerdotes e escribas, e eles matá-lo-ão; mas, passados três dias, ressuscitará» (Marcos 8, 31). De acordo com isso, se Jesus ressuscitasse “depois” de três dias, ou seja, no quarto dia, o evento teria ocorrido na terça-feira. Que dia, então, os Evangelhos apontam como o dia da ressurreição: o domingo, a segunda-feira ou a terça-feira seguinte à sua morte?

À noite no cemitério

Mas qualquer que seja a fórmula que adotemos (“no terceiro dia”, “em três dias” ou “passados três dias”), nenhuma delas coincide com as narrativas evangélicas. De fato, Mateus narra que duas discípulas de Jesus, Maria Madalena e outra Maria, foram visitar o túmulo do Mestre "depois do sábado, no início do primeiro dia da semana", ou seja, domingo (Mateus 28:1). Ora, para os judeus, o domingo começava com o pôr do sol no sábado, por volta das 6h ou 7h da tarde. Portanto, segundo Mateus, foi no sábado à noite quando foram ao cemitério, descobriram o túmulo vazio e acharam que ele havia ressuscitado.

Por sua vez, no Evangelho de Lucas, lemos que Jesus crucificado diz ao ladrão arrependido que morre crucificado ao seu lado: «Hoje estarás comigo no paraíso» (Lucas 23, 43). E "hoje" refere-se ao dia da sua morte, ou seja, sexta-feira. Então, a ressurreição ocorreu na sexta-feira, sábado, domingo, segunda ou terça-feira? Essa discrepância nos mostra que ninguém sabia exatamente quando isso aconteceu.

 

Por causa de uma crença antiga

Hoje a teologia ensina que a ressurreição de Jesus deve ser entendida como um acontecimento que aconteceu no exato momento da sua morte. Que não houve lapso entre a sua morte e a sua entrada na vida eterna. Mas os primeiros cristãos não entendiam dessa forma. Para eles, foram dois eventos misteriosos e cronologicamente distintos. Portanto, depois de sua morte, eles tentaram determinar quando a ressurreição de Jesus teria ocorrido. E a resposta que deram foi: "ao terceiro dia".

Já São Paulo, na sua 1ª Carta aos Coríntios, resumindo os ensinamentos que transmitiu aos seus ouvintes, comenta: "Irmãos, recordo-vos a Boa Nova que vos preguei e que recebestes. Porque lhes transmiti o que eu próprio recebi. Primeiro, que Cristo morreu pelos nossos pecados de acordo com as Escrituras; que foi sepultado e ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras" (1 Coríntios 15,1-4). Paulo, então, já sabia no seu tempo (por volta do ano 53, muito antes de os Evangelhos serem escritos) o facto de que Jesus havia ressuscitado "no terceiro dia". Ele, por sua vez, afirma que a recebeu de pregadores anteriores, o que mostra quão antiga era essa crença. Mas como surgiu a ideia do "terceiro dia" entre os cristãos? A chave está nas palavras finais do texto de Paulo, quando ele acrescenta que isso aconteceu “de acordo com as Escrituras”. Aqui está a solução para o problema. De facto, de acordo com as Escrituras, quando Deus quer ajudar ou socorrer alguém do perigo, geralmente fá-lo «ao terceiro dia».

 

Um tempo para a dor

A primeira vez que encontramos essa ideia é numa famosa profecia dita por Oseias, um dos profetas mais antigos de Israel. Ao falar aos israelitas, Oseias disse-lhes: «Vinde, voltemos para o Senhor; Ele feriu-nos, Ele nos curará; Ele fez a ferida, Ele fará o penso. Dar-nos-á de novo a vida em dois dias, ao terceiro dia nos levantará, e viveremos na sua presença» (Oseias 6, 1-2).

Esta profecia expressava a confiança que os israelitas tinham na bondade de Deus, que às vezes parece punir-nos por um ou dois dias, mas ao terceiro dia, isto é, pouco depois, a raiva passa e Ele deita-nos a mão. Deus não está eternamente zangado com o homem.

 “Ao terceiro dia” significava apenas “em breve”, expressão de que Deus se serve para mostrar o Seu amor para com os Seus filhos. Os judeus, com base nesta profecia, chegaram à conclusão de que Deus não permite que as pessoas boas sofram mais de dois dias, porque ao terceiro dia Ele sempre vem para as livrar da sua aflição. Deste modo, o «terceiro dia» começou a ser interpretado como a data certa para a intervenção divina na História, o momento preciso para ajudar os justos. Assim, nos relatos do Antigo Testamento, esse prazo começou a ser nele incorporado a fim de mostrar que o que Oseias havia anunciado era verdade.

 

Com roupas limpas

Por exemplo, quando Abraão levou seu filho Isaac ao Monte Moriá para matá-lo e oferecê-lo como sacrifício, Deus apareceu a ele no terceiro dia e parou a mão que iria imolá-lo, salvando a vida do menino e da futura prole de Abraão (Génesis 22,1-4). Da mesma forma, quando os filhos de Jacó viajaram para o Egito para comprar comida, o livro do Génesis diz que eles foram presos e acusados de serem espiões, ficando as suas vidas em perigo. Mas ao terceiro dia, graças à intervenção divina, eles foram libertados e autorizados a retornar ao seu país sãos e salvos (Génesis 42,18: «No terceiro dia, José disse-lhes: “Fazei o seguinte e vivereis, porque temo o SENHOR”.»).

Da mesma forma, quando os israelitas deixaram o Egito e começaram a sua jornada pelo deserto, a marcha tornou-se difícil para eles porque eles não conseguiam encontrar água. Quando todo o povo estava prestes a morrer de sede, Deus interveio no terceiro dia e fez aparecer água potável, salvando-o da morte (Êxodo 15,22-25). Mesmo o maior evento de proteção divina, que foi a aliança entre Deus e o povo de Israel, ocorreu no terceiro dia. O texto bíblico diz que, quando os hebreus chegaram ao Monte Sinai, Deus falou a Moisés e disse: “O SENHOR disse a Moisés: «Vai ter com o povo, e fá-los santificar hoje e amanhã; que eles lavem as suas roupas. Que estejam prontos para o terceiro dia, porque ao terceiro dia o SENHOR descerá aos olhos de todo o povo sobre a montanha do Sinai.» (Êxodo 19, 10-11).

 

No ventre da terra

Muitos outros episódios bíblicos mostram Deus a agir no terceiro dia para preservar e acompanhar a vida de seu povo. É o caso, por exemplo, dos espiões enviados por Josué para explorar a Terra Prometida. Quando eles chegaram, o rei de Jericó ouviu falar sobre isso e perseguiu-os para os matar, mas eles foram salvos no terceiro dia (Josué 2,16). Davi também foi libertado por Deus no terceiro dia das mãos de seus inimigos, que haviam invadido o acampamento hebreu e sequestrado as suas mulheres e crianças (1 Samuel 30,1-20).

Ezequias, um dos reis de Jerusalém, teve uma experiência ainda mais extraordinária. Estando gravemente doente, e tendo já preparado todos os detalhes do seu próprio funeral, Deus falou-lhe através do profeta Isaías e anunciou-lhe que ao terceiro dia sairia da cama completamente curado (2 Reis 20,1-11). O livro de Ester conta-nos a história desta rainha, e como ela tinha sido proibida de comparecer perante o rei sem autorização. Se o fizesse, seria punida com a morte. Ester, porém, devido a uma emergência que tinha, apresentou-se ao monarca; mas fê-lo ao terceiro dia; e Deus salvou não só ela, mas todo o povo judeu que estava prestes a ser exterminado (Ester 4,16; 5,1).

Talvez o episódio mais significativo de uma salvação divina no terceiro dia seja encontrado na vida do profeta Jonas. De acordo com a Bíblia, ele havia recebido uma ordem divina para ir pregar na cidade de Nínive. Mas Jonas desobedeceu à ordem e fugiu num navio para Espanha. Durante a viagem, um enorme peixe o devorou, “e Jonas ficou no ventre do peixe por três dias e três noites” (Jonas 2,1). Ali, nas entranhas do cetáceo, Jonas orou arrependido pedindo perdão. Então Deus fez com que o peixe vomitasse na praia e o devolvesse são e salvo.

Vemos, assim, que no Antigo Testamento é comum encontrar Deus a realizar as suas grandes obras ao terceiro dia. Era uma forma de ensinar que, embora às vezes os justos sofram, o seu sofrimento terá sempre uma duração limitada, porque Deus virá no devido tempo para os salvar.

 

O Profeta Actualizado

Mas, no século II a.C., uma nova ideia entrou no povo de Israel: a da ressurreição dos mortos. Até aquele momento pensava-se que, quando alguém morresse, nunca mais voltaria à vida, porque a morte era o estado definitivo do ser humano. Mas, por volta de 200 a.C., surgiu na Palestina a crença de que Deus um dia trará os mortos de volta à vida. Então a profecia de Oseias, proferida 600 anos antes, sofreu uma reinterpretação.

Até aquele momento dizia-se que Deus só “ajudava” no terceiro dia, quando alguém tinha um problema. Mas como o maior problema que um homem pode ter é o da morte, os judeus pensavam que a profecia também poderia referir-se à ressurreição dos mortos: Deus ajudaria as pessoas levantando-as ao terceiro dia. Esta crença refletiu-se na nova tradução do livro de Oseias para o aramaico, séculos mais tarde (uma tradução chamada Targum). Essa tradução, em vez de dizer: «Depois de dois dias, Ele nos dará a vida, e no terceiro dia Ele nos ressuscitará», como dizia o hebraico original, ele diz: «Na consolação futura Ele nos dará a vida, e na ressurreição dos mortos Ele nos ressuscitará». De acordo com esta tradução, Oseias não anuncia que Deus nos levantará de nossas camas e nos restaurará a saúde ao terceiro dia, mas que Ele nos levantará do túmulo e nos trará de volta à vida.

 

Uma maneira de falar

No entanto, houve um problema. De acordo com esta nova interpretação da profecia, Deus ressuscita os mortos “no terceiro dia”. Mas no terceiro dia de quê? Das suas mortes? Isso não era verdade. Grandes personagens do Antigo Testamento, como Abraão, Isaque e Jacó, já haviam morrido há muito tempo e ainda não tinham ressuscitado. E já tinham passado mais de três dias desde a sua morte. Como calcular, então, esses três dias?

Para sair do atoleiro, os rabinos disseram que aqueles três dias não se referiam a períodos de 24 horas, mas a etapas da história. Assim, o primeiro dia correspondia à Era Presente, o segundo dia ao Tempo do Messias e o terceiro dia ao Mundo Futuro no qual os mortos ressuscitarão. O “terceiro dia” era, portanto, uma forma de falar de uma época futura, da terceira etapa da história, quando aqueles que dormem o sono da morte se levantarão de seus túmulos e voltarão à vida.

 

Para que calhe no domingo

Voltemos agora aos primeiros cristãos. Quando se convenceram de que Jesus estava vivo e correram para anunciar a sua ressurreição, ninguém sabia exatamente em que dia isso tinha acontecido. Só acreditavam que ele tinha voltado à vida. Mas, para eles, essa ressurreição inaugurou a nova era da ressurreição dos mortos, a terceira etapa, o novo tempo do Reino de Deus anunciado pelo profeta Oseias. Por isso começaram a dizer que tinha sido “no terceiro dia”. A expressão não pretendia aludir ao dia em que as mulheres descobriram o túmulo vazio, nem ao dia das manifestações de Jesus no Domingo de Páscoa, mas à Nova Era em que a humanidade tinha entrado, Era aquela em que todos os mortos podiam agora ressuscitar (mesmo que ainda não o fizessem). O tempo da salvação, tão desejado pelos judeus, tinha finalmente começado.

É por isso que os Evangelhos são tão vagos quanto ao momento exato da ressurreição de Jesus. O que importava era mencionar o número "três", mesmo que a fórmula variasse (“em três dias”, “depois de três dias”, “ao terceiro dia”). Mais tarde, quando a ressurreição começou a ser contada como um facto historicamente comprovado, o domingo foi escolhido para a celebrar. Assim, os evangelistas procuraram fazer com que a expressão coincidisse mais ou menos com os dados que tinham. Assim, Marcos diz que Jesus anunciou a sua ressurreição para “depois de três dias” (Marcos 8,31; 9,31; 10,34). Por outro lado, Mateus e Lucas, vendo que se Jesus tivesse morrido numa sexta-feira, faltavam menos de três dias para domingo, mudaram a fórmula e colocaram “ao terceiro dia”.

 

Uma vida sem cadáver

O poeta grego Homero, em “A Ilíada”, nunca descreve a beleza de Helena, por cuja beleza foi desencadeada a «Guerra de Troia». Ele não tinha palavras para isso. Em vez disso, recorre a uma dramatização: diz que dois homens a viram um dia passar, no alto dos muros de Troia, e que um deles exclamara espantado e apontando: “Nem que fosse só por aquela mulher, teria valido a pena a guerra que travámos.” Um recurso genial de Homero! Sem descrevê-la, o recurso de Homero deixa o leitor a interrogar-se acerca de que tipo de beleza seria ela!? O mesmo fazem os evangelistas: eles não têm palavras para descrever a ressurreição de Jesus. É algo que ultrapassa toda a expressão. Só falam do túmulo vazio.

Há coisas que não podem ser descritas por palavras, porque excedem as nossas categorias mentais. Como disse Joseph Ratzinger no seu livro “Introdução ao cristianismo”: "Cristo, com a sua ressurreição, não voltou mais à sua vida terrena anterior, tal como aconteceu com o filho da viúva de Naim ou com Lázaro. Cristo ressuscitou para a vida que não se enquadra nas nossas leis químicas e biológicas." É por isso que a sua ressurreição não tem uma data específica.

Mas, embora não a possamos datar com um dia fixo, podemos fazê-lo a partir da mudança que ocorreu nos discípulos. Eles, que eram homens impetuosos, intolerantes, duvidosos, ambiciosos, a partir daquele momento sentiram-se completamente transformados e até capazes de enfrentar os perigos e resistir às dificuldades, ao ponto de darem a vida pela fé que haviam adquirido. Tinham compreendido que, se os tempos tinham mudado, também eles tinham de mudar.

Afirmar que Jesus ressuscitou ao terceiro dia não significa acreditar numa data, mas num novo modo de vida, no qual já não vivemos como cadáveres; em que não pactuamos com qualquer modo de vida corrupto; em que assumimos um compromisso formal com as outras pessoas; em que, para além das adversidades e das quedas, continuamos a erguer-nos todos os dias da nossa prostração. Porque a única maneira de provar que Jesus está vivo [ressuscitou] é mostrar que os seus seguidores estão. [«Almeida Garrett não pactuava, antes apontava o dedo aos “economistas e os políticos,” [e perguntava-lhes] se já tinham calculado o número de indigentes que são necessários manter na penúria para produzir um rico…»]

 

 

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Otro caso más del inverno eclesial de la época Juan Pablo II

ARIEL ALVAREZ VALDÉS RENUNCIA AL SACERDOCIO

Resumen de prensa

Debido a un largo conflicto con el Vaticano, el sacerdote y reputado biblista Ariel Alvarez Valdés  decidió dejar el ministerio sacerdotal, “cansado” de lidiar con la censura del Vaticano y del obispo de Santiago del Estero, Francisco Pólit, del Opus Dei, "para poder dedicarme a la Biblia y enseñar sin presiones la Palabra de Dios", según expresó el religioso.

Desde hace 15 años Álvarez Valdés viene manteniendo un debate con Roma debido a algunas afirmaciones que vertió en sus libros, y que fueron observadas por la Sagrada Congregación para la doctrina de la fe a través del entonces secretario, Tarcisio Bertone.

La Santa Sede, si bien reconoció por escrito que el biblista santiagueño no tenía errores doctrinales, le cuestionó el hecho de haber "hecho públicas" tales enseñanzas, que podían generar confusión entre los fieles. Alvarez Valdés presentó su renuncia al sacerdocio en julio de 2009, y aunque siguió dialogando con el Obispado local tratando de encontrar un acuerdo, finalmente no pudieron llegar a ningún arreglo, "debido a que se me puso como condición, en la última carta que me mandaron en noviembre del año pasado, que yo escribiera un artículo reafirmando la historicidad del relato de Adán y Eva, algo que para mí es inaceptable como biblista", sostuvo el ex sacerdote.

Tristeza

"Resulta triste que tenga que dejar el sacerdocio para poder dedicarme a la Biblia; pero desde hace casi dos años estoy impedido de hablar, escribir, publicar, enseñar o dar cursos, y todo por unas afirmaciones que resultan secundarias para nuestra fe, como es el caso de Adán y Eva o el arca de Noé, que no afectan ningún dogma", añadió.

7 "Renuncio porque a partir de ahora quiero dedicarme a divulgar la Palabra de Dios, tal como me enseñaron en las universidades católicas y pontificas donde estudié, en Jerusalén donde hice la licenciatura, y en Salamanca donde hice el doctorado en Teología Bíblica, y que siendo sacerdote diocesano me resulta imposible hacer por una prohibición", concluyó el reconocido biblista.

Ariel Álvarez Valdés, de 52 años, ejercía el sacerdocio en Santiago del Estero, capital de la provincia argentina homónima (norte).

“Escribí un artículo donde decía que no se podía ser poseído por el demonio, sino que eran enfermedades. Me obligaron a retractarme”, declaró a la radio bonaerense Continental. “Algunos pasajes de la Biblia no ocurrieron de forma literal, sino que son parábolas que buscan explicar alguna significación religiosa”, explicó al concretar los motivos por los que niega la veracidad histórica de Adán y Eva, y del arca de Noé.

Álvarez Valdés también niega la existencia del ángel que habló con la Virgen María, las apariciones físicas de la Virgen y pone en duda que Jesús haya nacido en Belén. “Tengo más de mil quinientas publicaciones en revistas de todo el mundo. Todo lo que yo enseñaba estaba publicado en libros de católicos”, destacó Álvarez Valdés. “El Vaticano hizo revisar todos mis libros por peritos especializados en Teología del mismo Vaticano y no pudieron encontrar ningún error de dogma. Entonces intentaron que me retractara igual”, remarcó.

El religioso recordó que en 2002 había recibido una amonestación del Vaticano y otra del obispo Pólit, el año pasado, en ambos casos con la exigencia de mantener “silencio” y de retractarse de sus dichos.

 

En torno al caso de Ariel Alvarez - RETRACTACIONES Y CONDENA

Por Xabier Pikaza

 

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Ariel Álvarez Valdés vino a Salamanca el 2002, perseguido por "nueve acusaciones" de las que debía responder ante el Cardenal Bertone. Le dieron un tiempo para que lo estudiara. De todas formas, su obispo le defendió y siguió actuando como solía. Ariel terminó su tesis y volvió a Santiago del Estero el año 2004.

Sin embargo, las cosas se complicaron porque el 19 de agosto de 2005 el obispo Juan Carlos Maccarone tuvo que presentar la renuncia, aceptada por el Vaticano. No convenía que siguiera Maccarone y le encontraron un «fallo grave» (con medios 8 ilegales) «en un hecho reñido con la moral católica, como resultado de una estrategia diligentemente montada por intereses políticos, económicos y eclesiásticos».

Así nombraron obispo a Francisco Polti, conocido miembro del Opus Dei, con el encargo de "resolver el asunto Ariel Álvarez". Y parece que, por ahora, lo ha resuelto, a su manera. La nueva formulación de las nueve tesis discutidas. Ciertamente, las cosas de palacio van despacio… y así dejaron pasar algún tiempo. Pero el año 2007 quedaron fijas las "retractaciones" enviadas a Roma por Ariel. Él mismo me las mandó, en marzo de 2007: «El Vaticano me pide que me retracte de 10 temas. Yo los redacté de tal manera que quedara claro que lo que yo decía no era tan absurdo para el sentido común, para que la gente común que leyera mi retractación al menos se sintiera identificada con el pensamiento.»

 

 

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RETRACTACIÓN EN EL ÁMBITO NACIONAL

En mi condición de sacerdote de la Iglesia Católica, y por pedido expreso de la Santa Sede, quiero rectificarme por medio de la presente de algunas afirmaciones que han resultado ser contrarias a las enseñanzas de la Iglesia Católica (según el Catecismo de la Iglesia Católica), Iglesia a la que amo, respeto, y deseo seguir permaneciendo unido desde mi ministerio.

1.- Yo había afirmado que a Dios no le agrada el sufrimiento del hombre, que no lo manda, ni lo permite directamente, porque Dios salva mediante el amor y no mediante el dolor. Y que jamás puede entrar en la voluntad de Dios algo que pueda hacer sufrir al hombre.  Sin embargo, esto no coincide con las enseñanzas de la Iglesia Católica, de que el sufrimiento tiene un valor salvífico.

2.- Yo había afirmado que Dios siempre hace milagros, pero no suspendiendo ni superando las leyes de la naturaleza, pues estas leyes están bien hechas por Dios, y no hay necesidad de suspenderlas; que Dios cuando hace milagros los hace a través de las mismas leyes de la naturaleza, muchas de ellas desconocidas por el hombre, por eso a veces tenemos la impresión de que éstas se "suspenden". Y que esta explicación no minimiza en absoluto el poder de Dios, al contrario, lo afianza y engrandece. Sin embargo, esto no coincide con las enseñanzas de la Iglesia Católica, de que los milagros, en cuanto suspensión de las leyes naturales, son posibles.

3.- Yo había afirmado que, con las enseñanzas de Cristo, el valor doctrinal del libro de Job había sido superado, pues este libro fue escrito cuatrocientos años antes de la venida de Cristo, y su autor no conocía las novedosas enseñanzas de Jesús respecto del sufrimiento. También afirmé que, con las enseñanzas de Cristo, el valor de los diez mandamientos había sido superado, pues éstos fueron 9 enseñados por Moisés para el pueblo judío, mientras que Jesús afirma en el Sermón de la montaña (Mt 5) que los cristianos no deben basarse en los diez mandamientos sino mostrar una conducta superior.  Sin embargo, esto no coincide con las enseñanzas de la Iglesia Católica de que, con la aparición del Nuevo Testamento, el valor doctrinal del libro de Job o de los diez mandamientos no fue superado (CIC 123).

4.- Yo había afirmado que los primeros capítulos del Génesis (el relato de Adán y Eva, de Caín y Abel, del arca de Noé) no contienen historia en el sentido moderno de la palabra, sino que pertenecen a un género literario especial, con el que se pretende transmitir más bien unas enseñanzas sobre el origen del hombre y del pecado en el mundo. Sin embargo, esto no coincide con las enseñanzas de la Iglesia Católica, de que, no obstante los géneros literarios, estos capítulos contienen relatos históricos.

5.- Yo había afirmado que el relato de la anunciación del Evangelio de San Lucas, es decir, la narración de un ángel que entra volando en la casa de María y conversa físicamente con ella, realmente no existió de esa manera, sino que Lucas empleó un género literario especial para contarlo, llamado "relato de anunciación", frecuentemente empleado en otras partes de la Biblia. Sin embargo, esto no coincide con las enseñanzas de la Iglesia Católica, de que el relato de la anunciación realmente tuvo lugar en la historia tal como lo cuenta San Lucas.

6.- Yo había afirmado que la idea de la virginidad de María "durante el parto" (es decir, el hecho de que no hubo ruptura de himen) está basada en los evangelios apócrifos, y que el parto de María en este sentido debió de haber sido normal, como el de toda muchacha, ya que esto no añade ni quita nada a la grandeza de María, así como no afecta al hecho de su virginidad perpetua. Sin embargo, esto no coincide con las enseñanzas de la Iglesia, de que María se mantuvo virgen incluso durante el parto (CIC 499). Además de esto, quiero aclarar dos afirmaciones que hice correctamente, pero que pueden ser malinterpretadas.

7.- Al escribir yo que el relato de Adán y Eva comiendo del fruto prohibido en el Paraíso no era una narración histórica, sino que sólo pretendía transmitir una enseñanza religiosa, algunos han pensado que yo negaba con ello la doctrina del pecado original. Por eso quiero aclarar que nunca negué tal doctrina, sino que la sostengo y reafirmo, tal como enseña la Iglesia Católica.

8.- Al decir yo que todos los cristianos, por el hecho de ser bautizados, son sacerdotes de Jesucristo, algunos han pensado que yo sostenía que todos son igualmente sacerdotes de Jesucristo en el sentido ontológico. Por eso quiero aclarar que siempre creí, y que quise decir, que el sacerdocio común de los fieles y el sacerdocio ministerial son diferentes esencialmente, y participan de distinta manera del único sacerdocio de Cristo.

Por lo tanto me retracto de todas estas afirmaciones que no coinciden con lo que actualmente enseñanza la Iglesia Católica.

En mi condición de sacerdote de la Iglesia Católica, y por pedido expreso de la Santa Sede, quiero rectificarme por medio de la presente de las siguientes afirmaciones que han resultado ser contrarias a las enseñanzas de la Iglesia Católica, a la que amo, respeto, y deseo seguir permaneciendo unido desde mi ministerio.

9. Yo había afirmado en este espacio, que una vez muerto el ser humano, el alma no se separa del cuerpo. Que tal separación es una idea de la filosofía griega, que no aparece en el Nuevo Testamento, de donde tomamos el concepto de resurrección. También había afirmado que la resurrección se produce inmediatamente después de la muerte, porque después de la muerte no hay tiempo que esperar. Sin embargo, esto no coincide con las enseñanzas de la Iglesia Católica, de que, al morir, se produce la separación del alma y del cuerpo, y mientras el cuerpo cae en corrupción, el alma va al encuentro de Dios en espera de reunirse con su cuerpo glorificado (CIC 997). Por lo tanto me retracto de estas afirmaciones que no están de acuerdo con lo que actualmente enseñanza la Iglesia Católica.

Pbro. Dr. Ariel Álvarez Valdés, Santiago del Estero (Argentina) POR PEDIDO EXPRESO DE LA SANTA SEDE

 

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Pareció en un momento que el tema se iba a resolver. El obispo Politi estaba contento. Pero hubo una frase que a él le molestaba… y que en Roma no pudieron aceptar: «por pedido expreso de la Santa Sede».

11 Querían que Ariel se retractara por sí mismo, por decisión espontánea… Estoy convencido de que hubo un momento en que estaba casi convencido a firmar «por voluntad propia, sin coacción ninguna», pero, al final, le pareció que eso era contrario a la verdad. Yo no quise opinar, la mayoría de los amigos no quisimos influirle nada. Pero algunos le dijeron que el Vaticano le pedía que mintiera… y que esos habían sido los métodos de la KGB. El caso es que pensó que así no podía firmar…

 

 

LA CONDENA

Decreto del Obispo diocesano de Santiago del Estero, monseñor Francisco Polti Santillán, superior eclesiástico inmediato del presbítero Ariel Álvarez Valdés, profesor de Teología, emitido con fecha cuatro de agosto del corriente año:

 

«Vistos los numerosos intercambios epistolares efectuados con el doctor Ariel Álvarez Valdés acerca del contenido de muchas de sus reflexiones y propuestas teológicas publicadas en diversos medios de la Argentina y de otros países.

Considerando:

1. Que algunas de sus afirmaciones causan perplejidad y llevan a pastores y fieles a preguntarse si dichas afirmaciones son compatibles con la enseñanza del Magisterio auténtico de la Iglesia.

2. Que el presbítero doctor Ariel Álvarez Valdés ha reconocido lo fundado de dichas reacciones provocadas por sus escritos y ha manifestado reiteradamente estar dispuesto a hacer las rectificaciones pertinentes en sus nuevas publicaciones.

3. Que el interesado también ha manifestado su disposición de hacer públicas las retractaciones correspondientes a las cuestiones teológicas que, en sus intervenciones, presentan ambigüedades o errores.

4. Que, sin embargo, el presbítero doctor Ariel Álvarez Valdés ha hecho notar que dichas retractaciones serían publicadas a condición de incluir una mención expresa a que se efectúan por pedido explícito de la autoridad eclesiástica.

5. Que de ser incluida en el texto dicha cláusula limitaría severamente la consistencia y la autenticidad de las retractaciones.

 

Por tanto, en virtud de lo establecido en los cánones 772, 812, 823, 824 y la legislación complementaria de la Conferencia Episcopal Argentina, por las presentes letras Decreto:

1. A partir del 5 de agosto de 2008 y mientras no se disponga otra cosa, el presbítero doctor Ariel Álvarez Valdés carece de licencias para hacer nuevas publicaciones o disponer la reedición de publicaciones anteriores.

2. A partir del 5 de agosto de 2008, el presbítero doctor Ariel Álvarez Valdés carece de misión canónica para la enseñanza de disciplinas teológicas en cualquier nivel de docencia, incluyendo cursos cortos, conferencias y toda otra actividad análoga.

3. A partir del 5 de agosto de 2008, el presbítero doctor Ariel Álvarez Valdés carece de licencias para participar en la organización y uso de medios de comunicación social, incluyendo internet, ya sea a través de escritos, grabaciones, filmaciones y cualquier otro tipo de soporte.

4. Exhorto al presbítero doctor Ariel Álvarez Valdés a que revise su actitud en espíritu de humildad, obediencia y comunión, para el bien de toda la Iglesia, y de un mayor y fructuoso servicio ministerial.

5. Notifíquese a quienes corresponda y, una vez cumplido, archívese.

 

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Y el trabajo duro se lo dejaron a Monseñor F. Politi Si, le dejaron el trabajo duro. No se atrevieron a firmar en Roma… El secretario anterior Angelo Amato, SDB, se fue sin firmar. No sabemos lo que hará el nuevo, cuando tome posesión (L. Ladaria). Estoy convencido de que tanto A. Amato como L. Ladaria piensan lo mismo que Ariel Fernández (y que así piensa también Josph Ratzinger, como teólogo). Pero todos ellos son hombres de tradición… Piensan que al "pueblo" no se le puede inquietar… Desde aquí quiero enviarle a Ariel mi amistad y mi solidaridad teológica. Es posible que yo matizara algunos de sus puntos, pero en el fondo estoy de acuerdo con ellos... y sobre todo, quiero defender su libertad teológica, dentro de la iglesia. Me solidarizo plenamente con su esfuerzo por acercar la Biblia al pueblo. Protesto por el interés que hay de "ocultar" las verdades. Lo que Ariel dice lo dicen de un modo u otro todos los teólogos, pero en Roma algunos tienen miedo de que el pueblo sepa, de que el pueblo piense. Dicho todo eso, a diferencia de algunos que se quieren "borrar" yo creo que sigue siendo coherente vivir y trabajar desde dentro de la iglesia, como quiere hacer Ariel. (X. Pikaza)

 

 

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